Para Médicos Sem Fronteiras, prazo de seis horas é exíguo para retirada dos pacientes de Gaza
Diretora-geral da instituição, Meinie Nicolai, de sua base em Bruxelas, condenou de maneira “mais veemente possível” o ultimato de Israel
Denise Assis, 247 - O organismo internacional e humanitário, Médicos Sem Fronteiras (MSF), viu com alívio, mas muita apreensão, a dilatação do prazo em seis horas mais, para que possam tentar colocar a salvo os seus pacientes e a sua equipe de 300 médicos e funcionários, na Faixa de Gaza, onde se encontram prestando serviços desde 1989.
Nesta sexta-feira, (13/10), pela manhã, a diretora-geral da instituição, Meinie Nicolai, de sua base em Bruxelas, condenou de maneira “mais veemente possível” o ultimato de Israel para que civis saíssem do Norte de Gaza em menos de 24 horas, deixando suas terras e casas, e os hospitais se organizassem para a retirada dos que ali se encontravam internados. “É absolutamente inaceitável. Isso representa um ataque contra a assistência médica e à humanidade. Estamos falando de mais de 1 milhão de seres humanos”, reforçou Meinie Nicolai, do (MSF).
Enquanto dirigente, Nicolai disse que a instituição MSF está “horrorizada com o brutal assassinato em massa de civis perpetrado pelo Hamas e com os intensos ataques a Gaza, que estão sendo realizados por Israel. Pede a interrupção imediata do derramamento de sangue, e o estabelecimento de espaços de passagens seguros para as pessoas chegarem a eles com urgência. “As pessoas devem ter acesso seguro a recursos básicos, como alimentos, água e instalações de saúde”, disse, solicitando que os suprimentos humanitários essenciais, como medicamentos, equipamentos médicos, alimentos, combustível e água, tenham permissão para entrar no enclave de Gaza. Porém, para facilitar essa entrada, a passagem na fronteira de Rafah com o Egito deve ser aberta e os bombardeios no local de passagem devem cessar.
Por meio de sua assessoria, no Brasil, o organismo relatou que a situação da equipe que atua em Gaza é desesperadora e tudo está muito precário. Não há como planejar, pois o cenário do conflito muda a toda hora, com bombardeios contínuos acontecendo no entorno. “Fica tudo muito difícil, inclusive transferir pacientes, alguns em estado grave. Nem é possível imaginar que tipo de solução eles estão dando, lá”, comentou um dos assessores.
As dificuldades vão desde a falta de medicamentos até as interrupções de fornecimentos de luz e, por consequência, de internet. As notícias chegam com espaços de horas e de forma telegráfica. Mesmo com a experiência de quem opera em Gaza, Cisjordânia e em todo o território ocupado, há 34 anos, fornecendo desde o atendimento médico básico até os tratamentos mais complexos como cirurgias, incluindo saúde mental, muito importante na região, a situação é muito complexa no momento. Exige decisões rápidas, como a de repassar a um dos hospitais, o Al-Awda, todo o estoque de medicamentos, para ter um melhor aproveitamento. Ainda assim, dada à demanda, esse estoque foi gasto em três dias.
Bombardeios são consecutivos
A equipe de 300 pessoas que atuam no MSF engloba médicos, enfermeiros, gestores, farmacêuticos e outros profissionais necessários para fazer funcionar um hospital. Desses, nenhum é brasileiro, embora vários já tenham passado por lá. A grande maioria é de Gaza, sendo que cerca de 20 são de profissionais internacionais. Nesse momento há a ameaça de que Israel desconectasse a Internet e o MSF não sabia ao certo o paradeiro de todos os funcionários.
“A situação é dramática”, define o assessor. Ele explica que existe um plano de tirar todos de lá e colocá-los a salvo, mas o próprio plano é atropelado pelos acontecimentos que evoluem de forma rápida, embora ressalve que a organização, principalmente por seu caráter humanitário, tem compromisso de cuidar do bem-estar de todos e da sua equipe e não deixar ninguém para trás. “Queremos que eles estejam em segurança”, explica. Alguns deles perderam suas casas ou membros da família. “Tem sido quase impossível eles se deslocarem”.
