Mais de 100 mil cubanos marcham em Havana e pedem Palestina livre
O ato central ocorreu na emblemática Tribuna Anti-imperialista José Martí, praça em frente à embaixada dos Estados Unidos
Gabriel Vera Lopes, Brasil de Fato - Mais de cem mil cubanos se mobilizaram em Havana, nesta quinta-feira (9), em apoio ao povo palestino e para exigir o fim imediato do genocídio perpetrado pelo Estado de Israel em Gaza. A mobilização — que se repetiu em várias cidades do país — foi liderada pelo presidente da República, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, junto com o embaixador da Palestina em Cuba, Majed Abu Al Hawa, e jovens palestinos que estudam em diferentes universidades da ilha.
Ao amanhecer, o ato central ocorreu na emblemática Tribuna Anti-imperialista José Martí, uma praça ao lado do Malecón habaneiro, historicamente dedicada a manifestações patrióticas e de solidariedade internacional, situada em frente à embaixada dos Estados Unidos.
Entre os primeiros oradores estava Razan Maleh, uma das centenas de jovens estudantes palestinas que cursam seus estudos em Cuba. “Sou filha de um lutador, um homem valente que foi preso durante cinco anos por defender os direitos do seu povo, por levantar a voz contra a injustiça e por sonhar com a liberdade”, disse Razan ao iniciar seu discurso.
Com a voz carregada de emoção, ela recordou uma cena de sua infância, quando as forças de ocupação — soldados israelenses — invadiram ilegalmente sua casa para espancar seu pai e o ameaçaram de morte. Lembrou que os soldados o cercaram, apontando seus fuzis, enquanto ordenavam que sua mãe e ela não olhassem. Uma violência que se tornaria cotidiana durante o restante de sua infância.
Ao grito de “Viva a Palestina livre!”, e com a voz embargada pela emoção, Razan interrompeu seu discurso. Nesse momento, uma menina da companhia teatral infantil La Colmenita, comovida por sua dor, aproximou-se lentamente para abraçá-la.
Em seguida, a aluna cubana do sexto ano Sabrina Padín León, vestida com o típico uniforme escolar e seu lenço vermelho, leu uma carta escrita “para as crianças da Palestina”..
“Não vivemos sob bombas, mas sentimos o peso do bloqueio. Sabemos o que é o mundo te olhar e nem sempre te escutar. Por isso, quando vejo tua história, também sinto que ela faz parte da minha. Dói-me que tenhas de correr em busca de refúgio, que tua escola se transforme em ruínas, que tua família precise se esconder para sobreviver. Nenhuma criança deveria viver assim”, afirmou Sabrina.
“Sejam sempre capazes de sentir no mais profundo…”
Em conversa com o Brasil de Fato, o estudante universitário Jordan Miller Reyes não hesitou em classificar a situação global como “uma loucura”, ao mesmo tempo em que denunciou “a cumplicidade do sistema mundial com o que está acontecendo”.
“É totalmente insano que, até hoje, o mundo funcione como funciona. Diante dessa impotência, somos muitos os jovens que nos mobilizamos para enfrentá-la. Acredito que o que possamos fazer todos os dias, por menor que seja, são esses grãozinhos de areia com os quais podemos construir algo diferente.”
Para Miller Reyes, a mobilização popular é essencial, já que é o meio de que o povo — e, em especial, a juventude — dispõe para expressar sua solidariedade e apontar os culpados pelo genocídio. “É uma forma de expressão com a qual mostramos que não somos cúmplices através do silêncio, que não concordamos. Acreditamos que o silêncio é político; é permitir que as atrocidades que estão acontecendo continuem.”
“Se o silêncio é político — reflete —, então se mobilizar, marchar, protestar, postar, não é ficar em silêncio. Mobilizar-se é apoiar o lado certo da história.”
A mobilização ocorreu poucas horas depois do anúncio de um acordo de paz entre o Estado de Israel e as organizações da resistência palestina em Gaza. Na tarde da quinta (9), Khalil Al-Hayya, membro da alta cúpula e negociador-chefe do Hamas afirmou ter recebido garantias tanto dos Estados Unidos quanto dos mediadores de países árabes de que o cessar-fogo será permanente.
No entanto, as cicatrizes da ofensiva permanecem abertas. Segundo dados oficiais, desde outubro de 2023, aproximadamente 67,2 mil palestinos foram assassinados e mais de 170 mil ficaram gravemente feridos. Esses números, já alarmantes, podem aumentar consideravelmente, já que milhares de pessoas continuam desaparecidas sob os escombros.
A infraestrutura civil sofreu uma devastação sistemática: 80% dos edifícios foram danificados ou destruídos, incluindo nove em cada dez residências. A agricultura, base da subsistência local, foi completamente arrasada; oito em cada dez hectares de terras cultiváveis foram destruídos, agravando ainda mais a crise alimentar.
Mais de dois milhões de civis foram deslocados à força e enfrentam uma fome extrema. A fome, utilizada como arma de guerra, tira vidas diariamente: estima-se que, a cada dia, quinze palestinos morram por desnutrição — doze deles, crianças.
Essa realidade foi documentada em meados de setembro pela Comissão Internacional Independente de Investigação da ONU, que concluiu que Israel cometeu quatro dos cinco atos definidos como genocídio no direito internacional. “O objetivo — explicou, na época, o comissário Chris Sidoti — é destruir os palestinos da Faixa como grupo. As mortes não são acidentes nem danos colaterais; são o resultado de uma estratégia militar de bombardeios intensivos e de terra arrasada.”



