Polêmicas fazem bem
O bom debate é importante, mas anonimato e a agressão mostram indigência moral e intelectual
A internet possibilita aos leitores manifestar-se imediatamente após a publicação de um texto em um site, em um blog ou nas redes sociais. Isso é muito bom, pois quem publica tem uma resposta imediata. Como se diz em comuniquês, o feedback vem rapidamente. E, além de ver a repercussão do que escreveu, o autor ainda tem a possibilidade de responder aos comentários e dialogar com seus leitores.
Há quem não goste disso ou não tenha se adaptado às novas possibilidades oferecidas pela web e pelas redes sociais. Eu acho bom ter respostas dos leitores, contra ou a favor. Claro que a favor é melhor, mas se nos arriscamos a escrever sobre temas polêmicos (e quase todos o são), temos de saber receber as críticas. O problema é que, como em todas as áreas, há os desqualificados que prejudicam o debate: escondem seus nomes e partem para agressões. Geralmente não sabem ou não têm como argumentar e por isso recorrem à violência verbal, protegidos pelo anonimato.
Ao escrever e publicar, o autor está manifestando sua posição pessoal, sua opinião sobre o assunto. Não vai agradar a todos, é óbvio. A internet facilita o questionamento por parte dos que dele discordam, e isso é bom. Todo debate pode ser positivo. Mas espera-se que as opiniões contrárias sejam expostas com respeito e em bom nível. Mesmo que o tom polêmico provoque algumas exacerbações de linguagem, que têm de ser absorvidas com naturalidade.
Escrevi recentemente sobre o tal UFC, que não considero esporte e acho que ajuda a disseminar o espírito de violência. Para mim, é apenas mais uma fonte de ganhos espetaculares para empresários gananciosos. Tenho boas companhias nesse ponto de vista, como Zuenir Ventura, Ancelmo Góis e João Pitella, citando só alguns que se manifestaram nos últimos dias. Respeito as opiniões contrárias, mas não respeito agressões raivosas e “argumentos” que se limitam a “você não entende nada disso” e acusações sem qualquer base.
Alguns textos provocam mais reações e respostas, naturalmente. Como o em que tratei do que considero serem duas enganações: os concursos públicos e a estabilidade dos servidores públicos. Parece-me que boa parte não entendeu o que escrevi. Geralmente se recomenda aos jornalistas ter humildade e reconhecer que não soube ser claro, daí não ter sido entendido. Pode ser, admito. Por isso esclareço.
Sou a favor do concurso público como a melhor maneira de selecionar futuros servidores e impedir o compadrismo e o favorecimento. O que questiono é a qualidade dos concursos públicos, que deixam de aferir as reais qualificações dos candidatos para submetê-los a decorebas e macetes aprendidos em cursinhos. Há excelentes servidores que passaram em concursos, mas há também muitas pessoas que dificilmente seriam contratadas por empresas privadas, por falta de conhecimento, aptidão e talento, mesmo tendo estudado muito. O que defendo é um aprimoramento dos métodos para selecionar os servidores públicos, para que realmente sejam aprovados os melhores.
Também sou a favor da estabilidade do servidor público. Sem a estabilidade, o servidor fica sujeito aos humores dos chefes e desprotegido diante da politicagem que grassa em órgãos públicos. Mas a estabilidade não pode ser uma proteção aos maus servidores, como vem acontecendo. É quase impossível um servidor perder o emprego porque falta reiteradamente ao serviço, chega tarde e sai cedo, destrata seus superiores, nega-se a cumprir suas tarefas. E não é porque só uns poucos, mas não tão poucos, agem assim – é porque é muito difícil demitir no serviço público. Seria possível ter a estabilidade e demitir servidores que não cumprem suas obrigações, mediante processos mais simples, sem impedir o direito de defesa e o contraditório. O que não pode é o servidor que passou em um concurso achar que, estável, não precisa trabalhar ou cumprir bem suas tarefas e obrigações.
Não se trata, pois, de ficar em cima de muro, mas de admitir que os institutos do concurso e da estabilidade são bons, só que foram deturpados pelas más práticas e maus costumes que se impuseram não apenas no serviço público, mas no país, de modo geral. E quando se fala em concurso e estabilidade, é natural que se fale dos servidores comissionados que não são efetivos, aqueles que trabalham em órgãos públicos por livre nomeação, sem concurso e sem direito à estabilidade.
Não defendo a extinção da figura do comissionado não concursado, por achar que é bom para o serviço público contar com pessoas que não são das carreiras. Pode ajudar inclusive a oxigenar ambientes esclerosados. Mas é óbvio que hoje há excesso de comissionados e, em boa parte, os cargos são ocupados por pessoas despreparadas para as funções que exercem. Prevalecem, muitas vezes, a proteção e o apadrinhamento.
O número de comissionados no serviço público, incluindo o Legislativo e o Judiciário, poderia ser reduzido a dez por cento do que é hoje: apenas para algumas funções de direção e assessoramento. Um ministro, por exemplo, deveria ter o direito de nomear cinco a dez auxiliares de livre provimento, e nada mais. As demais funções deveriam ser exercidas, em cargos comissionados, por funcionários de carreira – concursados e com estabilidade.
Mas uma coisa puxa a outra, e é claro que para isso será preciso realizar mais concursos, para reduzir a necessidade de comissionados fora das carreiras, e remunerar bem os servidores públicos. Não há uma situação uniforme neste aspecto: há servidores, especialmente no Legislativo e no Judiciário, que recebem muito mais do que seus equivalentes no Executivo e trabalham muito menos; há servidores corretamente remunerados, diante das circunstâncias do país; e há servidores muito mal pagos.
A missão é praticamente impossível: estabelecer uma justiça remuneratória para os servidores. Impedir que um funcionário que nada faz no Senado receba R$ 30 mil por mês (ultrapassando até o teto) e um médico em hospital público ganhe apenas R$ 2.500,00. Não ter servidores de nível médio no Legislativo ganhando R$ 10 mil por mês para tirar cópias de terça a quinta e cientistas e pesquisadores recebendo R$ 5 mil. Os exemplos de injustiças e falta de critério são inúmeros, mas não há no governo nenhuma intenção de corrigir isso. Haveria problemas jurídicos (como o direito adquirido, a melhor desculpa para se garantir o status quo dos que estão por cima) e enormes enfrentamentos com o corporativismo.
O serviço público é essencial para o país e tem de ser valorizado. Mas não é apenas questão de dar um ou outro aumento para uma determinada carreira. É repensá-lo globalmente. O que na verdade, na atual conjuntura, não vai acontecer, pois prevalece a irracionalidade amparada pelos costumes, pelos direitos adquiridos, pela politicagem. Enfim, pela enorme dificuldade de fazer mudanças. Se a própria presidente, que é tida como grande gestora, acha que é bom ter 40 ministros, nada indica que o quadro pode melhorar. Prevalece a politicagem.
Aliás, a Globo acertou
Excelente a sátira da Globo, na minissérie O Brado Retumbante, sobre o excesso de ministérios e ministros. Na enorme mesa para a reunião do gabinete, havia, por exemplo, um ministro da Integração Racial e outro da Diversidade Racial. Como havia um da Pesca Fluvial, provavelmente haveria outro da Pesca Marítima.
Não fosse a politicagem e o empreguismo, o Brasil funcionaria tranquilamente com 15 ministérios. O resto é gordura para agradar a políticos.
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