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'Não assinem nada': saiba quais países boicotaram acordo de paz entre Rússia e Ucrânia em 2022

Interferência do Ocidente gerou resultados nefastos ao prolongar o conflito entre os dois países

Delegações da Rússia e da Ucrânia se reúnem em Istambul, 2022 (Foto: Sergei Karpukhin/TASS)
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Sputnik - Documentos revelados sobre as negociações entre Moscou e Kiev realizadas em maio de 2022 mostram que o conflito ucraniano poderia ter acabado naquele mês e ter sido alcançada a paz. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para saber quais eram os termos desse acordo e quais países interferiram para que ele não fosse assinado.

A revelação de detalhes sobre o acordo de paz negociado pela Rússia e Ucrânia em maio de 2022 demonstra como a interferência do Ocidente gerou resultados nefastos ao prolongar o conflito entre esses dois países vizinhos.

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A revista norte-americana Foreign Affairs, conhecida por defender os principais pontos da agenda internacional dos EUA, publicou um artigo atestando a disposição da Rússia e Ucrânia em selar a paz ainda nas primeiras semanas do conflito, que começou em fevereiro de 2022.

De acordo com documentos e entrevistas analisados por autores russos e norte-americanos, Kiev e Moscou conseguiram chegar a um acordo bastante detalhado para colocar fim às hostilidades já em maio de 2022. A intervenção de líderes do Ocidente, no entanto, levou a delegação ucraniana a mudar de postura e a abandonar a mesa de negociações, afirma o artigo da icônica revista norte-americana.

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As primeiras rodadas de negociações entre russos e ucranianos foram realizadas em uma das casas de campo do presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, que exerceu papel de mediador. Após a turbulência característica de processos negociadores, as partes voltaram a se reunir em Istambul, na Turquia, já com rascunhos bem detalhados do futuro acordo.

O resultado das negociações foi a elaboração do Comunicado de Istambul, cujos termos demonstram que a Rússia e a Ucrânia estavam preparadas para fazer concessões para chegar à paz.

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O tratado incluía cláusulas essenciais para Moscou, como a neutralidade militar ucraniana. De acordo com o rascunho do texto, Kiev se comprometia a não aderir à aliança militar ocidenta, a OTAN.

"A questão da neutralidade ucraniana é o ponto central para a Rússia", disse o professor de Geopolítica da UNEMAT e Coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Territorial e Geopolítica (DTG-LAB), Vinicius Modolo Teixeira, à Sputnik Brasil. "O território ucraniano é a chave para acessar a Rússia, que não deve permitir que forças da OTAN instalem sistemas defensivos, ofensivos e de vigilância nessas posições."

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A desmilitarização da Ucrânia também havia sido acordada entre as partes, que já se debruçavam sobre pontos específicos, como a quantidade de efetivos que o futuro exército ucraniano teria. Por outro lado, eram dadas à Ucrânia amplas garantias de segurança, asseguradas pelos países do Conselho de Segurança da ONU, além de Alemanha, Israel, Polônia, Itália e Turquia.

O acordo descrevia em detalhes qual o tipo de apoio que a Ucrânia receberia em caso de agressão externa, como a imposição de uma zona de interdição do espaço aéreo, fornecimento de armas e até intervenção militar direta.

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Do ponto de vista econômico, o Comunicado de Istambul previa a entrada da Ucrânia na União Europeia, contando com apoio explícito da parte russa para que o processo fosse concretizado. De acordo com o texto do comunicado, os Estados-garantidores “confirmam a sua intenção de facilitar a entrada da Ucrânia na União Europeia".

"Naquele momento, foi considerado aceitável para as partes garantir a neutralidade militar da Ucrânia, mas não a econômica - uma vez que a entrada na União Europeia seria garantida", disse Teixeira. "Mas sabemos, a exemplo do que aconteceu com outros países do Leste Europeu, que a Europa não teria tantas vantagens econômicas a oferecer para a Ucrânia".

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Além disso, a Rússia insistiu em incluir cláusulas sobre a desnazificação do governo e da legislação ucraniana, proibindo o culto de personalidades associadas ao nazismo e a propagação de ideias extremistas nas Forças Armadas de Kiev. O texto do comunicado determinava que a Ucrânia banisse "todas as formas de fascismo, nazismo, neonazismo e nacionalismo agressivo".

Apesar do contexto extremamente sensível, o Comunicado de Istambul mostra que tanto a Rússia, quanto a Ucrânia, tinham interesse em encerrar o conflito ainda nas suas primeiras semanas. E, ainda mais importante: ambos os países sabiam como atingir a paz e compreendiam as linhas gerais das demandas de cada um.

No entanto, o acordo não foi assinado. A expectativa de que os chefes de Estado da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Vladimir Zelensky, se reunissem em Jerusalém sob os auspícios de Israel para assinar o acordo foi por água abaixo.

