A Dieta da Selva: modismo extremista, riscos à saúde e o alinhamento com a política identitária
Dieta Carnívora é um plano alimentar extremamente restritivo
247 - A chamada "Dieta da Selva", ou mais popularmente conhecida como Dieta Carnívora, emergiu como um dos fenômenos alimentares mais controversos da internet. Baseada no consumo exclusivo ou quase exclusivo de alimentos de origem animal – carnes, peixes, ovos e laticínios –, com a exclusão total ou severa de vegetais, frutas, grãos e leguminosas, essa abordagem é frequentemente promovida como uma solução radical para diversos problemas de saúde, embora careça de suporte científico robusto e apresente sérios perigos. Paralelamente, a ascensão desta dieta reflete uma crescente politização da alimentação, alinhando-se a movimentos de extrema-direita, como o MAGA ("Make America Great Again").
O Que É a Dieta da Selva (Carnívora)?
A Dieta Carnívora é um plano alimentar extremamente restritivo que advoga que os humanos devem consumir apenas carne e outros produtos animais, replicando uma suposta alimentação ancestral ou "da selva". Seus defensores frequentemente alegam melhorias em quadros de inflamação, doenças autoimunes, problemas digestivos e perda de peso, atribuindo a maioria das doenças modernas ao consumo de vegetais e carboidratos.
Riscos e Perigos para a Saúde
A comunidade de profissionais de saúde sérios e comprometidos com a ciência, é unânime em alertar para os perigos de uma dieta tão limitante, especialmente em médio e longo prazo. Os riscos mais significativos incluem:
* Deficiências nutricionais graves: A eliminação total de vegetais, frutas, grãos e leguminosas remove fontes cruciais de nutrientes, como vitamina C, fibras e diversos antioxidantes.
* Problemas digestivos: A ausência de fibras pode levar a quadros severos de constipação, comprometendo a saúde intestinal.
* Saúde cardiovascular: O alto consumo de gorduras saturadas pode elevar os níveis de colesterol LDL e apolipoproteína B (apoB), aumentando o risco de doenças cardiovasculares.
* Sobrecarga renal: A ingestão exagerada de proteínas exige mais dos rins para filtrar resíduos, podendo acelerar o dano renal em indivíduos vulneráveis.
* Risco de transtornos alimentares: Dietas extremamente restritivas elevam o risco de desenvolver ortorexia (obsessão por alimentação "pura") e podem levar a um ciclo insalubre de perda e reganho de peso.
As Táticas de Seita na Divulgação da Dieta Carnívora
A forma como a Dieta Carnívora é promovida em plataformas digitais, muitas vezes por influenciadores sem qualificação formal em nutrição, tem sido comparada a táticas de dinâmica de grupo e seitas, que visam criar um senso de pertencimento exclusivo e desacreditar fontes externas:
* A Criação do "Nós" Contra "Eles": Os seguidores são incentivados a acreditar que descobriram a "verdadeira" ciência nutricional, que é desconhecida ou intencionalmente oculta pelo mainstream – nutricionistas, médicos e pesquisadores. Essa narrativa cria uma clara divisão entre os "iluminados" (os adeptos) e os "ignorantes" (o público em geral e os profissionais da saúde).
* Demonização de alimentos: Produtos alimentares inteiros, como frutas, vegetais e grãos, são demonizados e rotulados como "tóxicos" ou "anti-nutrientes", contrariando décadas de consenso científico. Essa eliminação radical serve como um rito de passagem e um marcador de identidade do grupo.
* Valorização da experiência pessoal anedótica: Histórias de sucesso dramáticas e testemunhos pessoais de "cura" (embora sem comprovação médica) são amplamente divulgados, suplantando a necessidade de estudos clínicos e revisões por pares. A crença no relato de um influenciador se torna mais importante do que a evidência científica estruturada.
* "Pensamento de grupo" e Descredibilidade externa: O senso de pertencimento ("People LOVE feeling like they're a part of something") é reforçado pela ideia de que o grupo está "acima de tudo" e que a ciência mainstream é "corrupta/idiota". Qualquer crítica ou evidência contrária é vista não como correção, mas como um ataque dos "outros" ou do "sistema".
A Dieta Carnívora e o Alinhamento com o Movimento MAGA
O que inicialmente era apenas uma dieta tornou-se, para alguns de seus promotores e adeptos, um símbolo de uma "guerra cultural" contra o que é percebido como a "agenda woke" (progressista).
* Símbolo de resistência anti-elite: A Dieta Carnívora, junto com a recusa em reduzir o consumo de carne, passou a ser vista em certos círculos de direita, influenciados pelo movimento MAGA e pela "manosfera" (comunidades online que promovem a masculinidade tradicional), como um ato de resistência. Ela desafia abertamente as diretrizes alimentares mainstream, frequentemente associadas a políticas ambientais e de saúde pública.
* Identidade e Masculinidade: Dentro de certas narrativas, comer grandes quantidades de carne é reassociado à força, virilidade e a um estilo de vida "natural" e "não regulado", contrastando com o que é retratado como uma alimentação frágil. Ser um "carni-bro" (termo coloquial) torna-se uma declaração identitária.
* Ceticismo e Desconfiança: A adesão a dietas extremistas é muitas vezes impulsionada por uma desconfiança generalizada em relação às instituições tradicionais – incluindo a ciência nutricional e o governo –, alinhando-se com o ceticismo em relação a especialistas, uma marca registrada do populismo de direita.
A Dieta da Selva/Carnívora, portanto, é mais do que um modismo alimentar; ela é um exemplo de como a saúde e a nutrição podem ser capturadas por narrativas políticas e culturais extremistas, utilizando táticas de persuasão que buscam isolar os adeptos do conhecimento científico estabelecido.
Referências Bibliográficas:
* British Heart Foundation. The carnivore diet: why it's not good for your health. (Cita o risco de aumento de colesterol e a falta de nutrientes essenciais como fibras e vitaminas).
* Belt Nutrition. Dieta Carnívora: o que é, como funciona, benefícios e riscos. (Cita especificamente a falta de fibras, vitaminas e minerais, e os riscos à saúde cardiovascular e aos rins).
* CNN Brasil. Dieta carnívora: famosa nas redes sociais, entenda se faz bem à saúde. (Reporta alertas de especialistas sobre deficiências nutricionais, sobrecarga de órgãos vitais e risco de cálculos renais).
* The Guardian. 'Plants are trying to kill you': why carnivore influencers claim we should eat only meat. (Artigo que discute a dinâmica cult-like, a demonização de vegetais e a associação do consumo de carne à masculinidade, usando slogans como “make beef great again”).
* Bloomberg Línea. Menos carne e mais vegetais: estudo reforça valor da dieta para a saúde e o planeta. (Aborda como "o avanço do populismo de direita fortaleceu movimentos que associam o consumo de carne a valores identitários" e a polarização "anti-woke").
* r/vegan (Reddit). Why do carnivore people behave like a cult?. (Discussão que detalha táticas como a criação de um senso de ser "escolhido" e de que a medicina mainstream é "corrupta/idiota").
(Nota: Artigos de fontes noticiosas e de divulgação científica são citados devido à natureza controversa e recente do tema, especialmente no que tange à sua dimensão cultural, política e de dinâmica de grupo, que frequentemente não é o foco de estudos clínicos de longo prazo.)
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

