Quem tem medo de plebiscito?
E de uma Assembleia Nacional Constituinte Livre e Soberana? Senha dada presidente Dilma, que chega perto da aspiração popular dissolvida em centenas de reinvindicações, estabelece clivagem entre progressistas e conservadores
A presidente Dilma Rousseff lançou a ideia de convocar um plebiscito para decidir a realização de uma constituinte exclusiva para escrever a reforma política. Posta assim, pode não prosperar juridicamente, porque já há posicionamentos coerentes, como o do ministro Marco Aurélio Mello, mostrando que seria impossível, tecnicamente, fazer uma constituinte parcial, destinada apenas a mudar um capítulo do texto de 1988, emendado à exaustão.
Mas, a partir da senha passada pela presidente, agarrar a ideia do plebiscito e saber se a população, que estaria descontente contra "tudo o que está ai", não é assim?, saber se essa população gostaria de, ao melhor feitio da melhor democracia, mudar tudo, reescrever do zero a base de suas leis, isso seria genial. O tal passar o Brasil a limpo, que é o que todos dizem querer.
Sem condições, neste momento, de bater de frente contra essa ideia, a oposição afirma que o Congresso pode resolver o impasse político, votando medidas pontuais. O mais importante, em lugar de plebiscitos e consultas diretas ao povo, seriam decisões econômicas e administrativas, como reduzir pela metade o número de ministérios, cortas cargos, mais isso e aquilo.
A presidente não deu detalhes, nesse primeiro momento, do formato dessa "constituinte exclusiva" nem indicou uma data para o plebiscito de aceitação ou rejeição da ideia. Mas usou três palavras mágicas:plebiscito, constituinte, exclusiva. Cuidado para quem não gostou, porque pode ser o bastante para unir Dilma e o povo, ela que é a política mais popular do País.
Em 1988, antes da transformação do Congresso, pelo voto do próprio Congresso, em Congresso Constituinte, a bandeira que unia os democratas era a da Assembleia Nacional Constituinte Livre e Soberana.
Não deu nem tempo de ficar claro como seria, efetivamente, uma Constituinte escrita por representantes além dos partidos políticos, e não apenas por seus filiados. Ninguém importante no Congresso abraçou o tema. Em 1985, um conselho de notáveis montado pelo então candidato a presidente pelo Colégio Eleitoral Tancredo Neves, com a missão de escrever um esboço o mais detalhado possível de uma Carta Magna, teve seu trabalho ignorado assim que ficou pronto. Não há registro de que Tancredo, que fez e recebeu a encomenda, tenha entregue, antes de morrer, a brochura a Ulysses Guimarães, que depois comandaria a Constituinte como presidente da Câmara.
Juristas como Raimundo Faoro e Gofredo da Silva Telles estavam entre aqueles notáveis não políticos que escreveram o esboço de Constituição para Tancredo. Não seria magistral resgatar esse mesmo princípio e mesclar sumidades, representantes diretos das entidades populares e políticos de quatro costados, submetê-los a um processo eleitoral justo e honesto e delegar aos vencedores o poder para refundarem o País em nome do povo?
Como seria mesmo uma constituinte exclusiva, como a defendida pela presidente? O dirigente de uma ONG de periferia poderia ser candidato a constituinte por indicação apenas de sua entidade? Haveria espaço para os candidatos de si mesmos, os avulsos, que se inscreveriam às eleições para constituinte em seu nome pessoal, com RG e CPF, à espera dos votos para ir à Brasília? Um movimento como o GLBT, de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis poderia inscrever candidatos a serem redatores de uma nova Carta? E os jovens bons de política do Movimento Passe Livre, teriam eles os candidatos "do MPL" para que a gente pudesse querer votar sem que fosse preciso achá-los dentro das legendas do PSTU, do PSOL ou do Rede?
Uma Assembleia Nacional Constituinte Livre e Soberana é o que as ruas estão pedindo, à medida em que dezenas, centenas, milhares de reivindicações se leem – e em amplitude cada vez maior – nos cartazes, nos coros, nas gritos das passeatas.
Mas é isso o que vai acontecer? Difícil, nunca antes na história desse país foi assim. Se houver, no entanto, maturidade entre as lideranças das marchas, com unidade em torno da aceitação da proposta da presidente Dilma, e seu necessário aprimoramento, o atraso histórico poderá ser tirado.
O risco, caso não se entendam o plebiscito e a constituinte como conjunto fundamental para a superação dos impasses mais que explicitados pelos estudantes nas marchas, é proporcional à oportunidade: radicalização destrutiva em lugar de construção democrática. Um jogo de tudo ou nada que obviamente não interessa ao Brasil, mas alegra seus adversários no mundo, a começar pelos Estados Unidos. Tanto mais se a oposição elevar o tom das críticas à presidente a ponto de falar seriamente em impeachment ou antecipação de eleições. Uma bifurcação apareceu na frente do Brasil.
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