Spray de pimenta gera críticas de especialistas após liberação no Rio para defesa pessoal
Em meio ao debate sobre segurança e violência contra a mulher, a norma reacendeu uma discussão sobre os limites e riscos do uso do spray
247 - O Estado do Rio de Janeiro passou a permitir, a partir desta quarta-feira, o uso de sprays de extratos vegetais – como pimenta e gengibre – por mulheres em situações de legítima defesa. A mudança entrou em vigor com a publicação da Lei 11.025 no Diário Oficial, conforme noticiado pelo g1, e transformou o estado no único do país a liberar a comercialização do produto em farmácias e sem necessidade de prescrição médica.
Em meio ao debate sobre segurança e violência contra a mulher, a norma reacendeu uma discussão sobre os limites e riscos do uso do spray. Embora os autores do projeto defendam que o dispositivo oferece uma alternativa prática de autoproteção, especialistas ouvidos pela reportagem fazem alertas contundentes: o spray não é indicado para reação contra criminosos armados e pode, em algumas situações, agravar a violência.
O caso da universitária Beatriz Munhos, de 20 anos, morta no início deste mês em São Paulo após reagir a um assalto borrifando spray de pimenta no agressor, voltou a circular como exemplo citado por especialistas. A jovem foi baleada na cabeça e morreu no local. O suspeito do crime, preso dias depois, afirmou ter atirado “no susto”.
Críticas e riscos apontados
Para a promotora Fabíola Sucasas, do Ministério Público de São Paulo, a nova lei representa uma transferência indevida de responsabilidade do Estado para as mulheres. Em entrevista ao RJ2, da TV Globo, ela afirmou que o dispositivo pode até agravar situações de violência e ainda servir como instrumento de culpa contra a vítima.
“O que percebemos na nossa rotina de atendimento é que geralmente os homens usam o argumento de que a mulher provocou e que ele agiu em legítima defesa. É possível até que essa legislação se reverta num argumento que venha culpabilizar aquela mulher ou afastar a responsabilidade do agressor. É evidente que o uso desse tipo de artefato as coloca em situação de maior risco.”
A advogada Michele da Rosa Monsore, da Comissão de Enfrentamento Contra a Violência de Gênero da OAB-RJ, concorda que o spray pode ser útil, mas apenas se houver orientação adequada.
“O problema que vejo é sobre o uso inadequado. Não saber manusear, por exemplo, no momento de estresse e a vítima acabar se machucando ou, até mesmo, irritar o agressor ao ponto de ele potencializar a violência. Se houver uma orientação para ensinar a usar, acho válido, mas o uso e o porte, sem orientação, são complicados.”
O coronel da reserva Paulo Roberto Oliveira, especialista em Segurança Pública, reforça que o item não deve ser usado contra assaltantes armados:
“Entendo que, em determinados casos, como em importunação sexual, o spray pode ser útil, mas usar contra uma pessoa portando arma de fogo ou faca já não é adequado. Os próprios protocolos policiais desencorajam.”
Ele ainda manifestou preocupação com o uso por adolescentes a partir dos 16 anos, permitido pela lei, especialmente em ambientes escolares.
Autoras defendem caráter preventivo
Os deputados responsáveis pelo projeto afirmam que muitas mulheres seguem vulneráveis mesmo diante de políticas públicas e leis específicas, e que o Estado não consegue oferecer proteção contínua em todas as situações de risco.
A autora da proposta, deputada Sarah Poncio (PL), sustenta que o spray oferece uma alternativa prática e imediata em situações de ameaça.
“O spray garante à mulher um meio real de defesa quando ela está sozinha e exposta ao risco. É uma medida que reduz vulnerabilidades e pode impedir agressões, importunação e violência.”
Como funcionará a comercialização
A lei estabelece regras específicas para aquisição e porte:
- venda restrita a maiores de 18 anos, mediante documento com foto;
- compra limitada a duas unidades por pessoa ao mês;
- venda exclusiva em estabelecimentos farmacêuticos;
- adolescentes de 16 e 17 anos podem adquirir e portar o item com autorização formal dos responsáveis;
- mulheres com medidas protetivas poderão receber o spray gratuitamente do governo.
Os frascos liberados para o público têm limite de 70g e concentração máxima de 20%. Versões semelhantes disponíveis em lojas on-line custam entre R$ 100 e R$ 150.
