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O terceiro PDOT de 2012: como mudar (para melhor) o futuro de Brasília

Ele é um plano essencialmente IMOBILIÁRIO, uma verdadeira Lei de Uso e Ocupação do Solo, sem o ordenamento territorial

Frederico Flósculo avatar
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Com uma versão que mantém os principais problemas que acumulou ao longo de uma década de elaboração pelo GDF, o Terceiro PDOT (Plano Diretor de Ordenamento Territorial) do Distrito Federal segue seu caminho de transformações. Em 15 de agosto último, em dois turnos, o PDOT "voltou aos trilhos": uma locomotiva fumegante, fumacenta, que vaza óleo e vapor por todos os lados. Podemos citar pelo menos QUATRO grandes conjuntos de problemas com esse Terceiro PDOT, persistentes por toda essa década de problemas sem solução:

a) A escassa fundamentação ecológica, dado que ainda inexiste o Zoneamento Ecológico-Econômico, previsto na Lei Orgânica do DF (1993), e que deveria orientar as decisões de ordenamento territorial: não há uma base consistente para a afirmação de "sustentabilidade ambiental" e econômica desse PDOT atualizado em 2012;

b) A escassa fundamental em políticas públicas de desenvolvimento humano, dado que o caráter geral do PDOT III se mantém o mesmo desde o início de sua elaboração, no Quarto Governo Roriz (2002-2006): é um plano essencialmente IMOBILIÁRIO, uma verdadeira Lei de Uso e Ocupação do Solo, sem o ordenamento territorial que se espera para o desenvolvimento humano nas dimensões da educação, da saúde, do emprego e renda, dos transportes, do lazer, da segurança; cabe uma discussão específica sobre o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do DF (versões de 2003 e de 2006), que ainda não passaram de listas de promessas de campanha dos governadores (sem objetivos quantificados, verificáveis);

c) A adoção de uma inflexível e seletiva lógica de "fatos consumados" da Ocupação Territorial, em que a grilagem, as designações de uso sem fundamentos ecológicos honestos (como no caso do Setor Noroeste, das mudanças no Setor Parkway, na 901 Norte, da Orla do Paranoá, do "caso Santa Prisca", entre tantos outros casos) prevalecem sobre a racionalidade ambiental e do desenvolvimento humano e comunitário; essa logica está por trás do mais terrível e descosturado "mosaico" de usos do solo da história do planejamento urbano de Brasília – uma complexidade fabricada para fortalecer um gerenciamento desarticulado e oportunista das mudanças de uso, de cálculo de impactos ambientais, urbanos e de vizinhança;

d) O notável "desempoderamento comunitário", pela cirúrgica eliminação de instâncias de controle das políticas públicas pelas comunidades de vizinhança (prefeituras comunitárias, associações de moradores, organizações representativas de interesses de grupos vulneráveis de idosos, crianças e adolescentes, entre outros), e do fortalecimento da "tecnoburocracia de governo". Esse aspecto é o menos óbvio de todos, e vai merecer, aqui, uma avaliação preliminar.

(Antes de discutir os problemas pontuais que esse PDOT traz, talvez seja mais apropriada a avaliação de seu conjunto, de suas grandes características, para o debate público).

O DISTRITO FEDERAL PROMOVE A PARTICIPAÇÃO POPULAR EM SUA GESTÃO URBANA?

Ao longo da década de elaboração e legitimação do PDOT III, o GDF promoveu um razoável número de Audiências Públicas em torno de suas propostas. A forma como encaminhou cada uma dessas Audiências Públicas é reveladora de um problema NACIONAL, de compreensão e implementação da Lei que melhor representa o esforço de fortalecimento da participação popular na gestão das cidades: o Estatuto da Cidade, ou Lei 10.257, de 10 de julho de 2001.

