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Máfia solidária

Organizaes criminosas, como a Yakuza, enviam ajuda s vtimas do terremoto e do tsunami que destruiu parte do pas

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247 – O Japão tem cerca de 80 mil pessoas integrantes do chamado “shiteiboryokudan” (ou grupos violentos). Nesta classificação, a Yakuza, uma das facções mais famosas, conta com aproximadamente 62 mil membros separados em grupos: Yamaguchi-gumi (40.000 membros), Sumiyoshi-kai (12.000) e Inagawa-kai (10.000). Curiosamente, boa parte da ajuda humanitária às vítimas da tragédia que assola o país vem justamente dessas organizações criminosas.

Quem conta esta história é o jornalista Jake Adelstein, do jornal Business Insider. “Às vezes os piores momentos fazem aparecer o melhor nas pessoas”. É assim que ele começa o artigo em que descortina como estas forças criminosas estão agindo em meio ao caos japonês. Jake trabalhou no maior jornal do Japão, o Yomiuri Shinbun, e foi investigador chefe do Departamento de Estado dos EUA que pesquisava o tráfico de pessoas. Com tais credenciais, ele é considerado o maior especialista em crime organizado do país.

Poucas horas depois do terremoto seguido do Tsunami, dois dos maiores clãs da máfia japonesa abriram seus escritórios em Tóquio para atender as vítimas e transportaram em caminhões alimentos, água e cobertores para áreas devastadas.

No dia seguinte, o Inagawa-kai, terceiro maior grupo do crime organizado no país, enviou 25 caminhões de quatro toneladas cheios de fraldas, papel higiênico, macarrão instantâneo, pilhas, lanternas, bebidas e outros produtos essenciais para a região de Tohoku, nordeste do Japão. O Inagawa-kai foi o mais ativo dos grupos. Por ter fortes raízes com blocos e grupos regionais nas áreas atingidas, entre meia-noite de 12 de Março e início da manhã de 13 de março, o clã de Tóquio partiu com 50 toneladas de suprimentos para a prefeitura de Hitachinaka, em Ibaraki. Já o clã de Kanagawa mandou 70 caminhões para as áreas de Ibaraki e Fukushima para abastecer as áreas com elevados níveis de radiação. Eles não tinham o controle de quantas toneladas de suprimentos levaram, mas estima-se que foram mais de 100 toneladas. Destemidos, os próprios foram entrando nas áreas afetadas pela radiação sem qualquer proteção.

O Yamaguchi-gumi, maior clã da Yakuza, sob a direção de Tadashi Irie, também abriu seus escritórios em todo o país para abrigar o público e enviou caminhões de suprimentos.Tudo isso muito discretamente e sem alarde. Um dos membros do clã falou ao jornalista. “Por favor não diga nada além do fato de que estamos fazendo o nosso melhor para ajudar. Neste momento ninguém quer estar associado a nós e odiaria ter nossas doações rejeitadas”, disse.

Todos estes grupos se dizem Ninkyo Dantai (Grupo de cavalheiros). Como uma espécie de Rotary Club, são formados por líderes e profissionais do mundo dos negócios. A organização não existe secretamente já que eles possuem escritórios, cartões de visita e até revistas de fãs. A filosofia do Ninkyo Dantai é a de proteger o mais fraco, valorizando a humanidade, a justiça e o dever. Quase Robin Hoods. Mas nos filmes do diretor Itami Juzo, que foi atacado por membros da Yamaguchi-Gumi e Goto-Gumi, os gangsters japoneses continuam sendo grupos que exploram os fracos e desfavorecidos da sociedade, fugindo de qualquer um que seja forte o suficiente para enfrentá-los.

Na época do terremoto de Kobe, o Yamaguchi-Gumi foi uma das forças de ajuda mais importantes do país, distribuindo rapidamente suprimentos para a população das áreas afetadas. É bem verdade que todos esses suprimentos foram pagos com dinheiro de anos de extorsão na própria área, mas não se deve negar a utilidade que tiveram naquela hora.

A Yakuza sempre teve esse lado “filantrópico”. Intrinsicamente enraizada na cultura e na sociedade japonesas, ela é considerada por muitos como “um mal necessário”. O chocante é que todos sabem que a principal fonte de renda da Yakuza são as atividades ilegais. Recolhem dinheiro da prostituição, fazem chantagem, extorsão e fraudes. Daí a dificuldade de reconhecerem nela algum instinto cívico.

Esta realidade surrealista e contraditória fica mais fácil de ser absorvida se observada a realidade local, onde traficantes zelam por suas comunidades e morros como se fossem suas famílias. Em escala superior, a máfia japonesa desempenha o mesmo papel sobre todo um país. Desde o pós-guerra, o crime organizado japonês é tido como “mantenedor” da paz. Rumores apontam que o governo dos Estados Unidos contratou os serviços de um Yakuza para manter a ordem depois da 2ª Guerra e ainda de que o mafioso Yoshio Kodama teria financiado o partido democrata liberal do Japão, - que governou o país por mais de 50 anos.

No ano passado, quando Obama visitou o Japão, todos os grupos da Yakuza de Tóquio foram contatados pela polícia para que contessem os “ânimos” e mantivessem tudo no lugar. É curioso que a Yakuza mantém índices baixíssimos de crimes de rua, como arrastões, roubos, assaltos e assassinatos.

No Japão – e talvez em outros lugares do mundo até mais próximos – existe uma espécie de “contrato verbal” entre a polícia e as organizações criminosas para que durante uma crise se disponham a usar de suas forças para ajudar a reconstruir a sociedade. Isso tudo sem alarde ou publicidade. A organização criminosa costuma trabalhar na surdina. Como disse um dos membros na reportagem de Jake: “Não há Yakuza, Katagi (pessoas comuns) ou gaijin (grindos) no Japão, neste momento. Somos todos japoneses e precisamos ajudar uns aos outros”.

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