O fim dos privilégios e mordomias é um bom começo
Uma frente ampla de interesses, propostas e reivindicações, como o que hoje se espalha pelo Brasil, só tem consequência se chegar a um mínimo denominador comum de propostas pelas quais se luta
A reforma política deveria ser a lógica consequência das manifestações que se realizam em todo o país e no exterior, mobilizando diretamente milhares de pessoas e recebendo enorme aprovação da população. Os motivos de protestos são inúmeros e as reivindicações são várias, o movimento não tem uma direção clara, mas é óbvio que, independentemente de seus rumos, mostra a falta de representatividade e legitimidade dos partidos políticos e dos que hoje têm um mandato que é popular apenas formalmente. O sistema político e eleitoral em que vivemos é, embora para muitos não seja claro, o alvo consciente ou inconsciente dos manifestantes.
Pesquisas indicam que mais de 80% dos manifestantes não têm filiação ou simpatia partidária, e militantes de partidos que legitimamente participam dos protestos têm sofrido hostilidades. Há uma clara tendência a definir o movimento como apartidário e rejeição aos partidos – consequentemente, aos políticos. Na verdade, praticamente em todo o mundo há esse sentimento.
Mas, se algum dos manifestantes decidir disputar as eleições em 2014 para dar uma oxigenada no quadro político, o primeiro passo é se filiar a um partido político. E, se pensar mesmo em se eleger, terá de dispor de muito dinheiro para concorrer em igualdade de condições com os políticos tradicionais financiados por bancos e empreiteiras, pelo agronegócio e pelas grandes empresas. E provavelmente só será candidato se tiver o beneplácito dos comandantes das legendas.
Uma reforma política, porém, é complexa e confronta diferentes ideias e interesses. Além disso, tem de ser aprovada pelo Congresso Nacional, eleito e beneficiado pela atual legislação. Não há consenso nem maioria segura em praticamente nenhum ponto de uma verdadeira reforma: possibilidade de eleger candidatos sem partido; sistema de eleição parlamentar proporcional, distrital ou misto; financiamento público ou privado e aí por adiante. E é difícil que um movimento diversificado como o que vemos nas ruas chegue também a um consenso sobre esses pontos.
Uma frente ampla de interesses, propostas e reivindicações, como o que hoje se espalha pelo Brasil, só tem consequência se chegar a um mínimo denominador comum de propostas pelas quais se luta. E não adianta ter reivindicações muito amplas: fim da corrupção, mais investimentos em saúde e educação são bandeiras justas, mas difusas e amplas. É muito difícil conseguir consensos, mas há algumas questões que certamente uniriam os manifestantes e receberiam apoio em massa da população, o que poderia obrigar os políticos a acatá-las. Podem ser resumidas em poucas palavras: fim dos privilégios e das mordomias.
Acabar com privilégios e mordomias significaria seguramente uma grande economia de recursos públicos que poderiam ser destinados a prioridades pelas quais lutam os manifestantes. Alguns exemplos: acabar com as verbas indenizatórias em todos os parlamentos, limitar em uns 10 o número de funcionários nos gabinetes de parlamentares, tornar gratuitos os mandatos de vereadores que se reúnem uma ou duas vezes por semana, extinguir o ressarcimento de gastos médicos de senadores e ex-senadores e famílias, reduzir e tornar transparentes os motivos e gastos das viagens internacionais de autoridades, impedir que o Tesouro pague viagens de mulheres de ministros do Judiciário, fazer com que ministros paguem por suas passagens quando quiserem passar o fim de semana em casa, diminuir drasticamente o número de carros oficiais e residências funcionais nos três poderes, não pagar auxílio-alimentação a quem recebe mais de uns R$ 15 mil mensais, não permitir compras inúteis voltadas para eventos e festas (flores, bebidas, palcos), não custear shows e espetáculos com recursos públicos.
Quem fizer as contas vai ver que muito dinheiro vai ser economizado pelo Estado se tudo isso e mais algumas coisas forem feitas, adotando um estilo austero na gestão do dinheiro público. Conseguir acabar com privilégios e mordomias ainda é pouco, mas é bom início.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: