Rubens Barbosa: "Brasil não ficará amarrado ao Mercosul"
Embaixador Rubens Barbosa, que assessora Aécio Neves e é cotado para ser chancelar num eventual governo tucano, antecipa mudanças na política externa; "nos últimos doze anos, negociamos três acordos comerciais: com Israel, Egito e a Autoridade Palestina. Politicamente, é importante, mas, economicamente, é uma irrelevância para o Brasil. Eu analiso a política externa brasileira em termos de resultados e, na minha visão, o desempenho é negativo"; leia a íntegra
Por Lamia Oualalou | Rio de Janeiro (originalmente publicado no Opera Mundi)
Um eventual governo liderado pelo senador Aécio Neves, do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), que enfrenta a presidenta Dilma Rousseff, do PT (Partido dos Trabalhadores), no segundo turno das eleições brasileiras, em 26 de outubro, daria início a uma revisão profunda do Mercosul e uma revisão do seu tratado, para permitir ao Brasil negociar, sozinho, acordos de livre-comércio.
Essa é uma das mudanças que adianta o ex-embaixador Rubens Barbosa, coordenador do programa de governo tucano para a política externa. Assegurando que, com Aécio, o Brasil voltaria à uma “política externa pragmática, fugindo das ideologias”, o diplomata de carreira, que foi embaixador em Washington e coordenador do Mercosul por três anos, considera que a “projeção internacional do Brasil diminuiu durante os quatro últimos anos”, pois Dilma “despreza política externa”, o que coloca o Itamaraty em uma das piores crises da história.
Ainda assim, Barbosa elogia o discurso da presidente na última Assembleia Geral da ONU. Leia a entrevista abaixo:
Opera Mundi: Qual é o balanço que o senhor faz da política internacional dos últimos doze anos?
Rubens Barbosa: Não é muito positivo. Em primeiro lugar, queria destacar a partidarização, a ideologização da política externa. Isso criou muitas dificuldades para o Brasil, especialmente nas negociações comerciais. Nestes doze últimos anos, o Mercosul retrocedeu, está sem rumo, sem estratégia e totalmente isolado. Nesta época toda, negociamos três acordos comerciais: com Israel, Egito e a Autoridade Palestina. Politicamente, é importante, mas, economicamente, é uma irrelevância para o Brasil. Eu analiso a política externa brasileira em termos de resultados e, na minha visão, o desempenho é negativo.
OM: O senhor acha que na época do governo de Fernando Henrique Cardoso a política externa não tinha ideologia? Ou era apenas uma ideologia diferente?
RB: Em termos de política externa, o Itamaraty sempre foi acima das ideologias e dos partidos, defendendo o interesse do Brasil. Era uma política de Estado, com grande continuidade. Na época de FHC, a integração regional e o interesse na África e no Oriente Médio também eram prioridades. O problema agora é que as ênfases foram diferentes, por causa da visão de mundo do PT, de pobre contra rico, de Norte contra Sul.
OM: A visão de mundo do PSDB não influía na política externa?
RB: Não, era a continuidade de uma política social-democrata, sempre atrás de uma política independente, sem ideologia, apenas a defesa do Estado brasileiro. Com o PT, as coisas mudaram. As afinidades ideológicas prevaleceram. E se deu prioridade às relações Sul-Sul, deixando em segundo plano os países desenvolvidos. Nós perdemos oportunidades de negócio e acesso à tecnologia. Apesar das políticas ampliadas em relação à África e ao Oriente Médio, percentualmente o comércio continua marginal. Se estivesse dando certo, não ia criticar, mas não foi bom para o Brasil em termos políticos e econômicos.
O Brasil se isolou, sobretudo nos últimos quatro anos, e perdeu a projeção externa no governo da Dilma. É verdade que ela teve que se dedicar à política econômica interna. De outro lado, ela despreza a política externa. O Itamaraty foi esvaziado, está numa das maiores crises da sua história. Aliás, um dos eixos de nossa política seria revalorizar o Itamaraty como principal formulador da política externa, como diz a Constituição. Hoje não é assim, tem fontes fora do Itamaraty, especialmente o assessor especial Marco Aurélio Garcia, que interfere diretamente na concepção da política externa do país. Não é possível que fique competindo assim, tendo uma função até mais importante que o próprio Itamaraty.
OM: Qual seriam as medidas internacionais implementadas pelo governo se o Aécio Neves fosse eleito?
RB: Vamos fugir da ideologia, ter uma política pragmática. Ao contrário do PT, nós vamos reequilibrar a política externa, dando uma importância equivalente aos países desenvolvidos e aos países em desenvolvimento. O problema é que o Brasil não sabe o que quer, em relação aos EUA, à China, aos Brics, à Europa... Uma das prioridades é conseguir um acordo com a União Europeia e conversar com os Estados Unidos e o Japão. Depois vamos ter uma ênfase renovada na defesa da democracia e dos direitos humanos.
OM: Concretamente, qual seria a mudança? Por exemplo, isso mudaria a relação com Cuba?
RB: Como disse, vamos tratar todos os países sem nenhuma influência ideológica. Mas quando o presidente norte-americano vai à China, ele trata de comércio, mas também menciona os direitos humanos. Quando Luiz Felipe Lampreia era chanceler do FHC, ele foi a Cuba e se referiu a esta questão, viu a oposição...Mas não estou dizendo que vamos fazer isso, é um detalhe que não foi discutido com Aécio.
OM: O senhor considera a prioridade dada à América Latina um erro?
