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      Partidos políticos: tantos para que?

      Nenhuma democracia se sustenta com a existência de agremiações funcionando mais como cabides de emprego do que como partidos políticos, com programas definidos a serem cumpridos e aperfeiçoados

      Chico Vigilante avatar
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       “É um parlamento de costas para o passado este que se inaugura hoje para decidir o destino constitucional do país. Temos nele uma vigorosa bancada de grupos sociais emergentes, o que lhe confere nova legitimidade na representação do povo brasileiro. Estes meses demonstraram que o Brasil não cabe mais nos limites históricos que os exploradores de sempre querem impor. Nosso povo cresceu, assumiu seu destino, juntou-se em multidões, reclamou a restauração democrática, a justiça e a dignidade do Estado.”

      Há 26 anos, milhares de pessoas reunidas diante do Congresso Nacional, ouviram do presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulisses Guimarães, palavras que após anos e anos de ditadura e arbítrio soaram como um grito de vitória em uma  batalha de uma grande guerra sem tempo pra terminar.

      O pronunciamento de Ulisses caberia perfeitamente na abertura dos trabalhos de uma nova Assembléia Constituinte, convocada atualmente, após as vigorosas manifestações ocorridas em junho em todo o país. Não para mudar toda nossa Carta Magna mas para corrigir nela o que nas últimas décadas se tornou obsoleto, naquilo que a nova realidade de democracia e crescimento do país, está a exigir mudanças.

      Desagrade aos juristas de plantão, ou não, a verdade é que não apenas as vozes das ruas estão pedindo uma reforma política, mas figuras experientes como o ex-presidente Lula, o senador Pedro Simon, entre outros. Se fortalece a defesa pela realização de uma Constituinte exclusiva para a reforma política, do sistema tributário e do Judiciário.

      Já levantada por mim anteriormente em artigo, reforço a idéia de uma reforma política como única saída para a verdadeira anarquia na qual nos encontramos. Nenhuma democracia se sustenta com a existência de tantas agremiações, que funcionam mais como cabides de emprego do que como partidos políticos com programas definidos a serem cumpridos e aperfeiçoados.  

      É hora de rever a questão e entender como fazer para mudar. A convocação de uma Constituinte, exclusiva para as  reformas política, tributária e do judiciário, deveria ocorrer de forma diversa da de 1986. Hoje, seria formada por um grupo de pessoas eleitas com a finalidade única de votar o texto da reforma constitucional e ser extinto ao final dos trabalhos. Seus participantes  por força de lei estariam impedidos de se candidatarem a cargos políticos por um período de 10 anos.

      Desta forma, ao votar a Constituição um cidadão, seja ele advogado,  médico, operário, ou dona de casa, visaria apenas o bem comum e não o interesse de grupos ou indivíduos. Votaria a Constituição de acordo com seus conhecimentos e sua consciência, e voltaria para casa. Não há ninguém pior para fazer uma Constituição do que aqueles com interesses nos resultados. 

      Na Constituinte de 1986, cerca de 69 milhões de eleitores elegeu 559 parlamentares - 487 deputados e 72 senadores - para votar a nova Carta. Após 20 meses ela estava pronta mas eles cumpriram integralmente o mandato de quatro anos e muitos deles se reelegeram para a próxima legislatura. 

      O mais importante, no entanto, foi que a campanha que precedeu a eleição encerrou o mais importante ciclo da história republicana brasileira, no que diz respeito ao pluralismo de propostas, ao embate ideológico e ao vigor cívico da participação do povo nas ruas e praças públicas. 

      Os constituintes de hoje, caso convocados, certamente enfrentariam os mesmos problemas do passado.  O debate das posições antagônicas às dos progressistas, favorecido pelo apoio dos empresários de comunicação, cujos veículos repercutiam em maiores dimensões as propostas em defesa da livre iniciativa e de resistência aos avanços pretendidos pelas esquerdas.

      Os progressistas neutralizaram, de certo modo, os efeitos da ofensiva publicitária e dos lobbies dos conservadores, por meio de uma aguerrida pressão junto aos constituintes, nas galerias e nas comissões da Câmara e Senado, e em manifestações no gramado em frente ao Congresso Nacional.

      Estas imagens deveriam ser vistas por nossos jovens manifestantes de hoje, e por aqueles que qualificaram de “propostas burocráticas” a sugestão da presidenta Dilma de convocar uma Constituinte para tratar de uma reforma política que englobasse questões demandadas pelas manifestações.

      Um outro instrumento utilizado pelos progressistas para neutralizar a ofensiva dos representantes do poder econômico na Constituinte de 1986 foram as emendas de iniciativa popular. De um total de 122, reunindo mais de 12 milhões de assinaturas, a grande maioria foi originária da mobilização de trabalhadores, estudantes e movimentos populares. A história, neste caso, pode e deve se repetir...

      A reforma política deveria olhar para o significado da existência de tantos partidos políticos no país. Qual é o sentido de termos hoje 32 partidos? Eles representam realmente o interesse de parcelas da população ?

