FHC: o dia a dia é mais duro do que o que o governo diz
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso atribui a ida das multidões às ruas do País à "vida pesada" nas grandes cidades e diz que o governo "é tão propagandista de uma maravilha virtual que há um descolamento"; segundo o tucano, "criaram uma camada virtual de bem-estar que agora o pessoal questiona. O dia a dia é mais duro do que o que o governo diz"; ele acredita ainda que nenhum partido político irá ganhar com a onda de manifestações
247 – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso atribui à insatisfação da vida nas grandes cidades o fato de as pessoas terem saído às ruas para protestar em cidades de todo o País nos últimos dias. "Há sofrimento com o transporte, a poluição, a segurança. São problemas que afetam a todas as classes", resume o sociólogo, em entrevista concedida à Folha de S.Paulo. Segundo ele, há um "mal-estar inespecífico" da população.
Fernando Henrique coloca ainda como um dos motivos centrais para os protestos recentes um fato que ele próprio batizou de "anti-China". Ele explica: "Desde o governo Lula estamos vivendo um estilo de crescimento que é o oposto ao dos chineses. Lá fazem poupança e investem. Aqui consome-se sem investir. A rua está dizendo: não basta o consumo, quero mais."
O tucano critica o que chama de "camada virtual de bem-estar" criada pelo governo, a começar pelos nomes de seus programas sociais. "É tudo marquetagem: 'Minha Casa, Minha Vida', 'Minha Casa Melhor'", diz. Ele acredita que há, sim, um desencantamento da sociedade. Sobre a vaia da presidente Dilma Rousseff durante a abertura da Copa das Confederações, em Brasília, diz ser "normal", mas que a dela durou "muito tempo".
FHC acredita ainda que nenhum partido político irá ganhar com os protestos. "Não acho que qualquer partido possa, deva ou consiga capitalizar o movimento", afirma. "Alguma mudança ocasiona, mas não sei se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem e a ligação com fenômenos como as mídias sociais", acrescenta. Fernando Henrique avalia que estamos vivendo um momento de curto-circuito.
Confira os principais trechos e leia aqui a íntegra da entrevista, na Folha.
Comparação dos movimentos de hoje com Paris em 1968
Aquele era um movimento a favor da autonomia e da liberdade. Mas a França tinha sindicatos, partidos, organização. Agora, com a internet, e com a fragmentação maior de classes, é diferente. O comando é quase inexistente, vai se formar na rua. As demandas são muitas, o pretexto pode ser qualquer um. Esta situação me lembra um ensaio meu chamado "A teoria do curto-circuito".
Vivemos um curto-circuito?
Sim. O preço do ônibus foi um estopim. Ali está desencapado um fio. Mas aí pega fogo em outros. Não foi a classe dominada, mas os jovens. São eles que estão gritando, não os que não podem pagar. Gritam contra a injustiça em geral. Corrupção, PEC 37 [proposta que reduz poderes do Ministério Público], o custo dos estádios, dos transporte.
Insatisfação
Há sofrimento com o transporte, a poluição, a segurança. São problemas que afetam a todas as classes. O pobre leva duas horas no ônibus sofrendo. O rico fica irritado porque fica uma hora no carro. O rico está cercado de guardas. O pobre não tem guarda, mas os dois estão com medo. Talvez tenha aí também o começo da inflação e do esgotamento do crédito, agindo por baixo disso tudo. Mas o foco é um mal-estar inespecífico. Não acho que qualquer partido possa, deva ou consiga capitalizar o movimento.
Há desencantamento?
Sim. As pessoas melhoraram de vida, mas o governo é tão propagandista de uma maravilha virtual que há um descolamento. Veja os nomes de programas de governo. É tudo marquetagem: "Minha Casa, Minha Vida", "Minha Casa Melhor". Criaram uma camada virtual de bem-estar que agora o pessoal questiona. O dia a dia é mais duro do que o que o governo diz.
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