Cerca de 2,2 milhões de pessoas estão atualmente presas na Faixa de Gaza, onde bombardeios indiscriminados transformaram uma crise humanitária crônica em uma catástrofe. “Os jatos de combate estão demolindo ruas inteiras, quarteirão por quarteirão. Não há lugar para se esconder, não há tempo para descansar”, declarou mais cedo, Matthias Kennes, coordenador-geral de MSF em Gaza.
“Alguns lugares estão sendo bombardeados por noites consecutivas. Sabemos como foi em 2014 e em 2021, quando milhares de pessoas morreram. Cada vez que nossos colegas médicos vão para o trabalho, não sabem se verão suas casas ou suas famílias novamente. Mas eles dizem que desta vez é diferente. Desta vez, após cinco dias, já foram registradas 1.200 mortes. O que as pessoas podem fazer? Para onde elas devem ir?”, questiona Kennes.
O quadro descrito pelo coordenador em Gaza, é de milhões de homens, mulheres e crianças enfrentando uma punição coletiva na forma de cerco total, bombardeios indiscriminados e ameaça constante de uma batalha terrestre. Segundo ele, “é preciso estabelecer espaços seguros e permitir a entrada de suprimentos humanitários em Gaza. Os feridos e doentes devem receber atendimento médico. As instalações e equipes médicas devem ser protegidas e respeitadas; hospitais e ambulâncias não devem ser alvos”, defende.
Para o MSF, o cerco imposto pelo governo israelense, incluindo a retenção de alimentos, água, combustível e eletricidade, é inaceitável. Após 16 anos de bloqueio militar à Faixa de Gaza, as estruturas médicas já estão enfraquecidas. Esse cerco não dá trégua aos pacientes que se veem em meio aos combates, nem à equipe médica. Ele representa um bloqueio intencional de itens que salvam vidas. A entrada desses suprimentos e da equipe médica principal deve ser facilitada com urgência. Nos hospitais do Ministério da Saúde, a equipe médica relata que estão ficando sem anestésicos e analgésicos, fundamentais num cenário de guerra.
Sem refúgio seguro
A equipe de MSF, incluindo o pessoal médico, tem sido extremamente limitada em seus movimentos desde sábado, quando houve o primeiro bombardeio. Médicos e funcionários não conseguiram obter passagem segura para apoiar os colegas palestinos que trabalham dia e noite para tratar os feridos. Homens, mulheres e crianças que não participam das hostilidades não têm um refúgio seguro para onde ir. Os profissionais de MSF estão testemunhando um nível de destruição que já pode ter excedido as escaladas anteriores. Dois dos hospitais que MSF apoia, Al-Awda e o Hospital Indonésio, sofreram danos em ataques aéreos, enquanto a própria clínica de MSF sofreu alguns danos em uma explosão na segunda-feira.
Atualmente, o MSF administra de forma autônoma uma clínica da organização, apoia o hospital Al- Awda, o hospital Nasser e o Hospital Indonésio em Gaza. No dia 10 de outubro, MSF reabriu uma sala de operações em Al-Shifa, para receber pacientes com queimaduras e traumas. Também foram doados suprimentos médicos para o hospital Al Shifa e eles continuam dando apoio aos demais hospitais da região. As equipes em Jenin, Hebron e Nablus estão avaliando ativamente as necessidades médicas na Cisjordânia, à medida que a violência aumenta. Pelo menos 27 palestinos foram mortos em ataques de colonos e confrontos com o exército israelense.
Há um clamor por parte do MSF para que os civis, a infraestrutura civil e as instalações de saúde sejam protegidos em todos os momentos. Eles pedem também ao governo de Israel que cesse sua campanha de punição coletiva contra toda a Faixa de Gaza e que as autoridades e facções israelenses e palestinas estabeleçam espaços seguros. Para o organismo MSF a entrada de assistência humanitária, alimentos, água, combustível, remédios e equipamentos médicos na Faixa de Gaza deve ser facilitada urgentemente, pois se isso não for feito, mais vidas serão ceifadas.
