As ciclovias da discórdia
As ciclovias devem ser planejadas, e não é o que está acontecendo. Sem planejamento, bem ao contrário de se tornarem seguras e prazerosas, podem se tornar seu exato oposto
Neste mês de maio de 2012, o Governo do Distrito Federal começou a fazer de forma contestável uma obra que parecia incontestável: as ciclovias, pelo menos nas Superquadras do Plano Piloto de Brasília. A perturbadora questão que os moradores estão a se fazer é: "que diabos esse Governo do Distrito Federal está a fazer em nome da demanda da cidadania por ciclovias?"
Ciclovias são uma das formas mais seguras e saudáveis de transportes urbanos, cada vez mais adotadas em cidades cuja gestão é fortemente participativa, com grandes populações de idosos – que querem viver cada vez mais, com crescente qualidade de vida. Além dos desejados idosos ciclistas: ciclovias para as crianças, para os estudantes, para os trabalhadores! Ciclovias são a demanda mais inovadora do novo Século, uma demanda que é atendida pelas melhores prefeituras urbanas do planeta, se forem planejada, participativa, condigna.
As ciclovias devem ser planejadas, e não é o que está acontecendo. Sem planejamento, bem ao contrário de se tornarem seguras e prazerosas, podem se tornar seu exato oposto: inseguras, repletas de conflitos com automóveis (eventualmente fatais) e com pedestres (que perdem sua tranqüilidade).
AS ESTRANHAS E DESTRUTIVAS CICLOVIAS DO AGNELO
Contudo, mais uma vez algo MUITO ESTRANHO acontece em Brasília. O Governo do Distrito Federal não consegue fazer nada que não seja de seu modo caro, truculento, autoritário, desavisado. Neste momento as Superquadras do Plano Piloto estão a ser cortadas por tratores rápidos e destrutivos, a fazer um trabalho insano, malfeito, não-planejado. Isso é afirmado por urbanistas da cidade, mas, sobretudo, por associações civis que têm lutado por ciclovias e por segurança no trânsito há anos, como Associação Civil Rodas da Paz e a Sociedade das Bicicletas.
Em um documento que deve ser de conhecimento público, essas associações civis afirmam que:
a) a instalação de ciclovias nas Superquadras está a ocorrer sem um estudo ou contagem de bicicletas que reflita a real necessidade de deslocar mão-de-obra e recursos para tal finalidade!
b) a instalação de ciclovias nas áreas verdes das Superquadras é ambientalmente negativa, reduz as áreas verdes, reduz a microdrenagem, não é decisão inteligente;
c) essas ciclovias não passam de "obras sem planejamento": o planejamento cicloviário tem outras prioridades, e utiliza de forma compartilhada as vias que são dominadas pelos automóveis;
d) a lógica é: MAIS BICICLETAS, MENOS AUTOMÓVEIS.
Essa listagem de apenas 5 pontos de forma alguma faz justiça ao excelente documento publicado nas redes sociais (desde meados de maio de 2012) pela Associação Civil Rodas da Paz e a Sociedade das Bicicletas, intitulado "Carta de esclarecimento - É preciso rever o processo de análise e aprovação dos projetos cicloviários do DF". É um longo e bem fundamentado documento, que merece uma divulgação mais completa.
TOTAL AFRONTA ÀS ÁREAS VERDES DE BRASÍLIA
A questão colocada é da maior gravidade: o GDF está a fazer uma operação que representa a mais completa afronta às áreas verdes das Superquadras, partido de um contrato absolutamente unilateral com um grupo de projetistas e construtoras, sem qualquer consulta à comunidade. Essa intervenção exige, conforme o Estatuto das Cidades, um Estudo de Impacto de Vizinhança. Vizinhanças inteiras estão a ser modificadas, gravemente modificadas, sem qualquer consulta à comunidade beneficiada e, pior, com a CONDENAÇÃO das associações civis que melhor representam os interesses de ciclistas e pedestres.
A lição que se pode tirar dessa ação, que está em PLENO ANDAMENTO, neste momento, é a de que "o GDF pode tudo e a comunidade nada pode". Essa obra, cidadãos, é criminosa, atenta contra a integridade das áreas verdes das Superquadras, atenta contra o direito de as comunidades participarem das decisões de projeto urbano de uma obra que vai, com absoluta certeza, prejudicar a qualidade ambiental das Superquadras.
A COMUNIDADE ESTÁ, PATETICAMENTE, PARALISADA
Deve-se perguntar? Por que as combativas comunidades de vizinhança da Asa Sul e da Asa Norte (nessa ordem de combatividade histórica) não reagem diante desse impressionante crime urbanístico?
Porque se trata de algo DESEJADO, mas de forma completamente diferente. As comunidades realmente querem ciclovias, mas NAS VIAS. Não querem ciclovias nas áreas verdes, de forma destrutiva. A maior parte dessas ciclovias reduz a ZERO as áreas verdes nos cantos dos blocos, nos cantos das Superquadras. Uma catástrofe.
Pateticamente, as comunidades se tornaram reféns de seus próprios desejos. Acredito que a atitude pasmada se deve ao fato de "não desejarem se opor ao advento das Ciclovias", não desejarem impedir que algo tão demandado seja desqualificado. O problema é que o GDF está a fazer essas ciclovias, especialmente, nas Superquadras, de forma desqualificada, estúpida.
Uma analogia que vem à mente é o de forçar soluções: imagine uma pessoa patologicamente obesa que é obrigada, violentamente, a reduzir seus intestinos, ou imagine irmãos siameses adultos a se separarem – SEM CONSULTA, SEM CONSENTIMENTO. Então temos o paradoxo das ações públicas, caras e desejadas a serem feitas de forma privatizada, indesejada – mas CARA, dispendiosa, do mesmo modo.
AO MESMO TEMPO, A EQUIPE DE MAGELA DETONA O PLANO PILOTO DIZENDO "PRESERVÁ-LO"
Essa obra acontece no exato momento em que o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília está a ser transformado num "PDOTinho", num pequeno PDOT do Plano Piloto (nem chega a ser um Plano Diretor Local), que mais altera que preserva.
Toda essa conduta mostra a ignorância e a truculência do Governo do Distrito Federal na condução de seus negócios urbanos. Essa conduta exige resposta do Ministério Público: o Governo do DF está a desrespeitar o ordenamento urbano, a deteriorar a qualidade de vida nas Superquadras, a investir dinheiro público de forma inadequada, indevida, incorreta.
Esta é uma obra simplesmente errada. São ciclovias da barbárie.
Mas essa é a Brasília do Governo Agnelo. Uma Brasília lamentável, em desencontro, expressão de estupidez – quando pretendíamos ser tão civilizados.
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