A confortável posição de Tarcísio e a desconfortável situação da centro-direita
O tempo trabalha para o presidente, enquanto Tarcísio precisa unificar um campo que só se move mediante coerção e liderança firme
O governador de São Paulo e pré-candidato presidencial do Centrão e da Faria Lima, Tarcísio de Freitas, pode se encontrar em uma posição confortável entre escolher uma reeleição considerada certa por analistas e políticos influentes, ou uma disputa pelo Palácio do Planalto condicionada ao endosso do clã Bolsonaro, que resiste em abrir mão da liderança da oposição mesmo após o início do cumprimento da pena do ex-presidente e de militares de alta patente que integraram seu governo. Esse conforto, porém, não se estende ao campo do centro e da direita como projeto político. Com popularidade estável e favoritismo nas pesquisas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva joga no ataque e administrou bem o resultado em uma pauta desfavorável, como a da segurança pública.
No ato de sanção da reforma do Imposto de Renda (IR), Lula sinalizou que dobrará a aposta na agenda social: redução da jornada de trabalho, isenção da participação dos trabalhadores nos lucros das empresas (PLR) e tarifa zero no transporte urbano. O pacote compõe a plataforma de reeleição, segundo autoridades governistas. O presidente encerra seu terceiro ano com o menor nível de pobreza e desigualdade em três décadas, a menor inflação acumulada da história e recordes de emprego e renda, conforme dados oficiais. Soma também gestos antiestablishment, como o veto ao aumento do número de deputados federais e o bloqueio da “PEC da Blindagem”.
Após os juros altos controlarem o câmbio e, por efeito, a inflação, as previsões de economistas para o início da queda da taxa Selic voltaram para janeiro, o que deve aliviar atividade e o crédito, mas sem tensionar o dólar e, consequentemente, os preços.
ESTABLISHMENT CONFUSO
Enquanto isso, o Centrão, em desvantagem política, empenha-se, na Câmara e no Senado, em esticar a corda com o Planalto. Levantamentos recentes, como da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), reforçam que a sociedade desaprova o Legislativo e o enxerga como gestor de interesses privados: 49,8% acreditam que congressistas trabalham para partidos, 32,1% para empresários e apenas 16,4% para a população. Para 40,8%, o Parlamento atrapalha o desenvolvimento do país; 37% avaliam sua atuação como ruim ou péssima; 38,6% o veem como nada transparente quanto a votações e emendas parlamentares.
Hoje, as emendas precisam obedecer às rígidas regras de rastreabilidade e transparência determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que também exige rigor na análise técnica para execução dos recursos, esvaziando o modus operandi tradicional de travar o Executivo para agilizar liberações.
Adiar a votação das leis orçamentárias de 2026 prejudica mais o Parlamento, que terá pouco tempo para levar emendas às bases e tentar renovar a força da centro-direita na próxima legislatura, do que o Executivo, que já possui entregas para promover. Manobras como a derrubada dos vetos presidenciais ao projeto apelidado de “PL da Devastação” fortalecem Lula internacionalmente e o aproximam do eleitorado que defende a Natureza no rastro da COP30. Já uma eventual rejeição da indicação de Lula ao STF, de perfil evangélico, desgasta os parlamentares com esse público sem alterar o equilíbrio da Corte, reforçando a percepção de chantagem e boicote por parte de um sistema político que não esconde preferir Tarcísio.
O TIMING DA CENTRO-DIREITA
Em apoio ao governador paulista, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, já afirmou que Ratinho Jr., pré-candidato do partido, não disputará a Presidência caso Tarcísio entre na corrida. O Centrão também segura a votação do “PL da Dosimetria”, que pode devolver Bolsonaro à prisão domiciliar, para pressionar por uma definição do ex-presidente. O mesmo vale para as especulações sobre um vice fora da Família, como o governador Romeu Zema, de Minas Gerais.
A afirmação de poder centrista do presidente da Câmara, Hugo Motta, rompendo com os líderes Lindbergh Farias e Sóstenes Cavalcante, também pavimenta o caminho político para o governador. Até mesmo o presidente americano, Donald Trump, último bastião externo do clã, deslocou sua atenção para um entendimento comercial com o Brasil, não mais para uma anistia a Bolsonaro.
O dilema permanece: a candidatura de Tarcísio só se viabiliza com o voto mobilizado pela Família Bolsonaro, e a Família exige um compromisso crível com o indulto, apesar das garantias já dadas por ele e pelo presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira. Por outro lado, o anúncio de apoio do ex-presidente a Tarcísio, seguido da unificação do campo centro-direita, sempre foi previsto para fevereiro ou março, mantendo o processo dentro do cronograma.
QUEM PISCA PRIMEIRO
A dúvida é se uma campanha que representa a busca da Faria Lima por um ajuste fiscal estrutural — sobre Estado, salário mínimo e direitos sociais — conseguirá administrar seu tempo político em um ciclo eleitoral interpretado como hostil a essa agenda, enquanto o presidente projeta uma expectativa de futuro com menos sufoco e responde aos temores do “andar de baixo”, sobretudo diante das transformações tecnológicas e do envelhecimento populacional.
No evento do IR, Lula afirmou que, quando era metalúrgico, diziam que robôs poupariam trabalhadores, mas o resultado foi o oposto: “quanto mais tecnologia, menos gente você precisa”, lembrando demissões no setor. E alertou que chegará o dia em que o Estado terá de decidir quem garantirá a sobrevivência de milhões de “inúteis” criados pelo avanço tecnológico.
Assim, o ponto crítico é direto: o tempo trabalha para o presidente, enquanto Tarcísio precisa unificar um campo que só se move mediante coerção e liderança firme. Por ora, a política tradicional ainda tenta compreender um prolongado período disruptivo, cuja linguagem, antes cifrada pelo bolsonarismo, Lula passou a dominar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




