Lula: absolutamente nada justifica espionagem do Brasil pelos EUA
Em artigo, ex-presidente diz que se o país de Barack Obama quiser preservar o muito que as relações bilaterais com o Brasil avançaram nas décadas recentes, cabe uma explicação crível e o necessário pedido de desculpas; segundo ele, impõe-se a sua decidida mudança de atitude, pondo fim a tais práticas abusivas: “O que leva um país como os EUA, tão justamente ciosos de sua democracia e de sua legalidade internas, a afrontarem a democracia e a legalidade dos outros? O que as faz acreditar que não existe nenhum inconveniente moral ou político em desrespeitar o Chefe de Estado, as instituições e as empresas do Brasil ou de qualquer outro país democrático?”, questiona
247 – Diante de uma plateia composta pelas maiores lideranças mundiais, a presidente Dilma Rousseff denunciou na abertura da Assembleia-Geral da ONU a prática de espionagem como ataque à soberania nacional e aos direitos humanos. Ao discursar na sequência, o presidente Barack Obama, alvo central das críticas, se quer tocou no assunto.
Em artigo publicado nesta quarta-feira no site do Instituto Lula, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou um pedido de desculpas do governo de Obama pela quebra de sigilo de conversas realizadas do gabinete da presidente assim como da Petrobras.
Segundo ele, mais do que isso, o episódio impõe-se a sua decidida mudança de atitude, pondo fim a tais práticas abusivas. Leia:
Democracia e parceria, por Luiz Inácio Lula da Silva
São gravíssimos os atos de espionagem praticados pela NSA – a Agência Nacional de Segurança dos EUA – contra os Chefes de Estado do Brasil e do México. Nada, absolutamente nada pode justificar a interceptação de telefonemas e a invasão da correspondência reservada dos Presidentes da República de países amigos, ferindo a sua soberania e desrespeitando os princípios mais elementares da legalidade internacional. E é mais grave ainda que importantes autoridades norte-americanas tenham querido legitimar tal agressão com o argumento de que os EUA estariam “protegendo” os interesses dos nossos países.
À medida que a verdade dos fatos vai sendo revelada, fica evidente que, no caso brasileiro, além da Presidente Dilma Rousseff, a Petrobrás, nossa empresa petrolífera, também foi espionada pela NSA, o que desmente as alegadas – e já por si inaceitáveis – razões de segurança.
A inadmissível ingerência nos assuntos internos do Brasil e as falsas razões alegadas provocaram a indignação da sociedade e do governo brasileiros. A Presidente Dilma Rousseff já questionou diretamente o Presidente Barack Obama sobre o problema e aguarda uma resposta convincente, à altura de sua gravidade.
O governo brasileiro está tratando o caso com a maturidade e o sentido de responsabilidade que caracterizam a Presidente Dilma Rousseff e a nossa diplomacia – mas é impossível subestimar o impacto que ele pode ter, se não for adequadamente resolvido, para as relações Brasil-EUA.
Basta imaginar o escândalo e a comoção que aconteceriam nos Estados Unidos se algum país amigo interceptasse ilegalmente, sob qualquer pretexto, os telefonemas e a correspondência reservada de seu Presidente.
O que leva um país como os EUA, tão justamente ciosos de sua democracia e de sua legalidade internas, a afrontarem a democracia e a legalidade dos outros? O que faz pensar às autoridades norte-americanas que elas podem e principalmente devem agir de modo tão insensato contra um país amigo? O que as faz acreditar que não existe nenhum inconveniente moral ou político em desrespeitar o Chefe de Estado, as instituições e as empresas do Brasil ou de qualquer outro país democrático?
E o mais inexplicável é que essa flagrante ofensa à soberania e à democracia brasileiras acontece num contexto de excelentes relações bilaterais. O Brasil, historicamente, sempre valorizou as suas relações com os Estados Unidos. Nos últimos dez anos, trabalhamos ativamente, e com bons resultados, para ampliar ainda mais a interação econômica e política do Brasil com os EUA. Mantivemos ótimo diálogo institucional e pessoal com os seus governantes. Apostamos em uma parceria de fato estratégica entre os dois países, baseada em interesses comuns, sem prejuízo do nosso esforço pela integração da América Latina e de um maior intercambio com a África, a Europa e a Ásia.
Para isso, não hesitamos em enfrentar a desconfiança e o ceticismo de amplos setores da opinião pública brasileira, ainda traumatizados pela participação direta do governo norte-americano no golpe de Estado de 1964 e o seu permanente apoio à ditadura militar (como, de resto, a outras ditaduras militares do continente). Nunca duvidamos de que aprofundar o diálogo e fortalecer os laços econômicos e diplomáticos com os Estados Unidos fosse a melhor maneira de ajudá-los a superarem aquela página sombria das relações interamericanas, e a sua política de ingerência autoritária e antipopular na região.
No episódio atual, se ambos os países querem preservar o muito que as nossas relações bilaterais avançaram nas décadas recentes, cabe uma explicação crível e o necessário pedido de desculpas dos EUA. Mais do que isso: impõe-se a sua decidida mudança de atitude, pondo fim a tais práticas abusivas.
Os EUA devem compreender que a desejável parceria estratégica entre os dois países não pode assentar-se na atitude conspirativa de uma das partes. Condutas ilegais e desrespeitosas certamente não contribuem para construir uma confiança duradoura entre os nossos povos e os nossos governos.
Um episódio como esse, por outro lado, demonstra o esgotamento da atual governança mundial, cujas instituições, regras e decisões são frequentemente atropeladas por países que muitas vezes confundem seus interesses particulares com os interesses de toda a comunidade internacional. Demonstra que é mais urgente do que nunca superar o unilateralismo, seja ele dos EUA ou de qualquer outro país, e criar verdadeiras instituições multilaterais, capazes de conduzir o planeta com base nos preceitos do Direito Internacional e não na lei dos mais fortes.
O mundo de hoje, como ninguém ignora, é muito diferente daquele que emergiu da 2ª Guerra Mundial. Além da descolonização africana e asiática, diversos países do sul se modernizaram e industrializaram, conquistando importantes progressos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, adquiriam um peso muito superior no cenário mundial. Hoje, os países que não fazem parte do G-8 representam nada menos que 70% da população e 60% da economia do mundo. Mas a ordem política global continua tão monopolizada e restritiva quanto no inicio da guerra fria. A maioria dos países do mundo está excluída dos verdadeiros espaços de decisão. É injustificável, por exemplo, que a África e a América Latina não tenham nenhum membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ou que a Índia esteja fora dele. A governança global precisa refletir o mundo contemporâneo. O Conselho de Segurança só será plenamente legítimo e democrático – e acatado por todos – quando as várias regiões do mundo participarem dele, e os seus membros não defenderem apenas os próprios interesses geopolíticos e econômicos, mas representarem efetivamente o anseio de todos os povos pela paz, a democracia e o desenvolvimento.
Esse episódio e outros semelhantes apontam também para uma questão crucial: a necessidade de uma governança democrática para a internet, de modo que ela seja cada vez mais um terreno de liberdade, criatividade e cooperação – e não de espionagem.
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