      Ao contrário dos partidos centenários existentes nos Estados Unidos, onde democratas (desde 1790) e republicanos (desde 1837) alternam-se no poder, e tem um perfil político bem delieneado, no Brasil nenhum dos 200 partidos surgidos no século XIX durou muito.

      Historicamente os partidos brasileiros foram frequentemente forçados a começar praticamente do zero uma nova trajetória; tais rompimentos ocorreram na implantação da República, em 1889, que sepultou os partidos monarquistas; pela Revolução de 1930, que desativou os partidos republicanos; pelo Estado Novo (1937-1945) que vedou a existência de partidos; e pelo Regime Militar de 1964 que confinou os partidos políticos a um artificial bipartidarismo.

      Após terem sido totalmente proibidos durante o Estado Novo (1937-1945), os partidos políticos foram novamente legalizados em 1945. A vida política brasileira entre 1945 e 1964 foi polarizada entre os partidos getulistas, Partido Social Democrático- PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro-PTB e o principal partido antigetulista, a União Democrática Nacional- UDN.

      O PSD abrigava as correntes mais conservadoras do getulismo, formada por proprietários rurais e altos funcionários estatais, enquanto que o PTB, inspirado no Partido Trabalhista do Reino Unido, reunia as lideranças sindicais e os operários fabris em geral. O partido rival, a UDN, anti popular,congregava a alta burguesia e a classe média urbana, defensora do capital estrangeiro e da iniciativa privada. 

      Na história política recente do Brasil, a instituição do  bipartidarismo e do multipartidarismo, nos períodos em que ocorreram, não resultaram de decisões populares mas sim de interesses políticos estratégicos dos governos militares.

      A instituição do bipartidarismo no Brasil pelo Ato Complementar n° 4, baixado em novembro de 1965, pelo presidente general Castelo Branco foi uma medida totalmente arbitrária e ditatorial cujo objetivo era extinguir os partidos, desqualificar suas lideranças e delinear definitivamente um divisor de águas entre os que apoiavam a ditadura e os que eram oposição. 

      Para justificar a extinção dos partidos a partir dai as duas associações políticas nacionais estavam proibidas de usar a expressão partido no nome. 

      Criou-se então a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), base de sustentação civil do regime militar, formada majoritariamente pela UDN e alguns egressos mais conservadores do PSD, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que tinha a função de fazer oposição desde que bem-comportada e tolerável ao regime. 

      Essa situação de congelamento da situação partidária no Brasil se prolongou por quase vinte anos. O ano de 1980 é o ponto de referência inicial do sistema multipartidário brasileiro com o processo de criação de novos partidos - resultado da reforma partidária de 1979 que pôs fim ao bipartidarismo vigente durante o regime autoritário. 

      O retorno ao pluripartidarismo foi parte integrante da estratégia deliberada do regime autoritário de dividir a oposição então aglutinada no MDB, que vinha capitaneando o voto de faixas expressivas do eleitorado oposicionista desde meados dos anos setenta. 

      De lá pra cá instalou-se o caos, com dezenas de partidos e o troca troca de parlamentares de um lado para outro desrespeitando a escolha do eleitor ao elegê-lo e respondendo muitas vezes apenas a interesses eleitoreiros de ocasião. 

      O STF contribuiu para esta situação ao declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.096 /95 (Lei dos Partidos Políticos) que instituem a chamada "cláusula de barreira", que restringia aos pequenos partidos o direito ao funcionamento parlamentar, o acesso ao horário gratuito de rádio e televisão e a distribuição dos recursos do Fundo Partidário. 

      A frouxidão das regras  e o abandono da ética e das normas de fidelidade partidária resultam em exemplos aqui mesmo no DF, onde uma parlamentar eleita pelo DEM, transferiu-se no primeiro semestre para o PSD, e no segundo semestre do mesmo ano para o PPS. Seus eleitores devem estar se perguntando o que há de correspondência entre os programas políticos do Democratas, do PSD e do PPS. 

      No Congresso, a proximidade do término de prazo aos que querem concorrer às eleições do próximo ano, levou  mais de 100 deputados e dois senadores  a comunicar à Secretaria-Geral da Mesa da Câmara e do Senado, a troca de partido. 

      Apesar de ter reconhecido a fidelidade partidária, o Legislativo não manteve uma posição firme em relação a novos partidos, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que as regras de perda de mandato para candidatos que mudam de legenda não se aplicam nos casos em que a migração é feita para um partido novo.

      A juventude e uma parte do povo brasileiro menospreza os partidos políticos e não vê neles o que deveriam ver se eles realmente funcionassem como tal: agremiações onde se aprende sobre a  história do país, a importância do social,  do coletivo, a ética e a gestão do bem público. Onde, em última instância, se formam lideranças políticas para o futuro da Nação.

      É isso do que necessitamos.  Voltar a acreditar que fazer política é saudável e que políticos podem ser homens e mulheres de valor e importantes para os destinos do país e a consolidação da democracia.

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