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Marconi Moura de Lima

Professor, escritor. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Leciona no curso de Agroecologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e teima discutir questões de um novo arranjo civilizatório brasileiro.

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A não-vacina do Bolsonaro, a Necropolítica, o STF e o Necrodireito

Certeza: jamais vimos (nem nos livros de História) um tempo tão grotesco, tão sujo, tão instável quanto este de 2020 no Brasil

(Foto: Reprodução)
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Certeza: jamais vimos (nem nos livros de História) um tempo tão grotesco, tão sujo, tão instável quanto este de 2020 no Brasil. Por óbvio, a escravidão é, de longe, a principal dívida histórica com o povo e o desenvolvimento deste País; a colonização foi (é) um processo de anti-produção sustentável, tecnológica, cultural e cognitiva à população deste território; e a Ditadura Militar, se dúvidas, carimba o período de terror funcional-estrutural para os brasileiros. Todavia, é impossível imaginar que exista, na rotina de uma civilização democrática, um tempo em que um ser asqueroso, sem pudor, sem vergonha pudesse ensaiar todos estes modais anti-civilizatórios citados acima juntos. Pior: tão cinicamente capaz de dar ares de uma “normalidade” institucional ao País. Bolsonaro se supera como o “frankenstein” do pior pedaço de cada líder imundo que o Brasil já pode ter como chefes da nação. É o anti-humano governando humanos.

Exemplificando. Por esta semana que passou, a “última” do Presidente da República foi dizer que não aceitaria a vacina chinesa em território pátrio. Como cortina de fumaça, colocou a culpa de um possível jogo político no Governador de São Paulo, seu ex-amigo, João Doria. E somou a isso a falácia para dar ares de “heroísmo” afirmando que nenhum brasileiro irá arriscar sua vida tomando uma vacina sem comprovação científica de eficácia (logo o negacionista da ciência – que receita Cloroquina para COVID-19 – sendo que a própria ciência rechaçou o uso do medicamento – vem fundar sua fala herética usando a ciência como fator). 

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Entretanto, tudo não passa de uma subserviência aos interesses dos EUA, especialmente, para lamber os sapatos do Donald Trump que tenta vencer lá no norte uma eleição quase perdida usando como arguição principal a polarização e a fabricação de uma pseudo guerra fria com a China (que, para este, é o inimigo a ser combatido a fim de que se mantenha o poder estadunidense e a vida boa dessa gente). 

Porém, a fala de Bolsonaro não é apenas um discurso de panfletinho subalterno. Também não é um mero ensaio ideológico a seus 30% de apoiadores gadificados. Tampouco é um simples jogo político regional para manter polarizada a sociedade brasileira. Trata-se de assassinato indireto. Bolsonaro, com sua verborragia de botequim, mata milhares (talvez matará milhões) de brasileiros, pois implanta ainda mais inércia nas ações que precisam ser imediatas (para anteontem) na luta contra o coronavirus; institui ainda mais o parâmetro da dúvida numa parcela significativa da população desavisada, desestimulando estas pessoas ao seu cuidado preventivo e ativo quanto à saúde e ao enfrentamento da pandemia; cria um vazio no paradigma espaço-tempo em cujas consequências são irreparáveis e irreversíveis frente à doença do século. Em síntese: é assassinato de milhões, mais conhecido na literatura especializada como GENOCÍDIO... 

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O trabalho de Bolsonaro e a sua não-vacina como programa de governo (incapaz de operar a imunização do povo) é a síntese mais exata do que o filósofo Achille Mbembe chama de Necropolítica. Isto é, a partir da semântica do biopoder, das necessidades humanas mais emergentes em colisão com o controle hegemônico do poder decisório, do enviesamento da soberania, da violência (físico, mental, psicológica) como ferramenta de governança, Bolsonaro impõe seu domínio político – pela/para a esteira da morte àqueles que são “descartáveis”. 

Diante disto, temos (não temos) uma esperança: a Suprema Corte do Brasil[1]. Posto que há um crime contra a humanidade se avizinhando (ou já em devir), o STF tem sobre a sua Mesa a capacidade de operar toda a técnica do Direito para frear a “boca maldita” e a “caneta bic” do farsante que governa a Nação. 

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Normas não faltam para isto (justificação de um decisum in dubio pro societate frente ao Presidente do Brasil). Uma parte significativa do Capítulo III do Código Penal brasileiro é descumprida por Bolsonaro, incorrendo deliberadamente em “Crimes Contra a Saúde Pública”. Basta que, justaposto, se faça a análise hermenêutica frente às consequências graves à saúde da população a partir dos atos, palavras e omissões do Presidente, e a leitura aplicável de alguns artigos do diploma mencionado. Senão, vejamos alguns:

- “Art. 267 - Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”. Análise: embora não cause diretamente a propagação dos germes, quando veta partes fundantes da Lei de uso das máscaras, quando promove aglomerações de forma proposital, quando bloqueia o Ministério da Saúde para a elaboração de compra e distribuição da vacina contra a COVID-19, não precisa ser nenhum gênio para compreender que isso é uma forma de Bolsonaro CAUSAR EPIDEMIA;

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- “Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Análise: deliberadamente, Bolsonaro busca invadir as competências dos governadores que pretendem adquirir as vacinas e salvar vidas em seus estados; 

- “Art. 278 - Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal”. Análise: vejam os super estoques de Cloroquina que o Exército fabricou por ordem de Bolsonaro (dinheiro jogado fora – improbidade administrativa – que poderia ser usado para um eficaz combate à pandemia); 

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- “Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”. Análise: precisa discutir os impactos das palavras de um Chefe de Estado para sua população quanto ao uso de certos medicamentos e certas práticas(?); 

Some-se a isto um dos dispositivos da CF-88 que venho aferir faz tempo: trata-se do Art. 5º, XLIII, que diz: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles RESPONDENDO os mandantes, os executores E OS QUE, PODENDO EVITÁ-LOS, SE OMITIREM” (grifo nosso). Os atos de Bolsonaro não são outra coisa senão terrorismo (cito em detalhes em outro artigo que fiz para o Brasil 247). Feitas estas análises, vivemos um período de suplementar tragédia (que também impacta o Poder Judiciário) e que estou a chamar de Necrodireito. Isto é, o Direito usado como ferramenta institucional de operação da violência de Estado, ou o desdobramento operacional da Necropolítica. Em síntese, a lei, a positivação do Estado (processos legiferantes), e os procedimentos, métodos e técnicas de julgamentos usados para superestimar decisões judiciais de proteção do status quo (das castas) e da falsa estabilidade republicana (processos judicantes) que levam à sucumbência do País e, mais objetivamente, à mortificação das pessoas vulnerabilizadas.  Portanto, está nas mãos de suas excelências, os ministros do STF, fazerem mais do mesmo em malabarismos judicantes (normativos refundados à Necropolítica), ou romper com esse Necrodireito posto, e apear do poder, não o Presidente da República, todavia, sua política da morte, o tempo inteiro reiterada.

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[1] Partidos políticos impetraram um conjunto de ações junto ao Supremo Tribunal Federal para evitar que Bolsonaro intervenha nas unidades federativas quanto ao planejamento destas a fim da aquisição de vacinas e imunização das pessoas, assim também como prover uma espécie de obrigação de fazer do Presidente da República tangível a programa de vacinação de toda a população brasileira.

Compreenda melhor lendo a reportagem da Agência Senado aqui.

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