De quem foi a culpa?

De acordo com a revista Foreign Affairs, a intervenção de autoridades ocidentais, como o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson, e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, levaram a Ucrânia a desistir do processo de paz e apostar na escalada do conflito.

Os autores explicam que "os parceiros ocidentais de Kiev estavam relutantes em serem incluídos nas negociações com a Rússia" ou em fornecer garantias de segurança para a Ucrânia.

"Então, ao invés de receber o Comunicado de Istambul e subsequente processo diplomático, o Ocidente aumentou a ajuda militar para Kiev e a pressão sobre a Rússia, incluindo pela imposição de regime de sanções cada vez mais fortes", escrevem os autores na Foreign Affairs.

De fato, durante entrevista à emissora ucraniana, o chefe da delegação de Kiev, David Arakhamia, relatou que "após o nosso retorno de Istambul, Boris Johnson visitou Kiev e disse que nós não deveríamos assinar nada com os russos e [disse] 'vamos só continuar lutando'".

"O que levou ao fracasso das negociações, mesmo com as concessões de ambos os lados, foi o patrocínio ocidental à Ucrânia", disse Teixeira. "O interesse ocidental é manter um constante atrito com a Rússia, na esperança de enfraquecê-la. Não há interesse do Ocidente na paz, mas sim na guerra."

Além disso, durante suas visitas a Kiev, Johnson e Austin garantiram amplo apoio militar à Kiev, gerando na liderança ucraniana, em particular em Zelensky, a "confiança de que poderiam vencer a Rússia no campo de batalha", escreve a revista norte-americana.

O premiê britânico, Boris Johson (à esquerda), e o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky (à direita ), durante um encontro em Kiev, 1º de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024

Para o pós-doutorando em História Política pela UERJ e pesquisador do NUCLEAS/UERJ, João Cláudio Platenik Pitillo, ao desistir das negociações, a Ucrânia reafirmou seu compromisso com a solução militar "sob total tutela da OTAN".

"A partir desse momento, a tutela da OTAN sobre Kiev terá como único assunto a guerra, seja a partir das sanções econômicas, seja no campo de batalha. Isso exclui qualquer possibilidade de armistício, de paz ou debate diplomático", disse Pitillo à Sputnik Brasil. "A Ucrânia perde a autonomia em relação aos rumos do conflito."

Segundo o especialista, as frações mais belicosas do governo ucraniano "já planejavam a escalada militar" e colaboraram para enterrar o processo de paz e o Comunicado de Istambul.

"Além disso, não podemos esquecer que as sanções econômicas aplicadas pelos EUA e UE influenciaram o processo decisório no governo ucraniano", disse Pitillo. "As sanções levaram Kiev a crer que a Rússia seria enfraquecida economicamente a ponto de prejudicar seriamente a sua capacidade bélica."

O historiador Pitillo também nota a inexperiência do presidente ucraniano, já que "Zelensky é um político novo e despreparado, que foi seduzido pela [...] possibilidade de ascender como uma liderança que derrotaria a Rússia."

Apesar da grande oportunidade de paz perdida, o Comunicado de Istambul ainda poderá servir de valioso rascunho para negociações futuras, apontam os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

"Os termos dessas negociações certamente voltarão à mesa em um momento propício", acredita Teixeira. "Mas, para isso, a Ucrânia precisa se desvencilhar do apoio ocidental, que tem sido prejudicial para o seu futuro."

O historiador Pitillo nota o interesse da Rússia em negociar, mas entende "que há um certo ceticismo por parte dos russos em tratar com essa liderança ucraniana atual, que abandonou as negociações [em Istambul] e continua apostando em uma solução militar."

Segundo Teixeira, Kiev deve considerar a negociação frente à baixa popularidade do conflito no Ocidente e às dificuldades no campo de batalha, que podem levar ao desengajamento de EUA e aliados.

Soldados ucranianos cobrem os ouvidos para se proteger do bombardeio de tanques russos na região de Zaporozhie. Ucrânia, 2 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024

No entanto, Washington mantém seu papel com a aprovação do novo pacote de ajuda financeira e militar à Ucrânia. Apesar de transferir parte dos recursos a Kiev sob a forma de empréstimos, o governo de Biden sinaliza que, apesar das turbulências, manterá o apoio à solução militar.

"É de se notar que esses governos que falam tanto sobre a democracia e a liberdade apoiem uma guerra que, como agora sabemos, poderia ter sido resolvida lá atrás", lamentou Pitillo.

Segundo ele, a manutenção do conflito "garante vantagens econômicas aos EUA para a indústria militar dos países ocidentais, como França, Reino Unido e Alemanha. O componente financeiro fala alto: o imperialismo consegue fazer da guerra um grande negócio", concluiu o especialista.

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