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Membro da Comissão da Verdade da Nicarágua fala sobre a crise no país

Eleito em maio para integrar a Comissão da Verdade da Nicarágua, Cairo Amador, um dos principais analistas políticos de seu país, diz que, ao contrário do que está sendo propagado pela mídia internacional, os números demonstram que não se pode chamar de "massacre" nem de "pacíficas" todas as manifestações contra o governo, mas sim um cenário de violência que também é praticada por opositores armados

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Eduardo Vasco, especial para o 247 - Em entrevista exclusiva ao Brasil 247, o cientista político Cairo Amador explica o que está acontecendo na Nicarágua, onde, há três meses, protestos violentos tentam derrubar o governo de Daniel Ortega.

Amador, um dos principais analistas políticos de seu país, foi eleito em maio para integrar a Comissão da Verdade, composta por outros quatro membros da sociedade civil, com a missão de investigar os crimes cometidos no contexto da onda de violência que atualmente desestabiliza a Nicarágua.

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Ao contrário do que está sendo propagado pela mídia internacional, os números apresentados por Amador demonstram que não se pode chamar de "massacre" nem de "pacíficas" todas as manifestações contra o governo, mas sim um cenário de violência que também é praticada por opositores armados.

De acordo com a apuração da Comissão da Verdade, quantas pessoas morreram até agora?

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Bom, primeiro é preciso ver que, qualquer número que se divulga deve estar acompanhado de um documento que identifique a pessoa. Até agora temos 269 mortes, e quase todos os mortos estão identificados por sua cédula de identidade, de maneira que esse não é simplesmente um número, mas que correspondente com identidades.

Segundo, nem todas as mortes estão ligadas à causa pacífica e nem todos os mortos eram estudantes. Por exemplo, há uma categoria de falecidos que morreram em circunstâncias alheias a esse conflito (como acidente de trânsito, violência de rua, suicídio, etc.) que são incluídos nas estatísticas difundidas pelos meios de comunicação e que, na realidade, não deveriam estar nessa lista. Há outra categoria que é a de pessoas que se supõe que faleceram mas que posteriormente foram encontradas evidências de que estão com vida.

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Há também outra categoria que é a de maior porcentagem: a das pessoas que, de alguma forma, morreram no fogo cruzado, como gente das comunidades em que ocorreram os "tranques" (barricadas opositoras). E esse fogo cruzado significa que os manifestantes nas barricadas também respondiam (às ações policiais), ou seja, havia às vezes respostas de fogo e isso explica por que morreram tantos policiais, alguns com balas na cabeça, diga-se de passagem. Do outro lado também temos a mesma situação.

Quantos policiais, manifestantes opositores e simpatizantes do governo morreram?

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Entre simpatizantes do governo e policiais foram aproximadamente 65 mortes. Isso significa que, se somarmos as cerca de 50 pessoas que morreram no fogo cruzado sem estar envolvidas nas ações, o resto são manifestantes que morreram nesse conflito. Mas também há outra categoria incluída, de pessoas que morreram atacando a polícia nos quartéis. Ainda em torno ao conflito, são 22 estudantes mortos (entre universitários e secundaristas) e a maior parte das mortes é de trabalhadores autônomos. Também podemos encontrar outra categoria que é a de civis ou guardas que morreram tentando impedir o vandalismo a estabelecimentos comerciais ou residenciais. Além disso, há um dado que pra mim é muito importante, que é o horário em que se deram 80% dessas ações vandálicas, que é entre às 18h e às 6h.

Há envolvimento de paramilitares apoiados pelo governo?

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No informe preliminar produzido pela Comissão da Verdade há uma semana e meia, dizemos que a polícia estava acompanhada por parapoliciais, entendendo que eles eram policiais auxiliares, um corpo que apoia a polícia em atividades preventivas, não em ofensivas. De maneira que podemos falar de forças parapoliciais.

Mas eles estão reprimindo e assassinando gente?

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Novamente, estamos falando de um fogo cruzado. Se pegamos os falecidos no contexto dessas barricadas e protestos, veremos que a quantidade de policiais e auxiliares é bem alta.

Então esses manifestantes "pacíficos" pintados na mídia não são tão pacíficos e utilizam armas de fogo. É correta a denúncia do governo de que há paramilitares ligados aos manifestantes?

Qualquer grupo que se opõe à ordem pública ao lado da oposição, utilizando armas de fogo, é efetivamente um parapolicial ou paramilitar. Isso não implica que exista muita gente que na verdade não tem nada a ver com a ofensiva contra a polícia mas que, de alguma maneira, estão envolvidos.

