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Poder

A entrevista de um visionário

Em dezembro de 2002, Jos Alencar falou pela primeira vez como vice-presidente eleito da Repblica, e adiantou como seria a economia no governo Lula

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José Alencar falou pela primeira vez, na condição de vice-presidente eleito, em 2002, aos jornalistas Leonardo Attuch, Marco Damiani e Janaína Leite, em Brasília. Foi um depoimento histórico, que antecipou muito do que aconteceu na economia no governo Lula. Alencar defendeu um tipo de crescimento econômico com geração de empregos, a partir de investimentos em setor intensivos de mão-de-obra – e não de capital. “Nós vamos voltar a trabalhar e a produzir para aumentar o consumo interno e a geração de empregos”, cravou o então futuro vice-presidente. Como se viu, foi exatamente o que aconteceu nos oito anos seguintes.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

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Pergunta - O sr. será o representante do setor produtivo no governo Lula?
JOSÉ ALENCAR – Não. O vice-presidente é eleito como representante da sociedade como um todo e o meu gabinete estará aberto a todos os brasileiros.

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– Mas que palavras o sr. transmitiria aos empresários sobre o futuro?
– É simples. Nós vamos voltar a trabalhar e a produzir para aumentar o consumo interno e a geração de empregos, além do crescimento das exportações.

– Pela primeira vez, desenha-se um pacto entre capital e trabalho conduzido por trabalhadores. Que significado isso traz?
– É natural, até porque o trabalho veio antes do capital. Isso vale para a história das civilizações e também para a minha história como empresário. Portanto, essa aliança é muito bem-vinda. Os ingleses usam uma expressão: sweat equity, ou seja, o capital vem do suor, do trabalho. Não há nada incompatível.

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– Que condições faltam para a retomada do desenvolvimento?
– O foco do governo tem sido a administração financeira. Mas isso não pode ser uma atividade fim. É meio, por excelência. Veja o caso do Banco Central. De fato, há que ser o guardião da moeda. Mas moeda estável não pode ser fator de estagnação e sim de crescimento. Com a inflação alta do passado, era impossível planejar. Agora, isso é possível.

 – Nas políticas públicas do novo governo, que setores seriam priorizados?
 – De preferência aqueles que empregam mais, que são intensivos em mão-de-obra. E isso, geralmente, aplica-se às pequenas e médias empresas. Os grandes empreendimentos são intensivos em capital, não em trabalho. E como nós somos um País de recursos de capital escassos, temos de priorizar as pequenas empresas. Assim, vamos matar os dois coelhos, crescendo e gerando empregos.

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– E qual seria o papel do BNDES?
– O banco é um colosso, uma instituição extraordinária. No caso da minha empresa, a Coteminas, o BNDES tem muitos tijolos assentados nessa obra. Por isso, tenho apreço, respeito e gratidão pelo banco. Mas a instituição tem que estar com braços abertos em todo o território brasileiro.

– Como fazer isso?
– O banco entende a linguagem de projeto.
Isso está correto. Só que muitas empresas não estão 
preparadas para isso. E o BNDES pode e deve facilitar o
acesso aos empreendedores. Às vezes um questionário basta. Que produto será feito? Que quantidade será produzida? Quanto será usado de capital próprio? O que vem do banco? Um quadro de fontes e usos dos recursos. O banco tem um orçamento de quase R$ 30 bilhões. Pegue 5%: R$ 1,5 bilhão. Com projetos de R$ 150 mil, dá para fazer dois empreendimentos em cada município brasileiro. É uma brincadeira. Se você falar isso com alguém do BNDES, vão te ridicularizar. Mas eu falo com experiência de vida. Desafio qualquer um a debater comigo. As soluções são simples. As complicadas não são soluções, são complicações.

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– Como o sr. vê o nervosismo do mercado financeiro?
 – Eu não tenho a menor preocupação com isso, porque não encaro isso como mercado. Na economia, as leis de mercado são tão importantes quanto as da natureza. Mas o que o especulador tenta fazer é diferente. Agride a própria lei do mercado.

– Quais as suas propostas para fazer deslanchar as exportações?
– A primeira coisa é um tratamento igualitário. Por exemplo: nosso sistema tributário, além de burocrático, tem vários impostos em cascata. Portanto, é preciso fazer a reforma. Outro problema é o custo de capital. Deve-se ampliar a participação do BNDES, que tem recursos mais baratos. O que não dá é colocar no mesmo ringue um boxeador de 100 quilos e outro de 50 quilos. O de 50 pode até ter mais técnica. Mas, se levar um soco do peso pesado, pode até morrer.

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– Como o sr. vê a posição do Brasil na Alca?
– O que significa a Alca? Área de Livre Comércio das Américas. Uma área sem fronteiras econômicas. Para que isso seja possível, não se pode dar tratamento diferenciado. Os EUA, por exemplo, oferecem enormes subsídios agrícolas, que correspondem a um benefício maior do que uma proteção tarifária. A Alca só pode ser aprovada se for Alca. E para ser Alca é preciso que haja tratamento igualitário.