Segundo os testemunhos que colhi de lideranças comunitárias da região do Plano Piloto (sobretudo) é importante considerar que essas audiências são enormemente frustrantes para a maioria dessas lideranças comunitárias. A sensação dominante é a de que o GDF não respeita as demandas comunitárias, e "tratora" a comunidade, impondo a sua própria e idiossincrática agenda de mudanças para Brasília.

Esse autoritarismo é desastroso, pois as Audiências Públicas são a melhor oportunidade para a PARTILHA de responsabilidades e de inteligência acerca dos problemas de gestão urbana. Cada vez mais complexa e diversificada, a gestão urbana do DF deveria exemplificar a AMPLIAÇÃO da participação popular, e não a sua desmoralização ou desautorização, o seu desestímulo e eclipse. Cedo ou tarde, o GDF descobrirá (mais tardiamente que precocemente, a meu ver), que sem a participação de uma população empoderada, é IMPOSSÍVEL obter uma gestão urbana de alto nível, digno da cidade Patrimônio Cultural da Humanidade (toda Brasília, e não só seu Plano Piloto).

A LEI DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO URBANA

A Lei 10.257 (Estatuto da Cidade) citada acima, reza, no Inciso II de seu Artigo 2°, como diretriz da política urbana, a "gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano".

A questão é: "isso acontece?"

Mais questões: "isso deveria acontecer?" "A Lei, em toda a sua boa vontade, cria condições para que a pesada tradição de autoritarismo e assistencialismo político seja superada pelo interesse, pela juventude, pelo vigor e inteligência da participação comunitária?" "Como reduzir a (imensa) distância entre o desiderato da Lei e a realidade da relação entre povo e governo (principais componentes do Estado de Direito) na participação popular no governo das cidades brasileiras?"

O ESTATUTO DA CIDADE APRESENTA UMA FÓRMULA INGÊNUA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR

Na verdade, pode ser muito difícil – praticamente impossível – que a "participação popular" seja mesmo exercida sem que uma série de formas de controle popular (não-governamental, no sentido de não se vincularem ao Poder Executivo das cidades) sejam asseguradas.
A fórmula de participação popular DEVE ser criticada, neste momento, pelo Ministério Público. Nesse sentido, o MP pode intervir de forma institucional – e abdicar um pouco de seu papel de questionador "pontual", que acaba por fragilizar a grandeza de sua tarefa, de seu papel republicano. O próprio MP é paradoxalmente assemelhado ao autoritário governo, no seu distanciamento da comunidade: não permite que a inteligência dos fatos que orienta as suas ações tenha mesmo um "núcleo comunitário", um núcleo de questionamentos, que oriente o MP na vigilância das políticas públicas e da conduta do governo da cidade. O MP exige distanciamento, de forma ambígua.

Seguem algumas sugestões para o debate de novas circunstâncias para a evolução da participação popular na gestão urbana.

CONDUTA-PADRÃO DAS AUTORIDADES DE GOVERNO NA CONDUÇÃO DOS EPISÓDIOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR

A conduta-padrão do poder executivo na condução de Audiências Públicas deve ser melhor definida, NACIONALMENTE. Em especial: deve haver ATA que sumarize os acontecimentos e transcrições sistemáticas de todas as falas numa Audiência Pública; deve haver a Memória Pública, digitalmente acessível, de todos os documentos que precedem e seguem o assunto de uma determinada Audiência!

A organização da Audiência Pública é "serviço de governo" e deve ser tratada como tal, em toda a sua formalidade e circunstância. Por outro lado, o horror dos urbanista de Estado é evidente em sua conduta nas Audiências Públicas do PDOT e do PPCUB, a meu ver: Burocratas detestam isso pois cria "instância de controle externo", incontrolável por seus próceres. Em Brasília, a tradição de autoritarismo no urbanismo ainda é forte demais, e tem imposto o seu padrão de controle a essas Audiências Públicas do PDOT III, impregnando todo o resultado final: os tecnocratas DOMINAM a política, de forma mansa, sonsa.

