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Fernando Lionel Quiroga

É professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), na área de Fundamentos da Educação. Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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A escola: casa da morte

Três fatores eminentemente políticos estão diretamente relacionados ao problema dos atentados nas escolas

(Foto: Reprodução/TV Globo | Reprodução/Google Street View)
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Outro ataque violento em uma escola na Zona Oeste de São Paulo acaba de entrar na onda dos massacres em escolas. Um fenômeno conhecido como school shooting que, dos anos 1990 (não coincidentemente o mesmo período do alvorecer neoliberal em diversos países, e inclusive o Brasil) até os nossos dias tem se multiplicado de modo exponencial. Na mais recente tragédia, ocorrida na manhã da última segunda-feira (27), dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro,um adolescente de 13 anos assassinou a facadas uma professora de 71, além de ferir outras três professoras e um aluno. 

Perguntas sobre quais motivações podem ter culminado nos ataques têm passado pela misoginia, o preconceito, o bullying, o racismo, os elos com o neonazismo, a influência dos modelos comportamentais midiáticos e dos games etc. A preocupação concentra-se também no ambiente familiar e outros ambientes sociais igualmente suscetíveis ao desenvolvimento de atitudes que podem desencadear comportamentos violentos. Mas, quando a preocupação concentra-se quase que integralmente nas causas, há o risco de negligenciar outros aspectos não menos importantes do problema em perspectiva.

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Três fatores eminentemente políticos estão diretamente relacionados ao problema. São eles: a) o ataque às instituições escolares (vistas como antigos casarões obsoletos em um mundo cada vez mais digital, veloz e consumista); b) a ampliação das escolas particulares que, seguindo a lógica dos condomínios fechados, pretende transmitir uma maior segurança às famílias; c) a escola como ideia absurda e descolada da ideia de futuro, e um futuro de vida decente. 

Nesta configuração, amadurece a ideia da homeschooling (ou ensino doméstico), que para a esmagadora maioria da população brasileira, por razões históricas (sintetizada pela chegada tardia da universidade), carece de um capital cultural mínimo para gerir a educação das novas gerações, pode simplesmente ser entendida como um esvaziamento da ideia de escola enquanto direito inalienável assegurado pelo Estado.

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E, finalmente, podemos agora, a partir da consideração destes pontos, entender a metamorfose histórica da escola, originalmente compreendida como espaço da vida, isto é, o lugar destinado à formação das novas gerações, para o espaço da morte, o laboratório da nova psicotécnica do neoliberalismo, que projeta  sobre a escola a representação de uma instituição antiquada, restando-lhe uma incômoda posição diante da concorrência desleal de um mundo recheado de  shoppings centers, academias fitness, além do mundo digital e seus conteúdos de informação e entretenimento irresistíveis.

Diante disso, a escola se transformou no espaço do homo sacer, isto é, no lugar onde, qualquer um pode ser a próxima vítima de um ataque fatal. Segundo o filósofo italiano Giorgio Agamben, homo sacer é uma figura do direito romano em que um indivíduo, banido dos direitos civis, é considerado “sacro”, isto é, pode ser morto por qualquer pessoa sem que esta sofra qualquer consequência penal. Pode matar impunemente. A escola teria se tornado este lugar cuja morte está marcada no batimento cardíaco dos professores e seus alunos. 

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O assassino, aqui, transcende a ideia do sociopata como tipo-ideal. Ele representa uma ideia. O atirador de escola, o esfaqueador de escola, o que faz, no fundo, é atirar e esfaquear a própria escola por meio dos corpos que a habitam. É uma atitude de origem essencialmente política (em sentido negativo), em um contexto em que a escola é vista como gasto pelas elites do dinheiro. O assassino é uma ideia a ser replicada por meio de um sistema midiático e digital, com ênfase especial aos games, dentro de uma lógica de reforço positivo. 

A violência de um ataque a faca por um adolescente de 13 anos é o epítome do fracassado projeto civilizatório. As escolas são os espaços ideais pelos quais este tipo de ataque chega imediatamente ao grande público. A escola é, por assim dizer, o teatro da tragédia social. 

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A situação-limite e de maior gravidade é que, com exceção dos alunos, professores e familiares envolvidos no episódio, a tragédia não cumpre o seu papel, de produzir a catarse - isto é, de expulsar aquilo que é insuportável à própria vida. Entretanto, a forma de viralização com a qual as notícias têm chegado é incapaz de produzir o efeito catártico presente na estrutura da tragédia. Assim, a facada torna-se ela mesma um ato selvagem, sem qualquer vínculo com o espírito humano. E um mundo sem catarse é um mundo sem cultura. A violência transforma-se em um gesto meramente mecânico. O passo subsequente é que a escola, ao haver se tornado o lugar do homo sacer - a casa da morte - cujos crimes devem se tornar ainda mais intensos e numerosos - torna-se imediatamente o espaço de um medo profundo. O efeito em cadeia é que, em estado de fobia, ensinar e aprender tornam-se funções impossíveis. Finalmente, a escola tem servido aos interesses daqueles que pretendem instaurar o “insuportável” como o novo paradigma da vida. O que está em curso é o projeto de uma vida insuportável de ser vivida. 

Assim, o school shooting (mais ou menos “tiroteio na escola”), revela-se como fenômeno político, cujo disparador encontra-se na algazarra zombeteira das elites do dinheiro que festejam a cada vez que um tijolo do Estado de Direito é desmontado. 

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