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“A gente vive uma conjuntura desfavorável, de reação às conquistas recentes”

Quem afirma Luiza Bairros, ministra da Igualdade Racial; ela acreditaque a implantao de um Sistema Nacional de Promoo da Igualdade Racial ser uma forma de trazer resultados concretos no combate ao racismo no Brasil;leia entrevista

“A gente vive uma conjuntura desfavorável, de reação às conquistas recentes” (Foto: Wilson Dias/ABr )

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Sul 21 - Em Porto Alegre para cumprir agendas neste final de semana, a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Luiza Bairros, concedeu entrevista ao Sul21. Pouco à vontade com a imprensa, a ministra aceitou conversar antes de palestrar na aula inaugural do curso de especialização Gestão em Políticas Públicas na Perspectiva de Gênero e Promoção da Igualdade Racial promovido pela Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Sul. A conversa ocorreu na sala VIP da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), depois da ministra ter realizado uma audiência com o povo de terreiro na Câmara de Vereadores de Alvorada, no evento Diálogo aberto entre a ministra e o povo de terreiro do RS.

Mesmo sem ter falado sobre políticas afirmativas e outras ações importantes para a igualdade racial, a ministra não deixou de falar sobre a recente derrota do governo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal quando foi aprovada a PEC que transfere ao Congresso o poder de demarcação de terras no Brasil. “A PEC 215 faz parte de um conjunto nada desprezível de PECs e Projetos de Lei que tramitam no Congresso exatamente para destituir direitos adquiridos pelos negros nos últimos anos”, definiu. Ela fala que, apesar da articulação política não ter dado certo, a base segue mobilizada para evitar que a proposta vá para o plenário.

Luiza Bairros falou das dificuldades de gestão encontradas no governo de Dilma Rousseff, mas, acredita que a escolha de implantar um Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial será uma forma de trazer resultados concretos no combate ao racismo no Brasil. A ministra também reconheceu que o atraso do governo federal na titulação de terras quilombolas, não traz boas perspectivas para 2012. “Temos inúmeros processos abertos no INCRA que aguardam apenas os recursos para as desapropriações que tem que ser feitas para titular a comunidade quilombola. Não conseguimos assegurar estes recursos para este ano”, admitiu.

A senhora avalia que o país avançou no combate à discriminação racial por ter adquirido consciência do problema, mas diz que ainda há um longo caminho a ser percorrido. Qual?

Luiza Bairros – Este caminho não é único. É um caminho com várias desafios a serem enfrentados. Em primeiro lugar, nós precisamos de uma participação ainda maior do movimento negro na luta contra o racismo. Só assim manteremos a sociedade mobilizada e organizada politicamente a fim de mostrar a todos que o racismo existe e que provoca efeitos concretos na vida das pessoas. Devemos também pressionar para que os casos de discriminação sejam enviados para a justiça e que se faça valer a lei anti-racista que existe no Brasil.

Por que a crítica ao movimento negro?

Luiza Bairros - Eu acho que é a luta contra o racismo que pavimenta o caminho para uma igualdade racial. Existindo isso, fica mais fácil, para quem está no governo, o trabalho em ações e propostas governamentais que tenham resultados concretos na vida das pessoas. E, alcançar resultados concretos, do ponto de vista da gestão, requer criar certas institucionalidades em relação à igualdade racial. Uma delas é implementar Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que está previsto no Estatuto da Igualdade Racial. Eu estou cada vez mais certa de que, se nós não pensarmos a igualdade racial de modo sistêmico, assim como é pensada a política pública de Saúde, de Meio Ambiente e de Segurança Alimentar, nós não vamos conseguir grandes resultados nesta área.

Este sistema já está pronto? Como funcionará?

Luiza Bairros – É através deste sistema, que é o SINAPIR, que poderemos identificar as competências dos estados, União e municípios para fazer com que efetivamente estas políticas cheguem às pessoas. Estamos em processo de elaboração do sistema. O documento base já está concluído. Ele foi discutido com o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e pretendemos disponibilizá-lo para uma consulta pública em abril. Todos vão poder opinar sobre o sistema. Estamos fazendo este trabalho de institucionalização da política pública, o que é fundamental. É um passo muitas vezes pouco entendido, porque as pessoas ficam querendo que você faça aquelas coisas que aparecem imediatamente. E, muitas vezes, as coisas que aparecem imediatamente na questão da igualdade racial é fazer grandes eventos, chamar muitas pessoas, etc. Mas, a gente está precisando fazer este trabalho para dentro da estrutura do estado, para dentro dos governos estaduais e prefeituras municipais e que tem menos visibilidade. Esta foi a escolha que fizemos na gestão e apostamos que seremos capazes de fazer e implementar este sistema até o final deste ano.

