Uma vida sem drogas: responsabilidade de todos
Estudo científico de análise das águas do esgoto da cidade mapeia o consumo de cocaína em Brasília e suas regiões administrativas
Como se poderia imaginar ? Quem viu Brasília crescer, se multiplicar em prédios, árvores, universidades, shoppings e parques não acreditaria se lhe dissessem que no meio de tanta beleza um número bastante expressivo de pessoas faz uso de droga tão maléfica como a cocaína. Diante de evidências científicas, no entanto, não há como negar. Tomei conhecimento há poucos dias de um projeto da Polícia Federal desenvolvido com especialistas da UnB, Unicamp e Caesb, capaz de localizar e medir os pontos de consumo da droga por meio da análise de resíduos nas estações de captação e tratamento do esgoto da cidade.O resultado é triste: Brasília consome por ano duas toneladas de cocaína.
Batizado de Quantox, o projeto permite identificar onde se consumiu ou se produziu a cocaína e até determinar o consumo específico em cada região da cidade. O método científico é muito mais confiável e rápido que os anteriores, baseados em pesquisas sobre perguntas feitas ao próprio usuário de drogas. Quando alguém admitia, o que é raro, era pedido que especificasse o quanto consumia. O sistema parte do princípio de que a cocaína consumida passa pelo metabolismo humano e em poucas horas é expelida pela urina. Dessa maneira, é possível determinar em que quantidade se consome a droga em uma determinada área geográfica por meio da análise das águas do esgoto. Pelos resíduos aí recolhidos, os pesquisadores identificam a concentração da cocaína e da benzoilecgonina, substância expelida pela urina, produzida pelo corpo após o consumo da droga. Os peritos usaram amostras de águas residuais nas seis estações de tratamento de Brasília e a partir do resultado fizeram um cálculo do consumo anual de cocaína na cidade.
As análises são precisas e permitem ver onde se consome e onde se produz ou é processada a droga. Ao lavar seus equipamentos na pia ou descartar os resíduos do processo de refino da cocaína no ralo ou no vaso sanitário, os traficantes de laboratórios locais descarregam uma maior quantidade de resíduos da droga pelo encanamento. Os pesquisadores descobriram que em áreas onde há um maior consumo de drogas, a proporção entre benzoilecgonina e cocaína pura é de quatro partes por uma. Já quando se registra mais concentração de droga pura é porque existe um laboratório de produção ou refino naquela área específica.
Este projeto, utilizado em países como Itália, Reino Unido, Suíça, Estados Unidos, é de de extrema importância para traçar perfis e novas políticas públicas de combate às drogas. Em 2009, por exemplo, foram apreendidos em Brasília 350 quilos de cocaína, o que antes do Quantox podia até parecer muita coisa, mas agora se sabe que este montante representa apenas uma mínima parte de toda a droga que circula na capital. O diferencial positivo do Quantox no D.F. é sua realização feita em estreita colaboração entre cientistas e a Polícia Federal, o que permite uma aplicação prática na luta contra o tráfico de drogas.
Outro ponto positivo é que o sistema permite determinar o consumo da cocaína de uma população em nível local, mas preserva o anonimato dos indivíduos. As políticas públicas devem se basear na necessidade de defesa e ajuda a um grupo, o viciado em drogas. É claro que a ação de prevenção e repressão ao tráfico é de extrema importância e neste caso o projeto é altamente benéfico uma vez que indica também áreas onde possivelmente existam laboratórios de refino da cocaína.
Este projeto me faz pensar sobre os porquês do combate ao uso de drogas mundialmente travado, principalmente pelos EUA, findar inócuo. As medidas são incapazes de anular a atração que as drogas exercem sobre as pessoas e deixam de englobar fatores mais abrangentes que apenas o da repressão. Além disso a crescente preocupação com o problema tornou as operações antidrogas um campo promissor para a indústria bélica e o envio de tropas para “combater as drogas” na América Latina para impedir sua entrada nos Estados Unidos é uma medida com ampla aceitação da opinião pública norte-americana e fonte segura de votos.
Em vários países do mundo a “guerra às drogas” tem sido vitoriosa politicamente, tanto em termos de popularidade quanto de inserção em metas governamentais. No entanto, essa vitória não tem se convertido em benefícios práticos, como redução do número de prisões relativas às drogas, redução da violência relacionada ao tráfico, redução da disponibilidade de drogas, elevação do preço da droga e redução do consumo de drogas.
Por que ? Porque as políticas públicas não levam em consideração a questão de que a dependência é gerada basicamente por um tipo de prazer. O uso de drogas satisfaz necessidades, seja por proporcionar relaxamento e tranqüilidade, por estimular e dar prazer à psique em âmbito individual ou, ainda, por ser foco de rituais de congraçamento e afirmação de identidades no coletivo, principalmente para os jovens. Se as alterações provocadas pelas drogas não fossem úteis de alguma forma, o seu uso não resistiria às pressões sociais voltadas para sua supressão. Além disso, sociedades com melhores condições de vida não apresentariam tendência de consumo mais elevado.
A ênfase em se controlar o consumo de drogas apenas por meio de medidas jurídico-criminais e ignorar o aspecto da necessidade do indivíduo da troca da dor pelo prazer é uma falha. O risco de dependência e de atos irresponsáveis estimulados pelas drogas existe, mas isso não consiste numa característica exclusiva das drogas. O jogo, a prostituição e a pornografia são fenômenos capazes de gerar danos semelhantes aos das drogas ilícitas, porém as sociedades ocidentais não os vêem com a mesma periculosidade.
Não vemos governos destinarem altas somas em dinheiro e traçarem projetos para combater a dependência ao jogo; reduzir a prostituição; ou controlar a produção de filmes pornográficos. Mesmo as campanhas antitabagismo e antialcoolismo não recebem o mesmo aporte de recursos e os destaques geralmente destinados às drogas. Difundiu-se e cristalizou-se a noção de que as drogas são substâncias usadas de modo inadequado, por pessoas inadequadas, em situações inadequadas. Ignora-se que, como as drogas legais utilizadas pela medicina e produzidas pela indústria farmacêutica, como o álcool e o tabaco utilizados recreativamente, a maconha e a cocaína podem ser úteis e adequadas a certas pessoas. Embora essa seja uma realidade passageira e que depois de algum tempo trará, obviamente, mais desastres que benefícios.
O que deve ser considerado é que as políticas públicas devem englobar, além da repressão ao tráfico e ao usuário da droga, campanhas educativas desde muito cedo nas escolas sobre o significado das drogas em geral na vida das pessoas. Sejam elas pílulas para dormir, relaxantes musculares, cigarro, bebidas alcóolicas, maconha, entorpecentes e alucinógenos em geral. De nada adianta falarmos mal do narcotráfico mas usarmos drogas em festas com amigos ou mesmo em casa, sozinhos. Os traficantes só existem porque alguém compra.
Drogas são úteis para nos fazer esquecer problemas, traumas e dores, físicos, mentais, ou emocionais. Mas por quanto tempo ? Muitos de nossos heróis, como cantava Cazuza, "morreram de overdose", não porque eram pessoas más mas porque buscavam a felicidade irreal e passageira nas drogas. Vale a pena ? Com certeza não… " Ideologia, eu quero uma pra viver "… uma vida sem drogas, essa sim, é a ideal.
Deputado Chico Vigilante. Líder do Bloco PT-PRB
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