RB: Já existia, é claro que a região é muito importante para o Brasil. O problema é que esta questão ideológica fez o governo deixar de defender os interesses das empresas brasileiras. A Argentina, por exemplo, está deixando de pagar as nossas empresas e está colocando medidas protecionistas contra nós. A mesma coisa com a Venezuela. Em nome da afinidade ideológica, o governo não critica, nem protesta. Isso vai mudar com a gente. Nós vamos defender o interesse do Brasil em primeiro lugar e vamos ver como podemos acomodar os interesses dos outros, sem brigar.
OM: Qual papel teria o Mercosul na política externa de um governo Aécio Neves?
RB: O Tratado de Assunção previa a liberalização do comércio entre os países membros. E nestes últimos dez anos o que aconteceu foi o contrário. Os quatro países originais tomaram medidas contra o tratado. Depois veio a entrada da Venezuela sem cumprir o protocolo de adesão, o Brasil aceitou isso. E agora a entrada da Bolívia sem nenhuma negociação, só por razões ideológicas. E tem que lembrar a suspensão do Paraguai por um ano, por razões ideológicas também. Tudo isso desfigurou o Mercosul como instrumento de promoção das exportações do Brasil. O crescimento do comércio na região foi feito apesar do Mercosul, por causa do dinamismo do setor privado brasileiro. Vamos ter que mudar as regras.
OM: De que maneira?
RB: Não quero entrar em detalhes, porque vamos ter que conversar com os parceiros, não vamos tomar nenhuma medida unilateral. Vamos ter que modificar uma resolução do Mercosul para permitir que os países possam negociar individualmente. Por exemplo, o Brasil quer fechar um acordo com a União Europeia. Se a Argentina não puder, ela poderá voltar a negociar depois, mas nós vamos adiante. Hoje não é possível, por isso tem que mudar o tratado. Se os parceiros não quiserem acompanhar o Brasil, vamos examinar outras opções. O governo poderá inclusive pensar em voltar para uma área de livre-comércio. Todas as opções estão na mesa. O Brasil não vai mais ficar amarrado ao Mercosul.
OM: O senhor acha que seria bom o Brasil negociar uma área de livre-comércio nas Américas, como já foi cogitado pelos EUA no passado e descartado em 2005 pelo Mercosul?
RB: Não interessa ao Brasil agora, tem que corrigir toda a economia aqui, a perda de competitividade das empresas brasileiras, o custo Brasil. Ninguém está pensando em um acordo deste tipo.
OM: Qual é a sua avaliação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas)?
RB: Foi uma criação importante, criou um foro político para a América do Sul, que é a zona mais importante para o Brasil. O problema é que a Unasul também foi contaminada por questões ideológicas. E temos que avançar em alguns temas específicos. Por exemplo, o Brasil está muito preocupado pelo tráfico de drogas e de armas, e até o governo atual está fazendo uma política correta com um esforço dos militares e das polícias nas fronteiras, muito porosas, que temos com Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai. Aécio já disse que, com ele na Presidência, o Brasil vai querer que estes países tomem medidas para defender a fronteira. Se eles quiserem plantar coisas lá, problema deles, não vamos interferir. Mas queremos que eles impeçam o trânsito de drogas e armas. Aécio foi mais longe: se os países não fizerem este trabalho, o Brasil vai reexaminar a colaboração com estes países.
OM: Como conseguir a normalização das relações com Estados Unidos depois do episódio de espionagem?
RB: Primeiro vamos fazer o trabalho de casa aqui, para repensar uma nova estratégia comercial com EUA, dentro de dois princípios: a defesa de nossos interesses e o respeito mútuo. Vamos ter que superar este episódio, há dois anos que nada está acontecendo. A Dilma também vai fazer se ela ganhar, porque não é possível. Mas se for Aécio, acho que com o restabelecimento da normalidade aqui, na economia, na política, com um ambiente saudável para negócios, mais peso nos organismos internacionais, os EUA vão ter que considerar o Brasil de uma maneira diferente.
OM: O que o senhor acha da posição do Brasil em relação ao Oriente Médio, especialmente no conflito entre Israel e Palestina?
RB: A minha visão é que o Brasil tem que voltar a uma posição de equilíbrio, que sempre manteve. Chamar o embaixador israelense para consultas é um erro, e isso mostrou que o Brasil claramente está pendendo por um lado. Temos que buscar uma paz permanente através da criação de um Estado palestino e do reconhecimento de Israel com fronteiras seguras.
OM: Qual é a sua avaliação do discurso da presidenta na ONU, em setembro passado, sobre o usa da força contra o Estado Islâmico?
RB: O discurso que ela pronunciou está correto, já que respeita a posição tradicional do Brasil de não apoiar o uso da força unilateral. Mas na entrevista que deu depois, ela fez uma declaração que pode ser interpretada negativamente. Ela disse que bombardear não resolve. O que significa que, implicitamente, ela acha que tem que conversar. Isso é um erro porque foi aprovada uma resolução na ONU definindo o Estado Islâmico como uma organização terrorista radical e determinando que os países tomassem uma série de medidas. Os EUA e um grupo grande de países decidiram atacar posições do EI. O Papa, a Rússia e até a Síria concordaram com os ataques. A ONU não aprovou propriamente os bombardeios, mas tem uma frase no texto que diz que pode usar “all means”, que pode ser entendida assim.
OM: Na sua visão o Brasil devia apoiar os bombardeios?
RB: Acho que sim. O Brasil devia seguir o Papa e todos estes países. Como você resolve o problema de um grupo que está degolando as pessoas se você não ataca? O Brasil não se manifestou quando a Rússia atacou a Ucrânia. Por que ela falou agora? Na minha visão, é uma mostra de antiamericanismo, já que são os EUA que lideram os ataques contra o EI. Mas isso é opinião minha, não é da campanha do Aécio.
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