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Inez Lemos

Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

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A gênese do crime organizado

O massacre ocorrido no Rio deve ser analisado em sua radicalidade

Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 - Moradores protestam contra execuções na comunidade da Vila da Penha, alvo da Operação Contenção. No carro está escrito 'organize seu ódio' (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O crime organizado é filho do descaso da sociedade que, ao criar a miséria, estabelece as condições para a rebeldia, delinquência e descrença no pacto social.

O massacre ocorrido no Rio deve ser analisado em sua radicalidade.

Nasce uma criança numa comunidade, favela. Geralmente, cresce sem muitos recursos num lar sem o pai, mãe solo. Escola precária, poucas ofertas que estimulem a criatividade - espaços de arte, música, biblioteca, rodas de leituras, esportes. Visitas constantes de policiais truculentos, chutam portas, atiram - matar é diversão.

Oportunidade é convite à pulsão de vida, respiro ao vazio existêncial. Sem ela, ninguém ascende, muda de posição, conquista sonhos.

Seja no Brasil ou na França, só conseguimos melhorar de vida por meio de ações que acolhem crianças, jovens e adolescentes - vítimas  da violência, racismo, homofobia, aporofobia.

Édouard Louis, escritor francês em "Mudar: Método" relata seu processo de autotransformação. Como conseguiu abandonar o destino de jovem de pequena cidade do norte da França, filho de pai operário, violento -  realidade de pobreza, homofobia e miséria intelectual.

Trajetória que testemunha força de vontade, esforço e oportunidades por ele cavadas - se agarrou aos estudos, leituras e pessoas que abririam espaço para que chegasse aonde chegou.

A chacina no Rio começa com a união de presidiários revoltados com o futuro que traçamos a eles, jovens infratores que acabaram no crime por falta de oportunidades.

A desigualdade social é convite à revolta, resposta à humilhação - que convoca ao crime. Situação explorada eleitoralmente - a angústia gera medo e a população exige segurança.

Cria-se a barbárie para justificar o massacre que assegure votos - ações improdutivas, sem inteligência, assassinas de inocentes. Aos olhos de ingênuos, o esforço contra o crime organizado merece aplausos. Organizações criminosas com a participação da própria polícia - milicianos, empresários da corrupção, propina. É a necropolítica em ação - quando a morte é solução covarde do perverso que goza com sangue escorrendo.

As facções do crime organizado estão entranhadas nas atividades econômicas, parcerias com empresariado, classe política que assegura a aquisição de armas - facilidade criada por Bolsonaro. Não mais vendedores de drogas no varejo há muito tempo. Se quiserem desvendar o curso do crime organizado, devem rastrear o dinheiro, as grandes fortunas, com certeza não estão nas favelas. Migraram para a Faria Lima, centro vital da economia do país.

O genocídio do Rio foi uma estratégia eleitoral do governador bolsonarista para responsabilizar o governo federal, golpe sujo de gente que não ama o Brasil e quer a volta da extrema-direita ao poder, sabotando a reeleição de Lula.

Sem um projeto de inteligência nacional, sem a união de todos os Estados, sem oferecer oportunidade aos jovens, nada irá mudar.

Enquanto a vida nas comunidades não se tornar mais interessante e sedutora que a do crime, não trabalhar a autoestima dos jovens, essa guerra nascerá perdida. A violência é movida a libido, adrenalina, desejo de pertencimento. Tudo que falta na carência, na pobreza - ausência de oportunidades e justiça.

O estupor não pode ganhar do belo, a potência da poesia deve ser maior que a do fuzil.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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