 – O sr. está otimista em relação às negociações?
 – Eu sempre parto do princípio de que as pessoas são honestas. Então, a priori, eu acredito que os EUA querem a Alca, como eu disse, de forma igualitária. Mas eles vão ter que provar que querem.

 – Qual a sua avaliação sobre a recepção internacional à vitória do Lula?
– Aconteceu o que eu dizia há vários meses. Eu dizia que, se o Lula vencesse, o mundo aplaudiria o Brasil.

 – Isso pode trazer a reabertura das linhas de crédito para o Brasil?
 – É o óbvio ululante. Se houve uma repercussão internacional tão favorável, isso se transmite para o mercado. A menos que o mercado tenha a intenção de agredir as próprias leis do mercado.

– Qual a sua visão sobre o acordo com o Fundo Monetário Internacional?
– Eu não tenho nada contra o FMI. Sou contra quem nos leva ao FMI. O ideal é que nós nunca tivéssemos ido ao Fundo. E o Brasil tem condições e potencialidades para crescer e construir a sua independência, de forma autônoma e soberana. Você não conhece a história do Henry Ford?

– Conte-nos.
– Ele estava quase quebrando e convidou um presidente de banco para visitá-lo. O banqueiro, no fim da conversa, disse: “Eu te arrumo o dinheiro, mas desde que eu indique o diretor-financeiro”. Ford quis saber o porquê e o banqueiro respondeu que havia um brutal desperdício na empresa, especialmente nos estoques. Então Ford chamou seu filho, o nomeou diretor-financeiro e despediu-se do banqueiro. O filho recebeu a atribuição de racionalizar os estoques e o empréstimo não foi necessário.

 – Então, no governo Lula, o Brasil não voltará a bater na porta do FMI?
 – Repito: o ideal é que nunca tivéssemos ido. Eu não diria que o Fundo nomeia o ministro da Fazenda. Mas o fato é que o FMI tenta orientar a política econômica.

– Uma questão que preocupa o Fundo é a dívida dos Estados. O sr. vem de Minas, onde o problema é grave, e também é autor de um projeto que reduz o comprometimento de receitas com pagamento dos juros...
– Eu, de fato, tenho um projeto de redução do comprometimento da receita líquida dos Estados para amortização da dívida. Isso cairia de 13% para 5%. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça por unanimidade. Mais tarde, na Comissão de Assuntos Econômicos, houve um aumento de 5% para 7%. Mas então veio a Lei de Responsabilidade Fiscal e o projeto foi levado novamente à Comissão de Constituição e Justiça, onde se encontra.

 – Mas o sr. vai retomar o projeto?
– Se houver uma reforma tributária, esse problema pode ser resolvido. Um exemplo: parte do imposto de renda das pessoas jurídicas virou contribuição sobre o lucro líquido. E, pela Constituição, uma contribuição é diferente de um imposto. Sua receita é federal, não é repartida com Estados e municípios. Acreditamos que uma reforma tributária pode desonerar a produção, permitir a retomada do crescimento e levar a um novo equilíbrio do pacto federativo, transformando contribuições em impostos e distribuindo melhor as receitas a Estados e municípios.

– O Lula disse que o sr., além de companheiro, é um irmão. Como o sr. vê o novo presidente?
– Nós temos uma origem simples e muito mais afinidades do que as pessoas pensam. Ele foi um líder sindical e eu também. No meu caso, presidi a Federação das Indústrias de Minas Gerais. É patronal, mas é um sindicato. Numa negociação salarial, os interesses dos trabalhadores e dos empresários podem ser antagônicos. Mas eu nunca desrespeitei um negociador que representasse os trabalhadores, senão colocaria em xeque a minha legitimidade.

 – Então a afinidade foi natural?
 – Claro. Além disso, a sensibilidade social do Lula está à flor da pele. E para nós, que temos origem modesta e humilde, isso é importante. Não há nada mais prioritário do que o tratamento igualitário para todas as crianças numa escola.

– Sua empresa oferece muitos benefícios aos funcionários. Como o empresário deve adaptar-se aos novos tempos?
 – A única obrigação de um empresário é fazer com que sua empresa seja forte, próspera e independente. Uma empresa é uma fração da economia. E em uma economia forte, é preciso que suas empresas também o sejam. O empresário não tem obrigação filantrópica. Ele tem que pagar seus impostos em dia.

– O sr. e o Lula têm o sobrenome “Silva” e casaram-se com “Marisas”. Não é muita coincidência?
 – Temos que perguntar às nossas mães e nossos pais. Às vezes, eles combinaram.

 – O que mais o marcou na campanha?
 – O que mais me impressiona é o carinho com que Lula é recebido no Brasil inteiro. Isso aumenta a nossa responsabilidade. A esperança das pessoas é enorme.

 – O Lula irá superar o Juscelino?
 – Cada um tem suas características e é cedo para comparar. Mas, nem precisa superar, basta aproximar-se porque Juscelino foi um dos melhores, senão o melhor presidente da história republicana brasileira.

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