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Brasília

Uma outra Luíza (*)

Miúda, negra e de poucos sorrisos, Luíza não entendeu muito bem o porquê de toda aquela mobilização em torno do nome que lhe foi dado em homenagem a uma tia

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Luíza é uma adolescente brasileira, pobre, cheia de sonhos e ideias. Mora em uma favela urbana, agora chamada comunidade, e, aos 17 anos, sabe muito mal escrever o próprio nome. Vez por outra troca o Z pelo S na hora de assinar recibos como diarista ou babá – e também troca comida por cigarros, troca o dia pela noite, troca de nome para não ser reconhecida e humilhada na madrugada. Naquele momento, porém, quando passava em frente à TV, não fez confusão ao reconhecer, na tela, seu nome estampado: #Luiza.

Miúda, negra e de poucos sorrisos, Luíza não entendeu muito bem o porquê de toda aquela mobilização em torno do nome que lhe foi dado em homenagem a uma tia sertaneja que ela nunca conhecera. Nas conversas que ouvia pelas ruas, palavras estranhas: twitter, hashtag, Trending Topics… não, Luíza não tinha computador em casa e, das poucas vezes em que se aventurou em lan houses, teve pouca paciência para entender aquele universo. Preferia estar nas ruas ou arrumando casas e cuidando de crianças.

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Inicialmente, deu de ombros a toda movimentação sobre #Luiza. Mas a coisa foi ganhando força, mais e mais pessoas repetiam seu nome, comemoravam cada novidade. “Ouviu a música de #Luiza?”, “Viu a foto dela?”, “Dizem que vai ganhar muito dinheiro com isso”, “Mas, afinal, quando #Luiza volta do Canadá?”. Luíza, a outra, já ouvira falar em Canadá algumas poucas vezes, mas não fazia a menor ideia de onde ficava o País, o que se fazia lá. Até porque, aos 17 anos, a menina mal conseguia sair dos limites da sua comunidade – a não ser para ir à praia ou quando era levada para lugares estranhos, nas madrugadas.

Foi quando ela viu, pela TV, o comercial onde uma família bonita citava #Luiza. O coração da pobre Luíza se encheu de sonhos. Imaginou-se nascida em família tão elegante, rica, sorridente – e afastou de imediato as lembranças das surras recebidas do pai, das humilhações sofridas nas ruas, da cicatriz de um filho indesejado; fechou os olhos e tentou memorizar as imagens do local onde aquelas pessoas diziam morar: ‘são quantas suítes, mesmo? E tem piscina?!’, perguntava a si mesma, baixinho. Por um longo momento, esqueceu-se dos tantos nomes que usou para fugir da realidade e teve orgulho de ser Luíza. “Luíza, Luíza”… sussurrava e gostava do som.

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Dias depois, ainda eufórica com a alegria que seu nome trazia às pessoas, Luíza soube que #Luiza havia retornado do Canadá. E ela, nascida e criada em uma favela brasileira, não perderia por nada a chance de conhecer, pessoalmente, o segredo de tanto alvoroço. Ademais, Luíza se sentia parte daquele sucesso, da festa e dos muitos comentários em torno de um nome que também era o seu. No grande dia, Luíza vestiu sua melhor roupa e seguiu ao encontro de #Luiza. Assustou-se quando viu uma multidão no local, mas sorriu quando ouviu as vozes saudando “#Luiza! #Luiza! #Luiza!”. Cheia de orgulho e de sonhos, Luíza seguiu adiante.

Ao longe, viu uma moça bonita, sorridente, acenar para a multidão. Era #Luiza! Determinada, a outra Luíza tentava abrir caminho por entre as pessoas, e não entendeu quando começaram a resmungar contra ela e até a xingá-la. Foi impedida, pela massa, de ir adiante. E quando #Luiza passou em carro aberto, o êxtase se fez. E Luíza, miúda, viu apenas parte dos dedos daquela que voltara do Canadá para a glória, acenando. Logo depois todos puseram-se a correr para seguir #Luiza. E a outra Luíza, empurrada, caiu. Teve as mãos pisoteadas, o vestido manchado e a maquilagem borrada pelas lágrimas. Porque a pobre Luíza, de tanto ouvir sobre o Canadá, havia esquecido de como as coisas são no Brasil.

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Henrique França é professor universitário, mestre em Ciência da Informação e mantém o blog #CotidianaMente

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