ACESSO UNIVERSAL E TRANSPARENTE ÀS INFORMAÇÕES EXIGIDAS PELA COMUNIDADE

Como desdobramento da sugestão anterior, deve haver amplo e irrestrito acesso às informações territoriais. As instâncias técnicas do governo devem responder à exaustão TODAS as perguntas emanadas da comunidade, sem protestar, sem direito à recusa!

Mais uma vez: perguntas cruciais devem ser clara e extensivamente respondidas, como no caso da escassa fundamentação ecológica para os padrões de mudança de uso do solo e de expansão urbana. RESPONDER ÀS PERGUNTAS VAI FOMENTAR A PESQUISA CIENTÍFICA. O GDF, em especial, praticamente não demanda pesquisas realmente extensas sobre a hidrogeologia do DF (limite ecológico fundamental no nosso caso), sobre os grandes impactos de vizinhança promovidos por alternativas mal planejadas de transportes, por ocupações de áreas públicas, etc.

Sem acesso às informações, sem esse "empoderamento" elementar (SE EU PERGUNTAR EU SEI QUE VÃO RESPONDER, DE FORMA SÉRIA E COMPLETA) é impossível que a participação popular aconteça de forma construtiva, madura, educativa.

Só quem "sabe" do que está realmente a acontecer nas políticas públicas é o próprio grupo de tecnocratas (que tem atravessado as últimas décadas de governo do DF, incólume, poderoso, enriquecido) que parece coordenar lobbyistas da construção civil, de empreendimentos imobiliários, de empreendimentos publicitários, e muitos outros. O GDF é uma "Central de Empreendimentos Escusos", que ninguém – nem o Governador – controla. Na atual situação, Agnelo ou é (a) o primeiro dos lobbyistas, ou (b) o último dos desavisados. Seu papel é meramente coreográfico (e ninguém precisa dizer isso ao bipolar cirurgião).

DEVE HAVER FOMENTO À INTELIGÊNCIA COMUNITÁRIA

Brasília, cidade planejada e projetada, tem sede de conhecimento acerca de si mesma. É impossível não ver isso, e não estimular essa grande característica brasiliense: respiramos Arquitetura e Urbanismo. Não podemos "matar Brasília" em nossos corações e interesses. O Urbanismo, os problemas urbanos, são importantes demais para ficarem confinados somente aos arquitetos, aos urbanistas, aos arrogantes tecnocratas.

O que é a "inteligência comunitária" na gestão urbana? Começa com esse interesse na discussão VIVA da própria cidade. Nisso a Universidade Pública pode e deve ajudar, e muito. Continua no acesso às informações e prossegue no impacto positivo que é ver o DINHEIRO PÚBLICO a pagar por creches (como defendidas pela deputada Distrital Eliana Pedrosa, autora de importante emenda ao PDOT III), por escolas que não sejam de lata, por parques públicos e áreas de lazer que não sejam privatizadas, por hospitais que sejam compatíveis com os riquíssimos orçamentos dedicados à quase falimentar saúde pública do DF.

A inteligência comunitária deve estar nos currículos das escolas públicas. Devemos ter debatedores urbanos desde o Ensino Fundamental. Isso é possível. Isso é Brasília. Isso é Anísio Teixeira e suas Escolas Classe, Escolas Parque, Educação Pública de qualidade.

Vejo, nas prefeituras comunitárias do Plano Piloto, os seus idosos e aposentados, os sábios de nossas modernas aldeias de Superquadra a participar de forma vívida, bem-intencionada, inteligente, de coração, de sua vida política: a doarem-se por suas comunidades. O que os nossos governos têm feito por essa imensa fonte de inteligência comunitária? Praticamente NADA. Fica aqui o elogio ao Governo Roriz II (1990-1994) que criou o mais importante programa de motivação para a organização comunitária, o NOSSA QUADRA, NOSSA VIDA. Alguém sabe das importantes consequências dessa iniciativa governamental? Até hoje colhemos seus frutos, na forma de dezenas de Prefeituras Comunitárias que perseveram, estimuladas por uma simples – e bota simples nisso – política pública.

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