Segundo as pesquisas dos últimos anos, o governo tem muita popularidade, o país viveu por todos esse período uma estabilidade política, econômica, social... Como a Nicarágua chegou a esta situação?

Temos que recordar de três coisas. A primeira é que, efetivamente, o governo tem atendido muitas reivindicações sociais, manteve um crescimento de cerca de 5% durante quase dez anos, mas no âmbito político não manteve um desempenho igual. O governo está pagando o preço de algumas ações políticas.

Por exemplo, antes das eleições retiraram os deputados opositores do Parlamento, o que foi um erro na minha visão, porque haveria os comícios futuros e isso só poderia servir para julgar o processo que viria. E, por outro lado, a oposição teve uma excelente cobertura por parte da mídia internacional, o que fez com que a opinião internacional de alguma maneira seja totalmente contrária às posições do governo.

O efeito da reforma da previdência social foi o que iniciou tudo isso. Inclusive o governo tinha a intenção de estender os serviços médicos aos aposentados e idosos, o que mesmo cobrando 5% de sua aposentadoria era proveitoso para eles. Até a organização das pessoas de terceira idade se manifestou a favor da reforma no dia anterior ao qual o presidente da República a cancelou.

Parece que a sociedade nicaraguanse está dividida. O governo tem grande apoio popular?

Claro que sim. E isso foi demonstrado em 19 de julho (aniversário da Revolução Sandinista, quando centenas de milhares de pessoas participaram de celebrações convocadas pelo governo). E a oposição também mostrou sua força política em 30 de maio (Dia das Mães, quando houve uma grande marcha opositora em homenagem aos falecidos em meio ao conflito). Em ambos os casos não se pode deixar de reconhecer que os dois lados têm alto nível de representação popular, o que, de alguma maneira, nutre a polarização atual.

Qual é o papel dos grandes meios de comunicação nacionais?

Eles se fortaleceram por causa de outro erro do governo, quando, imediatamente após manifestações recentes, a instituição reguladora da mídia tirou do ar quase todos os meios de comunicação. Noticiaram que muitos jornalistas têm sido reprimidos nas manifestações, o que também é negativo para o governo. No entanto, a partir dessa pequena censura não se encontra em nenhum país do mundo tamanhos ataques midiáticos contra o governo. De todos os tipos de meios (imprensa, rádio, televisão). De modo que, nesse assunto em particular, falar de que os direitos de livre expressão foram violados não é compatível com a realidade.

Há um abuso dessa liberdade de expressão para a manipulação da opinião pública?

Eu acho que sim, inclusive perigoso. Porque tem havido comentaristas e políticos que simplesmente têm chamado os manifestantes a atacar prédios presidenciais, independentemente – dizem eles – de que morra a mesma quantidade de gente que morreram nesses três meses. Não há humanidade e responsabilidade pelos cidadãos e nem levam em conta as consequências disso.

O governo de Ortega denuncia que os EUA estão por trás desses acontecimentos. Você acredita que os EUA estão promovendo um golpe na Nicarágua?

Há duas situações que é preciso analisar. Por um lado, aparecem todos os cubano-americanos no Congresso dos EUA apoiando e introduzindo novas leis que restringem o comércio com a Nicarágua e suas relações com organismos internacionais. Mas por outro também estão os próprios interesses geoestratégicos dos EUA, que apontam fundamentalmente a não desestabilizar a região, por uma parte, a não impulsionar a emigração. E também há o fato de que a situação na Nicarágua poderia chegar a um ponto que o corredor do narcotráfico seja menos vigiado. E todas essas coisas estão relacionadas aos interesses geoestratégicos dos EUA. Por isso há uma dupla posição: por um lado, os cubano-americanos estão promovendo leis contra a Nicarágua, e por outro – como se mostrou na posição do embaixador dos EUA na OEA, Carlos Trujillo – estão defendendo uma saída pacífica e institucional ao problema da Nicarágua.

Mas há agências do governo dos EUA que têm ligação com grupos opositores nicaraguanses. Não acha que, como política de Estado, os EUA têm interesse em derrubar o governo sandinista, especialmente por sua relação com Cuba, Venezuela e China?

Há uma dualidade em termos da política exterior norte-americana que não é nada nova. Os múltiplos interesses que representam se manifestam em múltiplas políticas que eles desenvolvem. E entre idas e vindas, esse "claro e escuro" de tal política externa faz com que nem um nem outro lado consiga se afirmar totalmente.

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