Fiquei sem entender
Pouco a pouco, estão pondo em prática certas ideias envelhecidas, que Lula anunciou haver abjurado na célebre “Carta aos Brasileiros”
Uma das principais vantagens da presidente Dilma Rousseff em relação ao seu antecessor tem sido uma taxa maior de discrição e sobriedade ao se portar e ao declarar. Mas essa semana, e sem perder o jeito sério, declarou, em entrevista conjunta com o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, e o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, que “a União Européia pode contar com o Brasil”, insinuando que nosso país poderia entrar com ajuda econômica ao Velho Mundo em crise.
Pus-me logo a matutar: como faria ela esse auxílio? Usando as reservas brasileiras que, em verdade, são muro de proteção contra possíveis desdobramentos das dificuldades globais? Pior, usando-as para comprar títulos podres de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália? Pior ainda, sem deter liquidez suficiente para alterar o rumo dos acontecimentos?
A China, que armazenou fabulosos US$3.180 trilhões de reservas cambiais (posição em 30 de setembro último) e, com muito mais realismo, poderia intervir sobre o quadro, decidiu-se por não fazê-lo. Ou seja, quem tinha condições efetivas de “ajudar” a União Européia, aliando-se às economias mais sólidas da UE, como Alemanha e França, pensou bem e deixou de fazê-lo. E quem não está cacifado para operar proezas bravateia de modo pouco consequente, em gesto que não faz bem à imagem externa do Brasil.
Quem, de início, perderia com eventual calote da Grécia seriam os bancos europeus detentores dos títulos micados. Ninguém melhor do que a própria UE, portanto, para buscar solução efetiva para esse grave problema, que pode contaminar mais economias ainda, depois de já se ter refletido em parte substancial da Europa.
O dever prioritário a ser cumprido por Dilma teria de ser o combate à inflação interna, que já ultrapassa os 7%, em contraste com pífio crescimento, em torno de 3%, previsto para 2011. São várias as inflações, aliás: a das anualidades escolares está em 8%. A dos supermercados, em 14%. Tudo com viés de alta, a partir das alterações de política econômica que temos observado.
Pouco a pouco, estão pondo em prática certas ideias envelhecidas, que Lula anunciou haver abjurado na célebre “Carta aos Brasileiros”. O Estado está cada vez mais intervencionista. O BNDES vira instrumento de grupo seleto de empresas que têm tudo para, sob privilégio, perder o ímpeto de se preparar verdadeiramente para competir com gigantes transnacionais. O protecionismo, atrasado e falido, está de volta, a exemplo do aumento, em 30%, da alíquota do IPI para importação de automóveis: isso leva as montadoras aqui estabelecidas à esclerose tecnológica e ao aumento de preços, por falta de concorrência.
Dilma faz jogo interno extremamente arriscado e, no plano internacional, tomara que não se contagie com a imaturidade e o triunfalismo do seu antecessor. Olhar com seriedade para dentro de casa, antes que a inflação acorde de vez seria bem mais sábio do que proferir inutilidades no exterior, perdendo conceito e não chegando a lugar nenhum.
*Diplomata, foi líder do PSDB no Senado
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