A cultura da corrupção é contagiosa
Estudos acadêmicos no exterior mostram por que a desonestidade é tão normal
A conclusão de um estudo de Samuel Bendahan, do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, é preocupante: se somos honestos na maior parte do tempo, isso pode se dever apenas à falta de oportunidade para enganar. Ou seja, a oportunidade leva à corrupção. A pesquisa de Bendahan, relatada por Laura Spinney na revista New Scientist, mostrou que ao se iniciar um jogo para testar os participantes, apenas 4% deles justificava o roubo. Na quinta rodada, 20% dos participantes já roubavam. Na décima, eram 45%.
No mesmo artigo, é relatada a pesquisa de Joris Lammers, da Universidade de Tilburg, na Holanda e de Adam Galinsky, da Universidade do Noroeste de Chicago. Eles concluíram que as pessoas com poder tendem a enganar mais. Mas são mais duras do que os que não têm poder ao condenarem atos imorais. Os que têm mais poder são mais hipócritas, considerando seus atos corruptos menos condenáveis do que os praticados por outras pessoas.
Para Lammers, o poder cria uma miopia moral, pois além de dar mais oportunidade aos que tendem à corrupção, também influencia a forma de pensar. “Todo poder tende a ser corrupto”, disse o historiador britânico Lord Acton, lembrado por Spinney em seu artigo. Lammers compara os efeitos provocados pelo poder aos do álcool: “Reduz o alcance da visão e também leva a uma conduta que pode se chamar de hiperautoconfiança ou hiperfirmeza”.
A pesquisadora Danila Serra, da Universidade Estadual da Flórida, diz que onde há uma cultura de corrupção, ela é quase contagiosa. Serra e Abigail Barr, da Universidade de Oxford, fizeram um estudo com estudantes de 34 países com diferentes índices de corrupção, de acordo com a Transparência Internacional. O resultado foi que os estudantes de países em que a corrupção é maior têm mais tendência a se envolver com ela.
Serra e Barr concluíram que a propensão em praticar atos de corrupção é fortemente cultural e reflete as normais sociais do país em que se vive. Por isso uma pessoa originalmente honesta não está imune à corrupção. Recorrendo ao estudo de Bendahan, pode-se dizer que desde que tenha oportunidades, o presumivelmente honesto pode se tornar um corrupto. Como diz Spinney, “qualquer um pode ser corrupto diante da mais mínima oferta”.
Oportunidades não têm faltado no Brasil, como se vê. E não é porque o governo federal tem hegemonia do PT, como querem fazer crer seus opositores e a direita radical. A mesma corrupção que existe no governo federal de hoje existiu em governos passados, do PMDB e do PSDB, e existe em governos estaduais e prefeituras de todos os partidos. Pode até ser maior agora, mas não se pode julgar a intensidade pela maior visibilidade que se tem hoje: os mesmos órgãos de imprensa que agora dão ênfase à corrupção no governo federal omitiram ou minimizaram fatos graves de governos anteriores e alguns ainda omitem de alguns governos estaduais.
O problema, sob qualquer ponto de vista, é querer esconder a corrupção ou justificá-la com falsos argumentos políticos, entre eles a luta entre situação e oposição e a “governabilidade”. Se tudo é colocado numa vala comum, por um lado ou por outro, perde-se a noção do que é e do que não é realmente corrupção, de quem é culpado e quem é inocente. Nem todos os acusados são culpados, mas não são todos inocentes.
Para o psicólogo Robert Kurzban, da Universidade da Pensilvânia, a razão pela qual as pessoas resolvem não cometer atos corruptos é porque podem ser chamadas à responsabilidade. Podem ser punidas com a rejeição social, do ostracismo à prisão. Por isso Kurzban entende que medidas dissuasivas e repressivas são as melhores maneiras de reduzir os níveis de corrupção.
Benjamin Olken, do Instituto Tecnológico de Massachusetts, acha que a desaprovação social pode reduzir a corrupção. Ele esteve na Indonésia e mediu o impacto de medidas anticorrupção em um projeto de construção de rodovias. Concluiu que o método mais eficiente foi aumentar o número de auditorias. “Apenas mandar uma carta informando que a agência de auditoria do Estado iria acompanhar o projeto reduziu os gastos em um terço”, diz Olken.
O problema é que, no Brasil, corrompidos e corruptores devem estar avaliando que o crime compensa. No início, perdem cargos, são expostos, os filhos sofrem na escola, bens são bloqueados e até podem ficar presos por alguns dias. Depois, para a maioria, tudo volta ao normal. As investigações não prosperam, a justiça é lenta e conivente, voltam a circular nos salões e, mesmo com os bloqueios, sempre têm um bom dinheiro guardado e a salvo. E até voltam a ganhar eleições e funções públicas.
Politizar a luta contra a corrupção, de qualquer dos lados – dos acusadores e dos acusados – só contribui para perpetuar esse quadro e consolidar, na sociedade, a percepção de que nossa cultura é essa mesmo. É por isso que um governo sério não pode ser conivente com figuras como Carlos Lupi e Mário Negromonte e ter Romero Jucá como líder no Congresso. Só como exemplo, pois há outros, muitos outros.
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