Referendo é cambalacho contra reforma política
Entre o plebiscito proposto pela presidente Dilma e o referendo defendido pelas lideranças da oposição, como os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Agripino Maia (DEM-RN), além do deputado Roberto Freire (PPS-SP), há uma distância enorme, segundo argumenta o jornalista Breno Altman. "A explicação oficializada pela direita: muito complicado submeter ao voto popular o conjunto de questões que determinam a reforma política. A conclusão desse raciocínio é que seria bem mais prático forjar um acordo entre deputados e senadores, deixando aos eleitores apenas a missão de aceitar – ou não – o pacote já fechado para embrulho", diz ele; confira artigo exclusivo para o 247
Por Breno Altman, especial para o 247
Os principais partidos de oposição não tardaram em manifestar seu ponto de vista sobre a proposta presidencial de plebiscito. A nota assinada por PSDB, PPS e DEM propõe, ao revés, a convocação de um referendo. O parlamento resolve em suas coxias as novas regras político-eleitorais, para depois consultar, nas urnas, a cidadania.
A explicação oficializada pela direita: muito complicado submeter ao voto popular o conjunto de questões que determinam a reforma política. A conclusão desse raciocínio é que seria bem mais prático forjar um acordo entre deputados e senadores, deixando aos eleitores apenas a missão de aceitar – ou não – o pacote já fechado para embrulho.
Os oposicionistas não conseguem esconder seu desgosto com uma iniciativa que pode produzir duplo resultado. O primeiro é a radicalização da democracia, com o desmonte do sistema que garante maioria parlamentar aos grupos conservadores. O segundo: frustrar o plano de ver a presidente e seu partido enfrentando o longo desgaste de uma crise sem fim.
Manter a discussão sobre reforma política no Congresso constitui manobra para amarrar as mãos de Dilma, com o intuito de deixa-la ser fritada pela escalada de protestos e reivindicações. Afinal, não é mais possível, com a atual correlação de forças nas duas casas legislativas, avançar seriamente em medidas distributivistas, ampliação de direitos e fortalecimento do Estado (incluindo os serviços públicos justamente demandados pela cólera popular).
Vozes mais afoitas do reacionarismo, especialmente na imprensa tradicional, rechaçam o plebiscito como “bolivariano” ou “chavista”, apesar desse instrumento estar previsto na Constituição. Além de revelarem aversão à soberania das urnas, preferindo o cambalacho dos palácios, tornam pública sua intenção de defender o sistema eleitoral que mais lhes interessa.
A preferência confessa no conservadorismo é pelo voto distrital. Se não der para emplacar, melhor deixar tudo como está. A lógica parece simples. O voto em lista aprofunda o confronto de programas, desfaz laços de clientelismo e reduz a individualização da política. Pelos cálculos da direita, esse ambiente seria claramente favorável aos partidos de esquerda, que poderiam até formar uma nova maioria.
O voto uninominal, com financiamento empresarial, tem sido bom antídoto para amenizar cenários de confronto político-ideológico. O caminho fica livre para candidatos a deputado, alavancados por fartos recursos financeiros, estabelecerem identidade de favores e providências paroquiais com seus eleitores.
Essa é uma das razões fundamentais pelas quais, apesar do PT ter eleito três vezes o presidente da República, a esquerda não representar sequer um terço do Congresso. A engenharia política vigente multiplica o peso dos parlamentares ideologicamente nanicos e dissemina a cultura do personalismo fisiológico por todas as agremiações.
O voto distrital tornaria os deputados uma espécie de vereadores servindo na capital da República. Tornaria as campanhas eventualmente mais baratas, pois limitaria a circunscrição eleitoral, mas aprofundaria a despolitização e a fragilidade dos partidos, além de deformar a proporcionalidade. Uma legenda cujos candidatos fizessem 51% em todos os distritos, por exemplo, teoricamente poderia obter 100% das cadeiras legislativas. Como já aconteceu na Inglaterra, para citar caso menos radical, agrupamentos com 15% ou 20% dos votos nacionais poderiam ficar sem representação.
Os partidos conservadores, por isso mesmo, tratam de embaralhar as cartas e pressionar os aliados mais flácidos do governo, ao lançar a proposta de referendo. O risco de mudança no sistema, potencializado por plebiscito que condicione o Congresso, amedronta os que apostam no isolamento da presidente ou investem em mantê-la sob chantagem de bancadas estrategicamente antagônicas a seu programa.
A operação da direita, nessas circunstâncias, visa emparedar a reforma política nos corredores onde se encontra travada há vinte anos. A discussão pública desse tema não é confortável para quem quer, ainda que algo mude, deixar tudo como está.
Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
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