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Segura que Cachoeira é teu

Modelo político, de eleições a cada dois anos aos caixas 2 que irrigam as campanhas, apodreceram a forma de construção da representação política no Brasil. Nesse cenário, Carlinhos Cachoeira não é isolado. É de todos nós

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Diz o governador Jaques Wagner (PT) que o calendário eleitoral brasileiro, estabelecendo eleições a cada dois anos, uma para presidente da República, governadores, senadores e deputados, outra para prefeitos e vereadores, é perverso para o país.

A tese dele: alguém, como ele, assumiu o mandato Executivo estadual em 1º de janeiro de 2007 e nem bem começou a governar, já se começou a falar nas eleições de 2008. Passou 2008, o discurso mudou para o pleito de 2010, no qual ele tentou e conseguiu a reeleição. Mal começou 2011, começaram a falar em 2012 e agora, 2012 ainda nem se completou, já se fala em 2014, quando ele ainda tem dois anos e meio de mandato a cumprir.

Na tese de Wagner, falta tempo para governar, pensar na administração, nas políticas públicas. Eleição é bom, mas democracia não é só política eleitoral. Ele defende, como solução para a questão, um mandato de cinco anos para todos, num pleito só, de vereador a presidente.

É mais embaixo

Wagner está absolutamente certo, com um adendo: é isso e muito mais que isso. Um olhar sobre a evolução patrimonial dos nossos representantes públicos, a partir das declarações feitas à Justiça Eleitoral, mostra que todos eles sempre crescem. Quando muito, empatam. Redução, algo tão raro quanto o Cullinan, o maior diamante já encontrado na terra, com 3.106 quilates.

Aí vem a pergunta intrigante de resposta óbvia: se o mundo político encara eleições de dois em dois anos apoiando ou pedindo votos para si e o patrimônio dos atores nunca cai, de onde sai o dinheiro para as campanhas? Acertou, de nós mesmos, via caixa um, dois, três e o escambau.

Além de derrubar a máscara de Demóstenes Torres, o escândalo do bicheiro Carlinhos Cachoeira trouxe a tona tal situação. O DEM, junto com o PSDB, todo mundo como partido melado, querendo envolver o PT, também melado, via mensalão.

Em si, os fatos são distintos, lógico. Mensalão é mensalão, Demóstenes é Demóstenes. Misturar as duas coisas é uma boba tentativa de tirar o foco de Cachoeira é jogá-lo no julgamento do mensalão, que deve ocorrer ainda neste semestre. Mas para os olhares mais cuidadosos, ficará evidente a frenética disputa dos nossos políticos para ver quem é mais podre, cada um apontado o outro com os seus dedos sujos.

Na raiz da questão

Uma coisa tem a ver com outra na raiz, dos fatos e dos princípios em jogo. Dos fatos: foram arapongas a serviço de Cachoeira que gravaram o pagamento de suborno ao ex-diretor dos Correios Maurício Marinho, indicado pelo PTB, que deu origem ao escândalo do mensalão.

Cachoeira passou as informações para o jornalista Policarpo Júnior, da Veja, que gerou o rebu. Roberto Jefferson, então deputado federal e ainda hoje presidente do PTB, pensou tratar-se de obra de José Dirceu. E aí deu no que deu.

Hoje, fica o PT dizendo que não houve mensalão. A questão é de semântica. Como fluxo regular de pagamento mensal, não. Como um esquema torrencial de caixa 2, sem dúvida. E exibiu, às claras, como nossos políticos fazem dinheiro para enfrentar campanhas e até mesmo enriquecer.

O caso de Cachoeira tem alguns imbricamentos a mais. Trata-se de personagem que ganhou notoriedade praticando atividades criminosas que se infiltrou na máquina oficial para obter públicos e até ditando como era que um senador, no caso Demóstenes, o ex-paladino da moralidade, devia legislar.

Talvez por isso as primeiras denúncias contra Demóstenes tenha deixado o DEM, o PSDB e os adversários do governo perplexos. Não acreditavam que um dos seus ícones desmoronou. Na sequencia, forçados pelos fatos, reconheceram. E agora tentam embaralhar as coisas, a pretexto de dizer que o mensalão foi pior ou que o PT também está melado no caso de Cachoeira, o que resulta na lógica de que há bandidos em todos os lados.

Provavelmente é, mas convém botar as coisas no lugar: daí ao mensalão o que é do mensalão e a Cachoeira o que é de Cachoeira.

Dos princípios: que todos são farinha do mesmo saco, não se discute. Quando era oposição o PT pisou fundo no esquemão que tanto criticou. E seja lá quem for o protagonista da representação, vai entrar também.

O sistema político brasileiro, a julgar pela legalidade das movimentações financeiras em torno da construção das representações, é podre por natureza.

Sempre há caixa 2 movendo as campanhas, dinheiro surrupiado dos cofres públicos, na grande maioria das vezes, de grupos que doam por fora para comer por dentro.

Mensalão, Cachoeira, Roberto Arruda, e tais escândalos sempre virão à tona na medida em que a tecnologia, com as suas geringonças cada dia mais aprimoradas no mister de espionar a vida alheia vão se aprimorando, elas sendo utilizadas por meios legais, como faz a Polícia Federal, ou não, como fez Cachoeira.

Os atores desse jogo confiam, e em boa parte das vezes se dão bem, na incapacidade oficial de manter uma fiscalização rigorosa.

Em artigo publicado esta semana na revista Época Fernando Abrucio, doutor em ciência política e professor da Fundação Getúlio Vargas, comentando sobre a causa de fenômeno como Cachoeira e Demóstenes, cita tais fatos. Acrescenta também o excesso de cargos comissionados e a gula dos políticos em indicar para os tais pessoas inidôneas.

Ele sugere que convém ao bom senso desconfiar sempre daqueles que apontam as mazelas dos acusados sem propor mudanças no sistema.

Eleições, de cabo a rabo, a um só tempo, é uma das necessidades, como diz Wagner. Mudança no modelo de financiamento das campanhas também. A redução dos cargos comissionados, idem. E um melhor controle para as licitações também.

Ou isso acontece, e não há sinais de que vá acontecer, ou ficaremos sempre vendo um Cachoeira melando a todos e cada lado tentando empurrar para o outro.

No frigir dos ovos, não há muito o que discutir. Cachoeira é de todos. O sistema facilita o nascimento, o crescimento e a proliferação dele.

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