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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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A Libertadores confirmou o Flamengo como a maior força de atenção do Brasil

Triunfo em Lima revela um clube convertido em força cultural, onde gestão meticulosa, comunidade massiva e método constante moldam poder que transcende futebol

Jogadores do Flamengo celebram vitória (Foto: Gilvan de Souza / Flamengo)

A vitória por 1 x 0 sobre o Palmeiras, na final da Libertadores disputada em Lima na noite deste sábado, 29 de novembro, não foi apenas um resultado: foi a confirmação de que o Flamengo atravessou a fronteira entre clube esportivo e potência cultural. O único gol, marcado por Danilo, selou uma noite em que o time não precisou de espetáculo — bastou maturidade, controle emocional e a sensação de que, mesmo nos jogos apertados, existe uma máquina silenciosa sustentando tudo. A partida foi tensa, truncada, marcada por nervos expostos. E talvez seja justamente aí que se vê o tamanho do Flamengo: mesmo sem brilho, vence.

Torço pelo Flamengo desde meados dos anos 1970 — devoção afetiva, não militante. Não me arrisco em debates de tática, não acompanho contratações, não sei a escalação de cor. Minha memória é outra: Zico aproximando-se da bola como quem conversa com ela; Carpegiani lendo o adversário como quem decifra um segredo; Nunes rompendo defesas com grande precisão; Bebeto abrindo caminhos onde não havia espaço; Júnior conduzindo a bola como quem leva uma taça de cristal por um corredor estreito. Essa era a magia daqueles tempos.

Hoje, sei de cor apenas dois ou três nomes do time campeão — Bruno, Arrascaeta, Cebolinha — e isso não me diminui como torcedor. Ao contrário: me permite observar outra dimensão do clube. Porque o Flamengo do presente não depende da lista de titulares que consigo recitar, mas da estrutura invisível que sustenta o espetáculo.

Em 2013, o Flamengo devia R$ 750 milhões. Mudava presidente como quem troca lâmpada. Era emoção sem estrutura: inflamava a torcida no domingo, desmoronava na segunda. Onze anos depois, o clube fatura R$ 1,4 bilhão por ano. A virada não foi milagre: foi método. O Flamengo entendeu algo que Fluminense, Botafogo e Corinthians — cada um atolado em seus ciclos particulares de instabilidade — ainda buscam com lanternas fracas: futebol virou indústria da atenção.

O Flamengo não vende apenas um jogo; vende o acesso emocional diário de quarenta milhões de pessoas. Uma comunidade maior que muitos países. O patrocinador não compra espaço na camisa — compra prioridade num território sagrado onde milhões depositam devoção cotidiana. Cada vídeo, cada postagem, cada camisa é um canal. Futebol é o enredo; a atenção é o produto.

E há o fundamento silencioso por trás do brilho: profissionalização. Centro de treinamento que permanece, base que amadurece, dados que reduzem improviso, método que dá consistência, gestão que atua de segunda a sexta e não apenas na adrenalina do dia do jogo. Jogador deixou de ser gasto que evapora e virou ativo que retorna investimento.

Nesse percurso, o Flamengo provou o essencial: paixão move, mas processo multiplica. Torço pelo Flamengo por memória, por afeto, por ecos de infância. Mas hoje, na noite dessa Libertadores, compreendo que o clube se tornou algo maior que resultado — tornou-se uma lição prática de gestão.

No apito final, o título coroou o Flamengo — e algo maior se afirmou: quando um método se une a uma nação de torcedores, nasce um tetracampeão destinado a ir além.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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