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Jacqueline Muniz

Antropóloga e cientista política. Professora do bacharelado de Segurança Pública da UFF. Gestora de Segurança Pública

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8 de janeiro foi um apagão só para distribuir as faturas políticas, né?

Algumas notas preliminares...

(Foto: Joedson Alves/Ag. Brasil)
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  1. É infantil, para não dizer vergonhoso, ainda que bastante comum, a “disseminação de informes ou alertas” de inteligência por meio de “grupo de WhatsApp” que sequer possui níveis de segurança para garantir a inviolabilidade das conversas idealmente sigilosas, o que seria o primeiro nível de uma inteligência inteligente.  Afinal, produz-se gestão estratégica do conhecimento e da informação para qualificar a tomada de decisão de governantes diante de riscos e perigos reais ou se gasta o dinheiro publico brincando de tios do zap passando adiante impressionismos, achismos e previsões abertas a qualquer vazamento e edição?  Não se pode, a rigor, chamar isso e seu conteúdo em formato noticioso – entre a fofoca e jornalismo malfeito-, de alertas de inteligência. Sequer as mensagens respondem a pirâmide dos “QUÊ” (o que, quem, porque, onde, quando, como etc.).  
  2. O conteúdo revelado pela Folha de São Paulo é cômico e trágico de tão primário. Como tenho insisitido, a chamada INTEL, cloroquinada, segue como algo “pessoal, intransferível e ambulante”, servindo como moeda de chantagem, de ameaças difusas, de inversão da cadeia de comando e controle e, por fim, como um clube de milhagens para os inscritos com dons proféticos e premonitórios. Já foi bem pior quando o subsídio ao governante era feito com a produção de clippings de jornal tratados como relatório de Intel. Quem já foi secretário(a) de Estado sabe como é produzir desinformação com estes produtos primários e exaustivos que cansam o leitor no primeiro parágrafo por sua falta de pertinência e consistência. 
  3. Note-se que o importante na produção desta inteligência à brasileira é fazer com que o seu conteúdo, se e quando existente, fique exclusivamente nas mãos dos Arapongas de ocasião para que estes possam fazer o seu trabalho duvidoso. Trata-se de dar sustos no ouvido da autoridade superior e demandar mais poder discricionário e invisibilidade para mostrar (o seu serviço) que é o de revelar a conta gostas um fato que só ele sabe por que ajudou a criar. Eles se tornam, assim, indispensáveis como “babás de autoridade” enquanto leiloam nos corredores e repartições estas mesmas autoridades máximas autoenganadas com sua presteza e salamaleques reverenciais.  
  4. Incrível como os supostos relatórios de inteligência não chegam ao topo onde eles deveriam chegar. Eles permanecem nas mãos de intermediários da cadeia de comando e controle, os quais dizem que como “fiéis depositários dos segredos da república” poupam a vida dos governantes de dissabores, ou melhor, do ato de governar com informações confiáveis, deixando-os em estado de sobressalto sobre o que se passa diante de seus olhos, abrindo guarida para negociações dos fios de seus bigodes. A ideia é mesmo fazer do superior hierárquico um refém dependente da bola de cristal e das profecias do guardador/fabricador de rumores e fofocas com o lastro oficial dos brasões da república.
  5. Mas são com estes produtos – fofoca de WhatsApp, por exemplo, que dizem muito e nada informam que vão se criando alisadores de maçaneta de gabinete e seguradores de mala de autoridades enredadas na fabricação continuada de ameaças latentes e sem endereços de uma “Inteligência”. A sua razão de ser é produzir tutela continuada sobre o governante que o induz a desviar os seus olhares das engrenagens reais que podem pôr em risco a sociedade, o Estado e o Governo. Este tem sido um dos caminhos para gastar a tinta da caneta do governante com tiros amigos: “quem avisa amigo é”.
  6. A mística araponga do senhor sabe-tudo-conspirador, o X-9 oficial do Estado, segue sendo reanimada pelo improviso e amadorismo intencionais, mas com elevado gasto público: rende unidades operacionais, cargos comissionados, redes de autoproteção etc.  Todos descobriram o óbvio sobre como manobrar com o seu político e/ou governante:  transformar a Intel em uma caixa preta que serve para esconder tudo, inclusive o “nada sei” convertido em mensagens fragmentadas e ameaçadoras contra sujeitos indeterminados em atos imprecisos. E isto para manter permanente o clima das ameaças e um governante temeroso de seu próprio governo. O raciocínio conspiratório – cuja lógica de fundo é religiosa e, por isso, contagiante e prescritiva, presta aqui o seu serviço político-moral, já que ela soa como uma verdade mais verdadeira que a verdade real, fazendo esquecer da factualidade das coisas, na qual que boa parte das vezes, “o cachimbo é só mesmo um cachimbo” e nada mais além disto. Mas o negócio político é mesmo confundir ao invés de esclarecer.
  7. É preciso enfatizar que o material débil e fragmentado do grupo de WhatsApp da inteligência inteligente, divulgado pela mídia, jamais serviria para tomadas de decisão séria e responsável.  Pois, a rigor, pouco diz sobre os atos antipatrióticos em sua execução e realização e, não menos importante, está todo enviesado, como previsível, pelo lapso dos olhares de quem foi a campo e redigiu a mensagem que precisa ser rápida, imediata e sem textões, envelhecida pela próxima mensagem. Isto deixa rubra qualquer doutrina de inteligência civil e militar. Cadê os informes substanciados acompanhados de análise? E que diante de seu grau de risco e perigo, classificação interna da suscetibilidade dos seus conteúdos, não poderiam ser colocados em aplicativos de redes sociais e sim seguirem como TOP SECRET ou reservados por um outro canal de comunicação para quem toma decisão de cima. Cadê a análise de inteligência?  Fala-se tanto dela e não se sabe o que ela é?  É preciso que as mídias apurem mais. Porque as matérias, com o material usado como base, compram uma narrativa da ponta de um iceberg, daquilo que interessa que seja divulgado, mantendo o papo sério na superfície das articulações políticas.
