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Nordeste

Jones Manoel: demonizar Che é reabilitar o colonialismo e também o nazismo

"Destruir a biografia de Che é reabilitar o colonialismo, o domínio global do imperialismo, em suas formas mais belicistas e desumanas", afirma o historiador Jones Manoel sobre a morte do guerrilheiro assassinado há 53 anos na Bolívia

(Foto: Divulgação)
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247 - O historiador Jones Manoel defendeu o legado do guerrilheiro Ernesto Che Guevara, um dos líderes principais da REvolução Cubana de 1959, e cujo assassinato na Bolívia completa 53 anos nesta sexta-feira (9)

"Destruir a biografia de Che é reabilitar o colonialismo, o domínio global do imperialismo, em suas formas mais belicistas e desumanas. É anticomunismo, mas é também um pouco mais que isso: é o aflorar dos desejos nazifascistas derrotados em Stalingrado", escreveu Manoel pelo Twitter, relembrando artigo de sua autoria publicado em 2017, por ocasião dos 50 anos do assassinato de "Che". 

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Também nesta sexta-feira, Jair Bolsonaro promoveu ataques à memória de Che Guevara, firmando que seu legado inspira a "escória da esquerda". 

Leia, abaixo, o artigo de Jones Manoel na íntegra:

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09 de outubro marca os 50 anos do assassinato de Ernesto “Che” Guevara. O argentino protagonista da Revolução Cubana e das lutas anticoloniais e socialistas é um dos nomes mais conhecidos do mundo. Figura emblemática, nos quatro cantos do mundo, onde houver um protesto dos explorados e oprimidos, é possível achar uma blusa, bandeira ou cartaz com o rosto de Che. Nos últimos anos, porém, a biografia de Che é atacada de todos os lados por uma historiografia revisionista que pretende encaixá-lo em rótulos como racista, homofóbico, machista, autoritário, sádico, assassino, ditador etc. Essa operação revisionista obteve, ao menos no Brasil, um relativo sucesso (não sem contribuição significativa de setores da esquerda) e hoje disputa a perspectiva dominante sobre quem foi Ernesto Guevara. Mais do que mostrar a falsidade dessa ideologia, algo indispensável, quero nessas poucas linhas apontar o significado histórico-político desse combate pela escrita da história. Em poucas palavras, e adiantando a tese, a demonização de Che Guevara é parte indissociável da ofensiva neocolonial do imperialismo iniciada nos anos 70, vitoriosa nos anos 90 (com a destruição da URSS e do movimento terceiro-mundista) e que continua com força nos dias atuais. Vejamos.

O mundo antes de Outubro.

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Vamos imaginar que estamos em outubro de 1917. Como estava o mundo nessa data? A imensa maioria da população humana estava submetida a regimes de dominação colonial (onde foram criados, dentre outras coisas, os campos de concentração) pautados na dominação política total e na exploração econômica em suas formas mais brutais e desumanizantes. A maioria dos países e territórios de África, Ásia, Europa Oriental, América Central e América do Sul eram dominados por um punhado de Estados imperialistas que mantinham genocídios sistemáticos como forma de dominação, instituições como o apartheid e destruição de povos e culturas inteiras.

A grande Revolução de Outubro foi uma revolução socialista de dimensão anticolonial que conclamou os escravos das colônias a quebrarem suas correntes e lutar pela sua liberdade. Com o tempo, num processo difícil e contraditório, o movimento comunista, dirigido pela Terceira Internacional junto com a URSS, passou a atuar como o partido mundial da luta anticolonial e anti-imperialista. Vários povos em África, Ásia e América Latina, a partir da Revolução de Outubro e da criação da Terceira Internacional organizaram seus partidos comunistas que atuavam num perspectiva de libertação nacional com projeto socialista no horizonte. Líderes como Ho Chi Minh (Vietnã) Kim il Sung (Coreia), Amilcar Cabral (Guiné-Bissau), Mao Tse Tung (China) expressam essa fusão entre luta anticolonial de libertação nacional e luta socialista: a “questão social” assume uma forma primeira radicalmente nacional nesses países.

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O confronto entre colonialismo imperialista e o movimento comunista teve seu grande episódio, a batalha decisiva, na Segunda Guerra Mundial. O italiano Domenico Losurdo, acertadamente, afirma que o segundo grande conflito mundial é motivado por outra explosão das contradições capitalistas onde, na disputa pela repartição do mundo, o nazifascismo representa uma radicalização extrema da tradição colonial constitutiva do desenvolvimento capitalista. Em poucas palavras: o nazifascismo busca realizar na Europa, notadamente na parte Oriental, o que Inglaterra, França, Bélgica etc. faziam em África e Ásia. A radicalização do colonialismo foi derrotado pelo seu maior adversário: o movimento comunista dirigido pela União Soviética. Na batalha de Stalingrado a sorte do mundo foi jogada: a vitória dos nazistas significava o reestabelecimento em larga escala da escravidão racial no seu sentido moderno e a consolidação do colonialismo como padrão de organização mundial.

Como bem sabemos, os soviéticos venceram!

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O século da luta anticolonial.

