Anta é mutilada no Park Way
A raiz de comportamentos tais como desvios de recursos da merenda escolar, dos medicamentos e das obras públicas é a mesma raiz dos mutiladores da anta do Park Way, em Brasília
A humanidade tem umas pessoas que parecem ser movidas pela inveja, pela cobiça, pelo "tudo viu – tudo quer". Não, não me refiro a determinados políticos envolvidos em Mensalões – dos tucanos, petistas e democratas. Refiro-me ao cidadão comum, que convive diariamente entre nós e que diante de determinadas situações faz brotar na pela os mais negativos dos sentimentos, sentimentos que geram ações que beiram a insensatez da brutalidade e do vandalismo.
A quadra 28 do Park Way, bairro bucólico de Brasília, foi batizada de quadra das artes. Tudo em decorrência de um servidor público aposentado, que decidiu ocupar seu ócio instalando nas áreas verdes réplicas de animais silvestres do cerrado. De uma hora para a outra, quem passasse pelos seis conjuntos da quadra poderia se deparar com uma família de cervos ou de capivaras, encontrar um tamanduá bandeira carregando às costas um filhote, ou mesmo uma loba guará pajeando sua cria. A entrada da quadra é vigiada por duas grandes panteras. De um lado, uma pantera negra, de outro, uma onça pintada, típicas do Centro-Oeste. Gatos maracajás passeiam pelos gramados, compartilhando o espaço com suçuaranas, garças, tuiuiús, além de sapos boi e jacarés do papo amarelo.
Gil Marcelino, criador de todas estas esculturas, é um adepto do Caminho de Santiago de Compostela. Não é difícil encontrá-lo sorridente, caminhando saltitante pela quadra, sempre com um cajado, e pensando já na próxima obra.
O desprendimento de Gil Marcelino, produzindo e instalando as suas próprias custas obras de arte em áreas públicas, deveria servir como um alerta para que o ser humano não esqueça que está num território originalmente povoado por animais silvestres. Deveria lembrar a todos que se hoje estes animais já não passeiam pelas veredas do Distrito Federal a culpa é exclusivamente do homem. Entretanto, parece que o resultado tem sido outro. Vândalos têm atacado sucessivamente suas obras: seja para tentar roubá-las, seja para simplesmente a mutilarem. Se já não é mais possível matar os verdadeiros animais, vamos mirar então em suas réplicas.
Nos últimos dois anos, foi roubada uma família inteira de veados do cerrado – casal e dois filhotes –, um filhote de anta e uma escultura de suçuarana. Revoltados por não poder roubar todas as peças – elas são feitas em concreto e chumbadas no chão – alguns seres que se dizem humano tem depredado as esculturas maiores. O tamanduá bandeira teve que ser remodelado, a pantera negra passou vários dias de rabo cotó, até que Marcelino reparasse o estrago.
A mais recente agressão foi contra a escultura de uma anta. A peça em tamanho real do animal de tão pesada não permitiu o seu furto. Revoltados, os marginais quebraram suas patas dianteiras, fazendo-a cair de joelhos, como se estivera pedindo piedade a quem a agredia. Pedido em vão. A pauladas e porretadas racharam sua coluna vertebral.
A ação de vândalos desta natureza explica em muito porque o espírito humano não tem remorsos ao agredir a natureza que nos protege, ao desviar recursos que seriam destinados a matar a fome, a educar ou curar populações desfavorecidas, ao privatizar aquilo que deveria ser público. Prevalece o lado troglodita da humanidade.
Este comportamento humano explica muito o perfil de nossos representantes políticos, de nossas autoridades. Enquanto uns, como Marcelino, tentam contribuir para o coletivo, para o público, outros preferem tentar servir a si próprios do que deveria ser público. A raiz de comportamentos tais como desvios de recursos da merenda escolar, dos medicamentos, das obras públicas é a mesma raiz dos mutiladores da anta do Park Way.
Para a alegria de muitas crianças, que gostam de tirar fotos ao lado dos animais silvestres, certamente, Gil Marcelino irá com a paciência e o dom da arte que possui restaurar suas obras vandalizadas ou mesmo furtadas. A dúvida que fica é quem poderá restaurar o espírito da cordialidade humana furtado pela selvageria dos dias de hoje?
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