  8. Cabe ressaltar que um plano integrado efetivo de policiamento de eventos de multidão para o 08/01, cujo protagonismo era do governo do DF, mas que deveria contar com a participação do executivo federal e com a estrutura institucional de segurança do Congresso nacional, independe e é anterior a estes alertas superficiais sob o formato de sustos descontínuos no grupo de WhatsApp. Estas conversas só fariam algum sentido e teriam consequência operacional para dentro se tivessem articuladas como um sensor da execução de um plano de policiamento pactuado entre os atores institucionais, que se tornasse público e publicado. 
  9. Faz muito tempo que a SENASP/MJSP foi se transformando em uma unidade operacional do tipo delegacia e BPM para contribuir com os policiamentos de espetáculo que geram saldos operacionais, visibilidade e votos. A leitura oportunista-policialesca da segurança pública comprometeu a recriação do MSP, cujo receio era mesmo que este viesse a virar uma grande DP ou BPM já criados no MJSP, um parque de diversões distribuidor de comissões para as forças com todas as suas inutilidades, modismos e lendas urbanas. Esta leitura só foi possível, é claro, quando o raciocínio de fundo é orientado pela narrativa do regime do medo e de suas práticas de exceção, os quais seguem justificando a insegurança pública como um projeto de poder. 
  10. O chamado APAGÃO, o “deixa que eu deixo porque não é comigo” ou “faz aí no meu lugar”, e que se traduzem na terceirização das autoridades dos comandos e em um modo cerimonial de mostrar que tem autoridade porque manda um outro fazer, só se tornam possíveis em sua magnitude porque foi exatamente isto que também foi pensado e “planejado” para “deixar acontecer naturalmente”. Não se assistiu no dia 8 de janeiro a uma sucessão de acasos e de eventos surpresas, que juntos produziram um apagão dos comandos e controles, deixando autoridades de calças curtas e paralisadas em seus vários escalões.  Há que registrar que a inação é um tipo de decisão escolhida e que atravessou vários níveis decisórios e sob as quais se pode ter accountability e responsabilização política, administrativa e operacional. 
  11. Mas o que se viu nas telas das TVs e smartphones foi a explicitação de que cruzar braços ou empregar efetivos policiais reduzidos foi uma decisão corporativa obediente. Afinal, diz um ditado útil à perseguição ao servidor público armado que é o “manda quem pode, obedece quem tem juízo” porque “quem dá missão, dá (ou retira) os meios”.  Pode-se dizer que a polícia seguiu obediente e disciplinada ao que vinha de cima ora para cruzar braços, ora para descruzar os braços. Mostrou-se coesa e mais uma peça do tabuleiro político que permitiu, no trágico 8 de janeiro, o turismo de baderna patrocinado e o planejado policiamento de figuração. Ambos possibilitados pela gestão de quem tinha o mandato para tal, o governo distrital sob os olhares do governo federal que não tinha como se contentar em estar de prontidão apenas.
  12.  É importante enfatizar que a GESTÃO DE MULTIDÃO, que consiste num arroz-com-feijão de baixa complexidade dos policiamentos públicos e estatais, é uma dimensão basal do aprendizado de controle de território e população, e que qualquer recruta pode fazer já que aprende desde cedo durante seu estágio. Isto porque não envolve tomada individual e autônoma de decisão e sim ação subordinada como tropa.  Brasília é uma cidade onde ocorre grandes eventos de multidão nos espaços públicos regularmente, assim como outras capitais como o Rio de Janeiro, com o carnaval, jogos de futebol, réveillon, shows de massa, manifestações, jornadas religiosas etc. Nenhuma corporação armada aprendeu de véspera a fazer este tipo de policiamento que é o de mais fácil planejamento e execução.
  13. É necessário deixar claro que a apressada queimada do filme de Gal Gonçalves Dias, o militar amigo e de confiança do presidente e que foi intencionalmente desinformado como outras autoridades governamentais pela segurança pública distrital, parece ter várias serventias. Afinal, é sempre útil arrumar um “boi de piranha” que aceite ser queimado em nome de sua lealdade e dignidade, salvando a pele de outrem – coisa de soldado leal.  É também útil empurrar o problema para outros lugares, apontando o dedo para a intervenção no terreiro alheio para desviar o olhar dos outros galinheiros governamentais com terreiros arrombados por lobos com pele de ovelha mantidos em suas antigas funções! 
  14.  Por fim, a construção da narrativa do APAGÃO pela “omissão, intenção e incompetência” traz uma elevada rentabilidade política, uma vez que pode incluir todo mundo  no mesmo balaio de gatos e tornar a responsabilização difusa e a culpa distribuída em notas promissórias para quem está em posição de poder e mando, como é de praxe no Brasil. Abre-se, com isso, a temporada das negociações das frituras e salvamentos de mandatos, deslocando a responsabilização criminal de políticos e seus financiadores golpistas para o palco da CPMI.  A narrativa do APAGÃO junta e (re)mistura o joio com o trigo! E este é o produto político a ser entregue com todas as implicações perigosas que resultam deste ACORDO DISCURSIVO para o exercício de governo!

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