O final da Segunda Guerra Mundial, especialmente de 1950 a 1980, marcou, talvez, a maior época revolucionária da história da humanidade. O tradicional sistema colonial estava sendo destruído em África, Ásia e fortemente questionado na América Latina e Central. É claro que novas formas de dominação imperialistas buscavam se consolidar, o que passou a história como neocolonialismo, mas o fato é que tivemos centenas de processos revolucionários de libertação nacional com conteúdo socialista ou no mínimo tendências igualitaristas. A união entre movimento comunista e movimento terceiro-mundista foi uma das maiores ameaças que o capitalismo global conheceu. Não me parece um exagero afirmar (afinal, são os próprios ideólogos do imperialismo que dizem isso) que, se houve um momento onde o capitalismo esteve ameaçado globalmente, esse foi na época gloriosa dos anos 60: os quatro cantos do mundo respiravam revolução.

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O século XX pode ser lido como o século das lutas anticoloniais e socialistas contra o domínio do capital. Dentro desse processo é que podemos entender a importância da figura de Ernesto Che Guevara. A América Latina era (continua sendo, na verdade) o principal símbolo e modelo da dominação neocolonial da potência capitalista líder do planeta: os EUA. A Revolução Cubana representou a primeira tentativa vitoriosa de um projeto revolucionário no país que até então era considerado o quintal dos EUA. Como um dos principais líderes da Revolução Cubana, Che, de pronto, tornou-se uma figura de projeção mundial, e passou a encarnar a fusão do movimento terceiro-mundista e do movimento comunista. Esse líder revolucionário e estadista assumiu o lugar de principal símbolo político dos povos do terceiro mundo. A CIA considerou Che Guevara o homem mais perigoso da América Latina!

Sartre, Fanon, Marcuse, Lumumba, Neruda, Brizola, Kim il Sung e muitos outros grandes nomes das lutas anti-imperialistas tinham Che como uma referência incontestável. Se houve um homem que personificou o espírito de rebeldia do seu tempo, esse foi Ernesto Guevara. Os povos coloniais em luta por libertação, os operários dos países centrais do capitalismo, os estudantes, as camponesas, os povos originários, todos olhavam para El Che como símbolo e referência.

Neoliberalismo e renovada ofensiva do colonialismo.

Por motivos impossíveis de explicar nesse curto texto, o movimento comunista e terceiro-mundista foi derrotado. O neoliberalismo é não apenas uma ofensiva do capital sobre os trabalhadores num momento de crise estrutural do capitalismo para garantir uma taxa de lucro satisfatória aprofundando a dominação política e a exploração. O neoliberalismo também pressupõe uma ofensiva neocolonial de brutal recrudescimento do domínio global do centro hegemônico do imperialismo, os EUA, e dos seus centros regionais, como Alemanha, destruindo ou buscando destruir a soberania nacional, a independência política e econômica e as conquistas dos processos revolucionários nos países dependentes. As invasões militares, o controle direto das riquezas naturais, a reprimarização das economias dependentes, o reforçamento do monopólio tecnológico, o aterrador aumento da pobreza, miséria, fome, desemprego e precariedade no terceiro mundo, hoje chamado de Sul global, são expressões dessa nova ofensiva neocolonial.

Essa derrota política e ideológica engendrou uma onda de reabilitação teórica e cultural do colonialismo. Karl Popper disse tranquilamente que os povos africanos foram libertados cedo demais, afinal, eles são como crianças num berçário sem um adulto supervisionando. Niall Ferguson pode reafirmar com sem alarde o paradigma civilização vs barbárie colocando, como sempre, a civilização no seio do capitalismo ocidental. A temática do imperialismo é banida dos debates políticos e acadêmicos. A esquerda do capital, normalmente socialdemocratas, e as novidades do momento, como Syriza, recusam o internacionalismo proletário e a importância da luta anticolonial na agenda política. O silêncio aterrador da maioria da esquerda mundial na defesa na Coreia Popular frente aos ataques do imperialismo é a prova cabal de que a ordem dominante venceu a batalha em todas as instâncias.

A demonização de Che, assim como o apagamento ou pós-modernização de figuras como Fanon e Sartre, é parte de um processo mais amplo de vitória do imperialismo no século XX e combate, uma verdadeira guerra pela escrita da história, aos fantasmas da luta anticolonial dirigida pelos comunistas. Com formas diferentes, a demonização de Che é constitutiva do mesmo processo de legitimação das invasões imperialistas em países como Síria, Coreia Popular ou Líbia.

Destruir a biografia de Che é reabilitar o colonialismo, o domínio global do imperialismo, em suas formas mais belicistas e desumanas. É anticomunismo, mas é, também, um pouco mais que isso: é o aflorar dos desejos nazifascistas derrotados em Stalingrado de um mundo não só com extração de mais-valor, mas com escravidão racial aberta em benefício do povo dos senhores [Herrenvolk democracy] – seguindo as reflexões novamente de Domenico Losurdo. Defender a memória e o legado de Ernesto Che Guevara é imprescindível na difícil missão de conter e derrotar a ofensiva neocolonial do capitalismo cada vez mais destrutivo. Temos que defender o legado desse grande argentino e sermos a geração que vai realizar o seu sonho: uma revolução latino-americana em direção ao fim do domínio mundial do imperialismo.

 Venceremos, El Che!

*Militante do PCB de Pernambuco

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