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Poder

FHC em 1978 – um político em gestação

Na primeira disputa eleitoral, o futuro presidente começou a desenvolver suas marcas registradas: a capacidade de amarrar alianças e de esvaziar crises. Mas também revelou a tremenda vaidade que lhe rendeu prejuízos políticos

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Numa tarde de setembro de 1978, Fernando Henrique Cardoso caminhava pela rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo, quando foi abordado por uma senhora. “O senhor é comunista?”, disparou ela. É bom esclarecer: “comunista” naquela época, quando a ditadura militar ainda imperava no País, era quase xingamento, ofensa das piores, acusação que poderia levar o sujeito à cadeia. Se dependesse do intelectual Fernando Henrique Cardoso, nada disso o impediria de reafirmar à simpática senhora a herança marxista, base de sua linha de pensamento e da metodologia utilizada em livros clássicos que escreveu.

Mas ali, naquela tarde, não se encontrava somente o intelectual. Fernando Henrique, acompanhado por séquito de seguidores, era protagonista de uma passeata eleitoral. Candidato a senador pelo então MDB, dava os primeiros passos na carreira política partidária. Era um político em gestação e respondeu como tal: falou da necessidade de justiça social e da ausência de liberdades básicas no Brasil. Completou entregando um “santinho” com sua foto e pediu o voto à mulher.

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Naquela campanha de 1978, Fernando Henrique disputava seu primeiro cargo eletivo. Abrigado no MDB, único partido de oposição permitido pela ditadura militar, Fernando Henrique reuniu em torno de sua candidatura o apoio da quase totalidade da esquerda brasileira, dos setores “autênticos”, como se falava então, e de parcelas da classe média mais liberal. Faziam parte das “forças progressistas” (outra expressão da época) artistas consagrados, como Chico Buarque de Holanda, e lideranças sindicais emergentes, a exemplo de um metalúrgico do ABC paulista chamado Luiz Inácio da Silva, o Lula (o apelido ainda não havia sido incorporado oficialmente ao nome).

Nessa ampla aliança, Fernando Henrique já começava a ensaiar uma das características que se tornaria marca registrada de sua carreira política: a habilidade de amarrar apoios e reunir em torno de si tendências políticas variadas e até antagônicas.

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Mas foi mais nas ruas, diante de senhoras apavoradas com a eventual ascensão do comunismo, do que na universidade que Fernando Henrique desenvolveu esse dom da conciliação. Antes disso, porém, formado em Sociologia e Ciências Sociais, FHC construiu enorme reputação no meio acadêmico com livros como Dependência e Desenvolvimento na América Latina, em parceria com Enzo Faletto. Ciceronizou Jean Paul Sartre no Brasil, tornou-se discípulo preferido de Florestan Fernandes, considerado um dos grandes gênios da sociologia brasileira, e foi escolhido o 11º mais influente pensador do mundo pela conceituada revista Foreign Policy. Lecionou na França, onde viu de perto o Movimento de Maio de 1968. Ao voltar ao Brasil, foi afastado de sua cadeira da USP por um decreto da ditadura militar.

O sucesso acadêmico o levou a cultivar uma vaidade da qual nunca se livrou e lhe trouxe grandes prejuízos políticos. Nem mesmo a vivência com velhas raposas políticas evitou as gafes cometidas em função desse sentimento. Na década de 70, utilizou a expressão partido “omnibus” (assim mesmo, em latim) ao se referir ao MDB como uma frente política ampla, que abrigava as mais variadas linhas políticas. Soou pedante.

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Em 1985, ocorreu a pior das gafes. Candidato nas eleições municipais de São Paulo, aceitou sentar na cadeira do prefeito dias antes do pleito. Julgava-se eleito. Pois a foto foi estampada na primeira página da Folha de S. Paulo e serviu de munição para seu adversário, Jânio Quadros. Perdeu a eleição e não aprendeu a lição. A mesma vaidade se manifestou nos anos 2000, quando, depois de dois mandatos presidenciais, entrou em bate-bocas com seu sucessor Luiz Inácio Lula da Silva sobre as qualidades de cada governo. As discussões valeram a pecha de “despeitado” em FHC.

Quase 18 anos antes dessa consagração, quando ainda caminhava pela rua do centro de São Paulo, em frente àquela senhora assustada com o comunismo do jovem candidato, FHC revelou outro de seus traços políticos: a capacidade de esvaziar crises. A resposta errada ao questionamento da mulher poderia custar votos e até problemas com a máquina repressiva do estado. Sua resposta não só preservou seus princípios e seus credos políticos, como angariou a simpatia feminina. “Puxa, ele fala bem e sempre sorrindo”, disse a mulher ao se retirar da rodinha em torno do candidato, que acabara de conquistar um voto. Um de seus principais colaboradores durante os oito anos de presidência disse certa vez com admiração: “as crises sempre saíam menores do gabinete presidencial do que entravam.”

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Esse FHC começou a ser moldado nas ruas de São Paulo naquele distante 1978. Ele não se elegeu – faturou 1,5 milhão de votos, uma votação de peso nas circunstâncias políticas da época, sobretudo para um nome ainda desconhecido do eleitorado. O vencedor foi Franco Montoro, seu companheiro de partido e político com enorme prestígio junto aos paulistas. Mas aquela eleição abriu de vez as portas da política partidária para FHC. Quatro anos depois, Montoro renunciou ao mandato de senador para assumir o governo do Estado de São Paulo, eleito com votação estrondosa. Seu suplente era justamente FHC, graças àquele 1,5 milhão de votos angariados em passeatas como a da Rua Barão de Itapetininga.

 

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Joaquim Castanheira é jornalista e co-fundador do www.brasil247.com.br

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