Testemunho contrapõe "narrativa" sobre presença militar em eleições nas recém-incorporadas regiões russas
O observador brasileiro nas eleições regionais russas, Henrique Domingues, afirmou que a presença de militares russos nas votações não deve ser compreendida como uma coerção
247 - Enquanto as capitais ocidentais contestam fervorosamente a presença militar nas eleições das regiões recentemente integradas à Federação Russa, observadores locais podem apresentar uma visão mais matizada e detalhada dos eventos. Entre esses observadores, Henrique Domingues, um brasileiro radicado na Rússia, ocupa uma posição de destaque.
Henrique Domingues atua como Assessor de Relações Internacionais da Presidência do Fórum IMBRICS+. Com um currículo que inclui trabalhos diretos com mais de 30 países em várias regiões globais, ele tem vasta experiência como observador eleitoral.
Domingues já tinha participado como observador, inclusive, no referendo de adesão das quatro novas regiões — Zaporizhzhia, Kherson, Donetsk e Lugansk — à Federação Russa em setembro de 2022. Essas regiões se uniram à Rússia após os referendos locais, que ocorreram em meio à operação militar especial da Rússia na Ucrânia.

Em sua mais recente missão, Domingues acompanhou todo o processo de votação nas cidades de Chaplinka, Skadovsk e Genichesk no dia 8 de setembro, e também nas cidades de Genichesk e Novotroitske no dia 9 de setembro. Ele visitou um total de sete sessões eleitorais nestes municípios.
A primeira impressão de Domingues ao chegar aos locais de votação foi surpreendentemente positiva, ele relatou ao 247. "Havia bastante gente esperando para votar, o que foi bastante surpreendente", observou, destacando o elevado nível de participação popular. Além disso, ele ficou impressionado com a eficiência logística e organizacional das sessões eleitorais, afirmando que "todas cidades que visitei tinham um nível de organização bastante satisfatório".
Após interagir com mesários e chefes de sessão, Domingues relatou que as "respostas foram satisfatórias às perguntas que fiz: número de pessoas registradas para votar, como funcionam os sistemas, a lacração das urnas, o que é feito com os votos retirados das urnas em cada um dos dias, para onde são enviados os votos."
Em meio a especulações e debates sobre o papel dos militares russos nas recentes eleições, ele argumenta que a presença militar não é apenas justificável, mas necessária, dado o contexto de conflito armado na região.
"Existe uma falsa narrativa a respeito da presença dos militares nas sessões eleitorais", destacou Domingues. "Para poder visitar as sessões eleitorais em uma zona de conflito militar, obviamente que o esquema de segurança foi organizado para nós, assim como quando visita aqui o alto escalão do governo."
O observador reiterou que "não há coerção militar para que as pessoas exerçam o voto. O que vimos foi o contrário. As pessoas não têm medo dos militares na Rússia igual temos medo da Polícia Militar no Brasil, sobretudo em grandes capitais do Brasil onde existe uma alta taxa de letalidade contra o povo brasileiro."
Ele acrescentou que "idosos pediam informações para os militares, mesmo eles com a aparência mais intimidadora de todas. Existe uma relação diferente das pessoas com os militares aqui na Rússia."
Uma das observações mais curiosas foi a interação entre idosos e militares. "Umas das cenas mais comuns foi as babushkas brigando com os militares para eles saírem da frente", disse, aos risos, Domingues.
Destacando sua própria jornada como observador internacional, Domingues expressou a importância de sua presença para validar a legitimidade do processo eleitoral nas regiões recém-incorporadas à Federação Russa. "Estive como um observador no referendo e agora já na primeira eleição. Minha presença na região de Kherson foi bastante simbólica, porque quando viemos aqui foi para garantir que o processo é legítimo", declarou ele.
Domingues expandiu sua avaliação para conectar os referendos anteriores à situação atual, apontando a continuidade e a legitimidade das recentes eleições. "A grande verdade é que o processo que aconteceu aqui é uma continuação do processo que começou no referendo de incorporação das novas regiões à Federação Russa. A presença absolutamente satisfatória de eleitores participando dessas eleições é o que de fato legitima o que aconteceu na Federação Russa há um ano atrás. Se não fosse legítimo, se as pessoas não tivessem vindo votar ano passado, se elas não quisessem fazer parte da vida política da Federação Russa, elas não teriam vindo votar nesse processo eleitoral. Isso seria o maior sinal de que o aconteceu não é legítimo. Mas como aconteceu o contrário, na verdade o próprio povo russo que vivia na Ucrânia e está de volta à Rússia, é o principal legitimador do processo político nas quatro regiões. O povo russo legitimou as suas próprias decisões políticas do ano passado."
Estas eleições, que ocorreram em um cenário geopolítico delicado, são um tema de preocupação internacional. Representantes dos EUA e de outros estados-membros das Nações Unidas já fizeram declarações questionando a legitimidade dessas eleições, principalmente em territórios anteriormente ucranianos.
Domingues concluiu: "Interessante que a propaganda ocidental fale bastante da presença dos militares e como isso é uma coerção para as pessoas indo votar. Precisam encontrar uma maneira de deslegitimizar a presença satisfatória dos eleitores nas sessões eleitorais."
As eleições foram realizadas na maioria das regiões da Rússia entre 8 e 10 de setembro. A votação tem o objetivo de eleger os principais dirigentes de 21 entidades federativas do país e membros da Duma Estatal, a câmara baixa do parlamento russo, para quatro vagas em circunscrições de membros únicos. As eleições também ocorreram nas repúblicas populares de Donetsk e Luhansk, bem como nas regiões de Zaporizhzhia e Kherson.
O partido governista Rússia Unida obteve uma vitória esmagadora nas eleições locais na República Popular de Luhansk (LPR), nas regiões de Zaporizhzhia e Kherson, disseram comissões eleitorais no domingo, após a contagem de todas as cédulas.
Na região de Kherson, o partido ganhou 74,86% dos votos, equivalente a 28 assentos na assembleia legislativa local, com uma participação de eleitores de 65,36%, disse Marina Zakharova, chefe da comissão eleitoral regional. A comissão não recebeu nenhuma reclamação eleitoral, acrescentou ela.
Segundo a Comissão Central Eleitoral da Rússia, 74,63% dos eleitores votaram no Rússia Unida na LPR.
O partido recebeu 83,01% dos votos nas eleições locais na região de Zaporizhzhia, mostram dados da comissão eleitoral regional.
Na República Popular de Donetsk, o Rússia Unida recebeu 78,04% dos votos, de acordo com resultados provisórios com quase 90% das cédulas contadas.
As regiões de Zaporizhzhia e Kherson, juntamente com as repúblicas populares de Donetsk e Luhansk, tornaram-se regiões russas em setembro de 2022 através de um referendo.
Os Estados membros das Nações Unidas devem abster-se de "dar credibilidade" às eleições organizadas pela Rússia em ex-territórios ucranianos, disse na sexta-feira Robert Wood, Embaixador dos EUA e Representante Alternativo para Assuntos Políticos Especiais nas Nações Unidas.
Wood também disse que a realização de eleições pela Rússia nas regiões recém-integradas de forma alguma representaria a vontade dos ucranianos e seria uma "fraude completa".
