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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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À luz de um momento

"Nosso campo precisa recuperar o brilho nos olhos, a paixão na militância, além da capacidade de ousar", escreve Pedro Benedito Maciel Neto

Adoçante aspartame no café (Foto: Pixabay)
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Domingo é dia de não fazermos nada, pelo menos aqui em casa a preguiça dominical orienta os nossos movimentos que são econômicos, silenciosos e que não buscam grandes transcendências; também é dia de irmos à Ricco Pane, a padaria aqui pertinho de casa; gosto de tomar café com leite, numa xicara grande, e comer pãozinho de água na chapa, sem miolo e com manteiga Aviação, já a Celinha gosta de chocolate quente, que ela faz acompanhar de um pãozinho doce, daqueles cheios de açúcar que lambuzam os dedos.

Enquanto o jovem garçom prepara o pedido, trocamos impressões necessárias sobre os dias idos, nossos filhos, noras e netas e os caminhos que escolhemos, afinal foram eles que nos trouxeram até esse momento. 

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Gosto muito de observar o comportamento das pessoas do meu entorno, de cada um de per si, dos casais, das famílias que se acomodam e pedem, apressados ou não, desde um simples cafezinho, até o chamado pequeno-almoço, refeição capaz de quebrar o jejum e garantir energia para seguir o dia; observo e, inevitavelmente, ouço o que as pessoas conversam, quando conversam, especialmente aquelas que parecem desejar compartilhar suas opiniões, dada altura que afirmam suas certezas.

Sentou-se numa mesa pertinho da nossa um casal jovem, na faixa dos trinta e poucos anos, pediram um suco, ele, e uma água, ela; de celulares em punho, e sem trocar uma única palavra, buscaram o melhor ângulo e “se tomaron uma selfie”, como dizem os espanhóis, e seguiram mergulhados na tela do aparelho, no vazio e no silêncio.

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Noutra mesa dois rapazes conversavam sobre as eleições municipais; pelo que entendi são dirigentes de um desses partidos que não tem projeto, inserção na sociedade civil ou representação parlamentar na cidade, mas estavam ávidos por trocar o “tempo de TV” por espaços institucionais, uma tristeza.

É uma tristeza observar tantas certezas, nenhuma empatia, sorrisos falsos, poses instagramáveis e ouvir jovens tratando política como um produto que eles podem alugar.

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Sou de uma geração que pensava as relações humanas como um processo de construção e aperfeiçoamento permanentes; acreditávamos ter a difícil missão de construir um mundo que fosse fundado na liberdade, na participação democrática, na autoconsciência dos indivíduos, de seu papel como agentes de construção do mundo.

Éramos todos socialistas, os mais conservadores eram social-democratas, ninguém se declarava de direita, afinal, a ditadura militar terminava ostentando como resultado um fracasso retumbante em todas as áreas, além de ter nas mãos, indelevelmente, o sangue de milhares de brasileiros. 

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Bem, todos nós colocávamos a nossa vida, atenção e militância a disposição do coletivo, nosso objetivo era conferir ao mundo, imaginado e desejado, um caráter radicalmente democrático, uma democracia calcada em modelos participativos de decisão, esse era o nosso desejo.

Acreditávamos que apenas num mundo radicalmente democrático poderíamos encontrar significado para a nossa passagem por aqui, desejávamos uma vida heroica, uma vida de ação para o progresso e desenvolvimento da sociedade e, somente a partir desse ponto, nos preocuparíamos com o nosso próprio sucesso; ser de esquerda para a minha geração é atuar politicamente na sociedade, conhecê-la e, ao conhecê-la, levar a ela o inconformismo da necessária mudança.

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E não se trata de retórica ou ingenuidade, pois, acreditávamos que somente o conhecimento, e a ação que dele decorre, serve aos fins emancipatórios; aliás, é importante que se diga que conhecimento não compartilhado, ou não colocado em movimento, é algo diletante.

Sobre essas minhas inquietações a Celinha disse: “O que podemos fazer? A realidade parece que se impõe; vivemos de fato um tempo em que tudo que acreditamos parece está sendo questionado, deslegitimado, relativizado, tudo subordinado aos interesses individuais” e seguiu, sempre implacável: “o descredito generalizado nessa democracia formal e nas relações assépticas, faz crescer o individualismo e um trágico conformismo com a rudeza do egoísmo do capital”.

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Antes de respondê-la percebi que o meu café com leite havia acabado, mas ainda havia um pedaço de pão (eu fico incomodado quando eles não terminam ao mesmo tempo), por isso pedi um cafezinho cortado com um pouco de leite; e disse a ela que podemos fazer muita coisa, uma delas é denunciar o liberalismo; acredito que foi o liberalismo, ajudado pela maciça propaganda que o acompanhou a partir dos anos 1990, que obscureceu o nosso caminho e submeteu o caminhar a uma lógica que nunca desejamos, nem acreditamos, mas o fato é que o rumo dos acontecimentos fez esmaecer o brilho da nossa geração; que passamos os últimos trinta anos “trabalhando em empregos que odiamos, para comprar coisas inúteis que não precisamos, para impressionar pessoas de quem não gostamos, sempre procurando - nunca satisfeitos; esta é a sua [nossa] vida e está terminando um minuto de cada vez”, como disse Tyler Durden no “Clube da Luta” de David Fincher.

E, à luz de um momento, ela sorriu, como que concordando comigo (o que é raro, pois, a Celinha sempre busca sofisticar o nosso raciocínio, nossas aflições) e disse: “por um instante vi nos seus olhos o brilho do menino por quem me apaixonei, o menino ousado, atrevido e levado; se você escolher esse caminho estarei do seu lado”.

Aos sessenta anos ouvir que, mesmo que num instante, ainda há uma centelha do brilho da juventude no meu coração, foi muito bom.

O nosso campo precisa recuperar o brilho nos olhos, a paixão na militância, além da capacidade de ousar; o nosso campo precisa ouvir os jovens e dar a vez a eles, pois, a vez é deles; precisamos reencontrar o caminho e a interação com a sociedade, deixando de lado as poses instagramáveis e nos preocupando menos preocupados com os espaços institucionais colocar em movimento o que deve ser movimentado.

Essas são as reflexões.

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