A falácia do espantalho comunista
O Brasil nunca esteve à beira do comunismo
O Brasil se notabiliza, tristemente, como uma das economias mais desiguais do planeta. Só em dois períodos históricos, durante os governos Vargas e Lula, criaram-se políticas que visavam diminuir esse pornográfico diagnóstico. A desigualdade marca a vida dos brasileiros e teria selado para sempre o futuro de muitos desde o nascimento, não fosse a criação de políticas públicas de mitigação da distância.
Isso ocorreu, primeiro, com a Consolidação das Leis do Trabalho, por Getúlio, que nasceu para regulamentar as relações trabalhistas e com o impulsionamento de programas de transferência de renda e de valorização do salário-mínimo implementados por Luiz Inácio desde seu primeiro mandato.
Cabe lembrar ainda a obrigatoriedade da concessão do 13º salário, instituída em 1962 no governo de João Goulart, por lei de autoria do deputado Fernando Ferrari, também do Rio Grande do Sul – dois anos antes do Golpe de 1964, é importante observar. A emergência dos setores populares por melhorias nas condições de vida, via greves e mobilizações sociais, inflamava os setores conservadores.
É fato notório o “Plano Cohen” da ameaça comunista, um documento forjado por militares brasileiros com a intenção de instaurar a ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937.
Os golpes que aqui “gorjeiam”
A fake news no Plano Cohen, de quando mentira ainda se chamava mentira, formulada pelo militar Olímpio Mourão Filho, logrou êxito e deu origem ao golpe do Estado Novo em 1937. Por sinal, o mesmo Mourão Filho foi o general que botou os tanques nas ruas dando ensejo ao golpe civil-militar de 1964. Sempre ele e seus pares esgrimindo a ameaça da comunização do país. Nada mais falso.
Em seu único período como partido de massas, o antigo PCB, liderado por Prestes, durante sua existência legal em 1946, atingiu 200 mil inscritos e obteve quase 10% dos votos nas eleições presidenciais.
Muito distante, portanto, da efetiva conquista do governo, vencido na época pelo marechal Dutra. Posto na ilegalidade em 1947, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) se radicalizou paulatinamente e acabou perdendo adeptos aceleradamente.
Por incrível que pareça, o governo do mineiro Juscelino Kubitschek sofreu três tentativas de golpe, sempre com o pretexto do apoio fantasma comunista. O apoio existia, mas era eleitoralmente pouco expressivo, graças à atomização do Partidão.
Na renúncia de Jânio Quadros, em 1961, o que mobilizou a sociedade civil e até setores da caserna foi a defesa da legalidade democrática. Bandeira erguida por Brizola na chefia do governo do Rio Grande do Sul e que obteve a adesão do general Machado Lopes, comandante do III Exército.
Hoje, percebe-se que a conversão de Cuba à órbita da antiga União Soviética e, após a crise dos mísseis entre Kruschev e Kennedy, a histeria comunista tomou conta de Washington. A fria recepção a João Goulart em visita aos Estados Unidos, em 1962, já dava o tom do que poderia vir pela frente: o golpe de 1964, com a colaboração decisiva dos EUA.
A elite entreguista e o medo das reformas
Na lógica atual de aprofundamento do neoliberalismo e da plataformização do sistema capitalista, é preciso apartar o Estado da indução da economia. É a clarificação da lógica do mais forte. Uma espécie de retorno ao darwinismo social de triste memória.
O fortalecimento do Estado e seus instrumentos de inserção, bem como a exigência das mulheres, dos negros e da população LGBT+ pelo respeito e igualdade, são vistos pelos setores do capital e pelo extremismo direitista como comunismo, mesmo sendo pautas estas que ganharam notoriedade na terra paladina do capitalismo, os Estados Unidos, e outros eixos liberais do Norte.
Avessos a qualquer perspectiva de avanço social, propagadores da negação à ciência, negadores das mudanças climáticas, avessos à cultura e à arte, esse reacionarismo se junta a setores do neopentecostalismo evangélico e de obscuras organizações minoritárias do catolicismo para novamente ostentar o espantalho: a ameaça comunista.
Mas que comunismo é esse?
No Brasil atual, as forças que se denominam comunistas, apesar de respeitáveis, não têm força política ou social para movimentar a sociedade.
Já as forças que se denominam socialistas democráticas, o PT entre elas, repudiam o partido único, são frontalmente contrárias à chamada ditadura do proletariado, defendem os sindicatos e todos os meios associativos, defendem o direito à alternância no poder por intermédio das eleições livres, periódicas e diretas, e a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
O cerne de seu programa é a defesa dos menos favorecidos e o direito à livre expressão da cidadania.
Nutridas na lógica da “farinha pouca, meu pirão primeiro”, as elites dominantes e o seu subproduto, o extremismo direitista, denominam toda e qualquer reforma no “status quo” como perigo comunista. Uma falácia.
Defender um sistema único de saúde público, uma educação pública e universal e um Estado de bem-estar social são bandeiras democráticas com forte viés social. Defender a democratização da terra e a reforma urbana também.
Democracia sem direitos e deveres não é democracia. Não afeitas ao jogo democrático, as forças conservadoras brasileiras deliberadamente confundem o aprofundamento do ambiente democrático com ditadura.
Não é ato falho. É projeto.
O Brasil nunca esteve à beira do comunismo. Erigi-lo como retórica não é só uma mera mentira. É uma barbaridade demagógica. Até quando essa desonestidade intelectual perpetuará como arma?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




