Exploração de gás natural: fortes expetativas moçambicanas em termos de «conteúdo local»
A 4 de novembro de 2022, Moçambique exportava a primeira carga de GNL produzido no seu território.
A 4 de novembro de 2022, Moçambique exportava a primeira carga de GNL produzido no seu território. Uma história para o mercado internacional do gás, mas uma viragem determinante para o país, já que os seus intervenientes económicos estão na linha de partida, na expetativa de arranque do conjunto de projetos de gás, condição sine qua non do desenvolvimento do país. A sua impaciência está ao nível dos benefícios esperados para as empresas e empregos locais.
A descoberta em Moçambique, entre 2010 e 2013, de gigantescas jazidas de gás criou imensas esperanças para o desenvolvimento económico e social deste país, que é um dos mais pobres do planeta. Os recursos atingiriam quase 5000 milhões de m3 de gás natural, o que dotaria Moçambique das nonas reservas de gás do mundo, não muito atrás das da Argélia e da Nigéria.
Estas reservas concentram-se em dois blocos offshore, situados na bacia do Rovuma, ao largo da província de Cabo Delgado: o bloco 4, explorado pela italiana Eni e pela americana ExxonMobil e o bloco 1, explorado por um consórcio internacional, Mozambique LNG. No total, estes projetos representam mais de 55 mil milhões de dólares de investimentos e, quando estiverem operacionais, deverão trazer ao governo moçambicano receitas de 100 mil milhões de dólares em 25 anos. Sabendo que o PIB do país é de 16 mil milhões de dólares, são grandes as esperanças suscitadas. O FMI estima que o país poderá atingir um crescimento de 24 % durante cinco anos e aceder rapidamente à categoria de país de rendimento médio.
Depois destas descobertas, as empresas de energia envolvidas foram obrigadas a reorganizar ou suspender as suas atividades enquanto se aguarda uma melhoria na situação de segurança, após a insurreição islâmica que assola a província. Desta forma, a TotalEnergies, líder da Mozambique LNG, teve de suspender a construção das suas cadeias de liquefação terrestres devido a força maior em abril de 2021 e condiciona a retoma das suas atividades à melhoria da situação de segurança. Por seu lado, a Eni está a liquefazero gás natural a partir de uma plataforma flutuante no local de extração offhsore, limitando a vulnerabilidade do projeto à ameaça terrorista e abriu caminho à exportação da primeira carga de GNL já referida.
Privilegiar as empresas nacionais e o emprego local
Neste contexto, o governo, os intervenientes públicos e as empresas de Moçambique preparam-se para aproveitar as oportunidades. Para ter a certeza de que os investimentos estrangeiros contribuem para a economia nacional, o governo adotou regras de «conteúdo local»: as empresas de energia envolvidas nos projetos de exploração comprometem-se, desta forma, a dar preferência às empresas locais. O Instituto Nacional de Petróleo (INP) de Moçambique pretende «desenvolver um quadro de recursos humanos qualificados para suprir as necessidades» dos operadores de gás. Prevê a qualificação, formação e certificação de cerca de 200 PME a operar segundo as normas exigidas a nível internacional. Desde o início de abril de 2023, quando as perspetivas de retoma dos trabalhos começaram a melhorar, as associações profissionais moçambicanas reuniram-se com empresas internacionais, uma concretização das intenções saudada por António Cumbane, coordenador do grupo técnico sobre o conteúdo local: «só criando parcerias com empresas com experiência e tecnologia adequadas é que podemos criar um ambiente favorável que permita que as empresas moçambicanas e os moçambicanos aproveitem as oportunidades e estejam preparados para enfrentar os desafios futuros.»
O governo também está determinado em utilizar a exploração dos seus recursos para diversificar a sua economia. «O gás tem um enorme potencial de transformação económica, não só graças às receitas das exportações, mas também porque contribui na diversificação da economia moçambicana», explica Max Tonela, Ministro da Economia de Moçambique. «Estes projetos têm uma grande capacidade de criar empregos indiretos, com a mão de obra estrangeira a diminuir ao longo do projeto e a mão de obra moçambicana a aumentar», previu o Ministro da Energia, Carlos Zacarias, no ano passado. «A maioria destes empregos deverão ser fornecidos por empreiteiros e subcontratantes».
