Sucesso da Dinamarca se deve ao estado de bem-estar social
"A Dinamarca, assim como suas vizinhas Suécia, Noruega e Finlândia, adota desde os anos 1930 um sistema de seguridade social segundo o qual todos os cidadãos têm direitos iguais a serviços públicos como saúde, educação e previdência. Isso significa que, por princípio, qualquer indivíduo tem acesso franco e gratuito a esses benefícios ao longo da vida. Além disso, para subsidiar esse sistema, a Dinamarca faz com que quem ganha mais pague mais impostos", diz Luiz Antonio Araújo, ao comentar reportagem do Globo Repórter, que omite esses pontos essenciais
Por Luiz Antonio Araújo, em seu facebook
Graças ao "Globo Repórter" desta sexta (18/11), descobri que a Dinamarca é o paraíso terrestre ou algo muito próximo disso. "País da felicidade", "terra onde as diferenças sociais são quase invisíveis", "campeão da segurança, da igualdade, da simplicidade" – é difícil resistir a um lugar assim. Fiquei esperando até o final do programa para saber qual é, afinal, a receita de sucesso dos dinamarqueses. Apostei que seria algo entre o "frio escandinavo" e a ausência de "herança ibérica". O "Globo Repórter" acabou silenciando sobre essa importante questão. Tomado de indômita curiosidade, fui buscar informações. Aprendi o seguinte:
* a Dinamarca, assim como suas vizinhas Suécia, Noruega e Finlândia, adota desde os anos 1930 um sistema de seguridade social segundo o qual todos os cidadãos têm direitos iguais a serviços públicos como saúde, educação e previdência. Isso significa que, por princípio, qualquer indivíduo tem acesso franco e gratuito a esses benefícios ao longo da vida;
* para subsidiar esse sistema, a Dinamarca faz com que quem ganha mais pague mais impostos. Segundo a insuspeita Tax Foundation, a maior alíquota individual de imposto de renda em 2015, incluindo tributação na fonte, foi de 60% na Dinamarca, 57% na Suécia e 39% na Noruega. No Brasil, foi de 27,5%, ou menos da metade do nível dinamarquês, depois de ter sido de pelo menos 40% durante quatro décadas, até os anos 1990, como lembram os economistas Sergio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair. Abaixo, uma tabela mostra a relação receita tributária/PIB em 25 países, com a Dinamarca no topo, com 49%;
* outro dado importante tem a ver com a concentração de renda. Na Dinamarca, os 0,05% mais ricos detêm 1,3% da renda nacional. No Brasil, os mesmos 0,05% mais ricos abocanham 8,5% da renda. Nas palavras de Gobetti e Orair: "(...) são cerca de 71 mil pessoas que se apropriam de 8,5% de toda a renda. Este é um patamar que dificilmente encontrará outros paralelos no mundo" (GOBETTI; ORAIR. Progressividade tributária: a agenda negligenciada. In: http://www.ipea.gov.br/…/images/stories/PDFs/TDs/td_2190.pdf)
* uma das entrevistadas do "Globo Repórter", a cientista política Ulla Holm, diz que na Dinamarca "a corrupção quase não existe, e nós temos muito orgulho de sermos incorruptíveis (...) O fato de que nós confiamos no Estado é muito importante para nós". Ou seja, o sistema funciona porque não há corrupção, certo? Errado. Entre 2012 e 2015, o governo dinamarquês estima que fraudes tributárias tenham subtraído US$ 1,85 bilhão (R$ 7,4 bilhões) do Tesouro. Esse é praticamente o mesmo valor que a Receita Federal cobrava até janeiro deste ano das empreiteiras envolvidas na Lava-Jato. É preciso combater a corrupção, mas esse combate não pode servir para acobertar desmonte de direitos, como o fundamentalismo neoliberal tenta fazer crer no Brasil.
No GloboPlay, há uma entrevista com uma brasileira radicada em Copenhague que faz uma defesa bem informada e sóbria do Estado de bem-estar social (https://globoplay.globo.com/v/6297336/programa/). É pena que os editores do "Globo Repórter" não tenham achado necessário incluir a entrevista no programa que foi ao ar, relegando-a à página na web, à qual pelo menos 50% dos brasileiros não têm acesso.
