Allane viveu meses com medo de homem que a assassinou no Cefet
Mesmo convivendo com esse temor, Allane mantinha uma rotina marcada por grandes objetivos
247 - A trajetória de Allane de Souza Pedrotti Matos — mãe dedicada, pedagoga, doutora em linguística e sambista em ascensão na cena carioca — foi interrompida de forma abrupta e violenta na tarde de quinta-feira (28), dentro do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet), no Rio. As informações são do jornal O Globo.
Fabiano Magdaleno, amigo de Allane há quase 20 anos e professor de geografia da instituição, relata que a pedagoga vivia sob constante preocupação com o comportamento do orientador educacional que a matou. Segundo ele, a relação conflituosa não era recente: o funcionário acumulava episódios de hostilidade, especialmente contra mulheres, e havia sido afastado anteriormente por questões psicológicas.
— Ela tinha muito medo dele. Muito — disse Fabiano. — Ela dizia que não iria mais trabalhar na mesma sala que ele. Quando colocaram ele de volta, ela pediu imediatamente para não ficar ali. Por isso passou meses em home office.
Ele explica que o padrão de comportamento do agressor mudava de acordo com o gênero da pessoa com quem interagia:
— Quando o embate era com um homem, ele abaixava. Com mulheres, não.
Carreira construída passo a passo
Mesmo convivendo com esse temor, Allane mantinha uma rotina marcada por grandes objetivos. Servidora concursada, começou na área de apoio estudantil, tornou-se coordenadora e se preparava para ingressar na docência universitária. Tinha doutorado em linguística, experiência acadêmica internacional na Dinamarca e concluía uma segunda graduação, em Letras, para disputar concursos na área.
— Ela tinha objetivos e não queria nada imediato. Ia trabalhando passo a passo para chegar onde queria — lembra o amigo. — O sonho dela era ser professora universitária. Mesmo depois do doutorado, cursava Letras porque queria fazer tudo do jeito certo.
Sambista reconhecida
Além da carreira acadêmica, Allane crescia no universo do samba. Cantora, compositora, pandeirista e estudiosa de outros instrumentos, ela já era presença frequente em rodas tradicionais do Rio e começava a despontar no circuito musical da cidade.
— Ela estava crescendo muito na música — contou Fabiano. — Estava cantando no Renascença, e onde chegava os grupos chamavam ela pra dar canja. Queria mostrar que mulher não é só para cantar: tocava pandeiro, aprendia cavaquinho, estudava violão. Estava sempre se aprimorando.
A maternidade como centro
Mãe de uma adolescente de 13 anos, Allane reorganizava agendas, apresentações e compromissos para estar presente na vida da filha. A relação entre as duas, segundo relatos, era marcada por afeto e parceria cotidiana.
— Elas eram confidentes. Faziam tudo juntas. A filha era a grande prioridade da vida dela — afirma o amigo.
Moradora do Morro do Pinto, Allane tinha orgulho da trajetória construída com esforço próprio, sem privilégios. Buscava reconhecimento como intelectual e artista, e fazia questão de ressaltar que sua identidade ia muito além da aparência física.
— Ela fazia questão de dizer: ‘Eu sou bonita, mas sou muito mais que isso’. Ela queria ser reconhecida como intelectual e como artista. O que ela deixa é essa força, de vencer, de subir degrau por degrau, de se fazer respeitar, mesmo quando era mais difícil para ela. Ela venceu por conta própria. Esse é o legado dela — concluiu Fabiano.
O ataque no Cefet
O crime ocorreu na tarde de sexta-feira (28). Segundo relatos, João Antônio Miranda Tello Ramos Gonçalves, servidor da instituição, chegou à escola pela manhã e cumprimentou colegas normalmente. Horas depois, entrou na direção e atirou contra Allane e a psicóloga escolar Layse Costa Pinheiro, ambas da Diretoria de Ensino. Ele tirou a própria vida logo em seguida.
As duas vítimas chegaram a ser socorridas e levadas ao Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, mas não resistiram aos ferimentos. A Delegacia de Homicídios da Capital conduz a investigação.
Em nota, o Cefet afirmou que “lamenta profundamente essa tragédia que chocou a comunidade acadêmica” e decretou luto oficial de cinco dias a partir de 1º de dezembro.