Empresas moçambicanas prontas para responder às necessidades
Várias empresas locais contam lucrar com esta melhoria. A sociedade pública Mwendo Engineering, especializada no fabrico e reparação de canalizações e tubulações no setor da energia, manifestou interesse nos contratos relativos a estes projectos de gás. Conta estabelecer parcerias com sociedades como TotalEnergies, Eni, ENH, Sasol ou os seus subcontratantes. A sociedade também se vai expandir na região de Cabo Delgado, Pemba e Palma. De acordo com Florival Mucave, presidente da Mwendo Engineering, «o objetivo também é formar jovens moçambicanos e contribuir para o regresso das populações deslocadas, graças à criação de empregos».
As necessidades de estruturas em aço galvanizado também levarão ao lucro de intervenientes locais, como a Mozal, empresa que produz alumínio, sediada em Matola, na província de Maputo, e segunda fundição de África. Com o intuito de estimular os investimentos, o governo criou, em parceria com investidores suíço-moçambicanos, o parque industrial e a zona de comércio livre de Beluluane, em Boane, que aloja 40 empresas de 15 países diferentes (incluindo a Mozal), prontas para responder às necessidades dos operadores de gás. As oportunidades de construção siderúrgica são, de facto, contabilizadas em dezenas de milhares de toneladas. «É uma excelente novidade para todas as empresas locais que se posicionam como fornecedores dos projetos de GNL e de outras indústrias», estima Adrian Frey, diretor-geral do parque industrial.
Empresas de energia envolvidas
Em termos de empregos diretos, a fase de construção dos projetos Coral Sul FLNG (Eni) e Inhassoro-Temane (Sasol) permitiu criar 3820 empregos, com uma previsão de 500 postos fixos na fase de produção. A Eni também formou perto de 1000 moçambicanos, dos quais cerca de um terço são provenientes do norte do país. O projeto Mozambique LNG deverá permitir criar 5000 empregos na fase de construção e 1200 na fase de exploração, com um plano de formação de 2500 técnicos. Por seu lado, a ExxonMobil previu criar mais de 5000 oportunidades de empregos locais e garantir dois milhões de horas de formação. A empresa de energia US criou um portal Web onde as empresas moçambicanas podem «aceder a oportunidades enquanto subcontratantes». Quanto ao projeto empreendido pela empresa sul-africana Sasol na província de Inhambane, empregará até 6500 trabalhadores e criará 714 empregos para a exploração.
Em fevereiro de 2022 a Total assinou um protocolo de acordo com o instituto de formação profissional IFPELAC para formar 2500 jovens de Cabo Delgado. Os primeiros 118 diplomados (eletricistas, carpinteiros, pedreiros, canalizadores, pintores, soldadores) entraram entretanto no mercado de trabalho. «Oferecemos a estes diplomados ferramentas para a criação de microempresas. É uma oportunidade para projetar os jovens para o autoemprego e criar condições para que possam empregar outros jovens», refere Leo Elias Jamal, diretor do IFPELAC. «É um resultado encorajador na concretização do nosso plano de conteúdo local, que tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento sustentável de Moçambique e de Cabo Delgado», salienta Leonardo Nhavoto, manager do conteúdo local da empresa de energia francesa «Estas formações inserem-se no nosso programa CapacitaMoz que visa, entre outros, contribuir para a formação e inserção dos jovens moçambicanos no mercado de trabalho».
No final de 2022, o líder do consórcio Mozambique LNG também assinou um protocolo de acordo com o Institut industriel et commercial de Pemba (IICP) para garantir a formação profissional de 390 jovens em Cabo Delgado. O primeiro ciclo de formação abrangerá a transformação do petróleo e do gás, eletricidade industrial, mecânica geral, hotelaria e turismo. «Mesmo que as nossas operações continuem suspensas, continuamos ligados ao desenvolvimento do país e de Cabo Delgado», sublinha Stéphane Le Galles, diretor do projeto Mozambique LNG.
Porque, para desencadear este círculo virtuoso, a situação de segurança deve continuar a ser estabilizada e, no verão de 2023, está a dar sinais encorajadores, de acordo com os membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Foram feitos progressos neste domínio graças, nomeadamente, à intervenção dos países membros e do Ruanda. A consciência crescente da situação por parte dos parceiros africanos e extra-africanos de Moçambique também é um sinal encorajador. A União Europeia reiterou a sua ajuda na primavera, dando prioridade às pessoas afectadas pela violência armada em Cabo Delgado. Uma decisão não totalmente desinteressada numa altura em que a Europa procura alternativas ao gás russo.