Esta política tem o apoio da Presidência? Quando o Sul21 conversou com a senhora em agosto de 2011, a senhora disse que esperava “receber um olhar mais específico dentro do governo”. Isto ocorreu?

Luiza Bairros – Na verdade, caminhamos até mais rápido do que eu pensava. No ano de 2011 fizemos um trabalho proveitoso do ponto de vista político com todos os ministérios. De modo que conseguimos tornar visível iniciativas, objetivos e metas para o governo federal dentro do plano que será executado entre 2012 e 2015. Termos explicitados estes objetivos foi importante porque criamos pela primeira vez a possibilidade de ter condições de monitorar o que está sendo cumprido na agenda federal. Tanto que teremos a possibilidade de formatar um sistema de monitoramento da política de Igualdade Racial dentro do governo. Isto anda alinhado com que está determinado pela presidenta Dilma Rousseff. Ela declarou o ano de 2012 como o ano da gestão. Eu estou felicíssima com isso. Do ponto de vista da ação do estado, o que falta é isso. Falta-nos muitos instrumentos de gestão pública. Então, é muito bom que ela tenha definido isto como objetivo. Isso cria para nós um espaço para trabalhar nesta dimensão. A SEPPIR irá fazer 10 anos no ano que vem.

Na última semana, dois dias antes do Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a PEC 215/2000, que dá ao Congresso a atribuição de demarcação de novas terras indígenas e pode até ameaçar as terras quilombolas. Como o governo irá contornar isto, caso a PEC seja aprovada pelo legislativo federal?

Luiza Bairros – A PEC 215, que trata da retirada do poder Executivo a prerrogativa de reconhecer terras indígenas, quilombolas e demarcar áreas de preservação, faz parte de um conjunto nada desprezível de PECs e Projetos de Lei que tramitam no Congresso exatamente para destituir direitos adquiridos pelos negros nos últimos anos.

Existem vários projetos para tornar sem efeito todas as conquistas de reconhecimento de terras quilombolas, para tornar sem efeito o decreto 4887, que é o que nos permite operar o programa Brasil Quilombola, por exemplo. Nós trabalhamos com as assessorias do Ministério da Justiça e da Funai e fizemos um mutirão grande de trabalho. Mobilizamos o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal (Ricardo Berzoini – PT). Mas, a verdade é que perdemos. Perdemos fragorosamente dentro da CCJ. Mas, eu não considero que a guerra esteja perdida. Será constituída uma Comissão Especial para discutir a proposta. Eu acho que ganhamos tempo e um novo espaço para lutar. A votação da CJJ não foi o último passo. Ainda temos esta Comissão Especial antes do plenário. Mas, sem dúvida nenhuma, a gente vive no Brasil uma conjuntura desfavorável, de reação às conquistas recentes. Do ponto de vista da política, até não deveríamos nos surpreender, porque é mais ou menos assim que a política funciona.

A senhora pensa ser possível desideologizar o debate sobre a demarcação de terra e fazer justiça sobre os direitos dos remanescentes de quilombos no Brasil?

Luiza Bairros – É muito difícil. Vivemos numa sociedade que se alimenta da desigualdade. Então, fazer isto desaparecer é difícil. O racismo, também como fenômeno, tem esta característica. É um fenômeno elástico. Tu consegues uma mudança e ele rapidamente se acomoda em outra possibilidade de se manter vivo. É assim que vivemos. Existem avanços, mas as relações sociais também vão se tornando mais complexas.

Como a senhora explica o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ter concedido apenas uma titulação de terra quilombola, a colônia de São Miguel, no Mato Grosso do Sul, no primeiro ano do governo Dilma?

Luiza Bairros – Foi apenas uma e na marra. O que aconteceu foi que em 2011 nós tivemos um contingenciamento de recursos muito grande e nesse bojo foram contingenciados muitos recursos de titulação de terras quilombolas. Este é um aspecto. O outro aspecto é que nós não conseguimos resolver completamente a questão legal de quem faz os relatórios. Havia uma restrição legal para o INCRA contratar profissionais fora dos quadros estaduais para fazer os relatórios. Isto levou tempo até que o INCRA regularizasse. Foi feito um edital, contratados antropólogos e outros profissionais. Tudo isso levou tempo e passou todo o ano de 2011. É doloroso ver este resultado na Comissão Pró-Índio, mas eles estão certos. Houve atraso mesmo e dificuldades concretas do governo levar adiante esta questão. Para se ter uma ideia, temos inúmeros processos abertos no INCRA que aguardam apenas os recursos para fazer as desapropriações que tem que ser feitas dentro das terras para titular à comunidade quilombola. Não conseguimos assegurar estes recursos para este ano.

 

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