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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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A necessária revisão da Lei do Impeachment

Por que é urgente revisar a legislação que regula os processos de impedimento no país

Ministro do STF GIlmar Mendes (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Todos os dias a caminho do escritório ouço a CBN no rádio, na volta para casa ouço a Cultura de Amparo, que traz programas musicais, educativos e informativos, volto para casa ouvindo MPB, Música Clássica, Erudita, Jazz, Instrumental, Nostálgica e Contemporânea, recomendo.

Hoje ouvi comentário da jornalista Malu Gaspar sobre a liminar do ministro Gilmar sobre a Lei do Impeachment.

Os comentários da jornalista me estimularam a escrever o que penso sobre a questão, mesmo que de forma ainda perfunctória. Falta preparo técnico, vivência na área jurídica à jornalista, talvez por isso tenha falado algumas bobagens, numa das rádios mais ouvidas do Brasil. 

Vamos contextualizar a questão.

A Lei do Impeachment é de 1950, foi promulgada sob a égide da Constituição de 1946, o que torna indispensável ou, no mínimo, pertinente, o exame do seu conteúdo à luz dos preceitos da Constituição de 1988.

Há um exemplo interessante, que ilustra a pertinência de revisão da lei do Impeachment, vamos a ele.

Todos sabem que quem preside a sessão de julgamento do Impeachment é o presidente do STF. Mas por que o presidente do congresso não é o responsável pelo ato? Simples, em 1950 o presidente do congresso era o vice-presidente da república e haveria evidente conflito de interesses.

Não fosse o baixíssimo nível atual dos congressistas - agravado com os resultados eleitorais de 2018 e 2022 -, esses temas deveriam estar sendo debatidos, com democrático envolvimento da sociedade civil organizada.

Fato é que o STF foi provocado pela ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB e pelo partido político SOLIDARIEDADE, que levaram ao STF o assunto através de um instrumento chamado ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADPF.

E, como podemos ler na decisão do ministro Gilmar Mendes, os pedidos trouxeram alguns eixos: (i) quórum de admissibilidade e de instauração de processo de impeachment contra Ministros do STF; (ii) afastamento automático de membro do STF decorrente da instauração do processo de impeachment e redução de vencimentos; (iii) necessidade de apresentação de denúncia por crime de responsabilidade exclusivamente pelo Procurador-Geral da República; (iv) tipificação do crime de responsabilidade pela mera discordância com a hermenêutica empreendida pelos magistrados; (v) imposição de medidas cautelares a candidatos por meio de decisões judiciais proferidas em período antecedente ao pleito eleitoral.

Voltando à jornalista Malu Gaspar, de quem gosto muito. Ela chegou a insinuar que a ADPF teria sido “encomendada” pelo ministro Gilmar Mendes ao Deputado Paulinho da Força, membro do SOLIDARIEDADE.

Com todo respeito à jornalista, mas a insinuação é uma leviandade, pois, ela ignora e omite aspectos fundamentais; 1º) a AMB ingressou com idêntica ação,  o que desconstrói a insinuação da citada jornalista e 2º) a lei sob análise nasceu sob a égide da constituição de 1946 e que, de lá para cá, o Brasil sobreviveu à Constituição da ditadura em 1967 e a 146 alterações constitucionais em menos de quarenta anos.

Sendo assim, por que a lei do Impeachment não poderia ser objeto de debate ou alteração?

E, ao contrário do que foi dito, o que o Ministro Gilmar Mendes fez, em sede de liminar, foi atender parte do que foi pedido.

Mas o que foi pedido? (i) estabelecer que somente o Procurador-Geral da República possui legitimidade para oferecer denúncia pela prática de crime de responsabilidade por Ministro do STF; (ii) fixar o quórum de maioria qualificada de 2/3 (dois terços) para admissão de denúncia de impeachment de Ministro do STF; (iii) estipular a inadmissibilidade de instauração de processo de impeachment contra membro do STF por seus votos e opiniões proferidas no exercício da jurisdição; no mérito o STF deverá enfrentar aspectos de mais profundida como a declaração, ou não, de não recepção dos artigos 39, itens 4 e 5; 41; 47; 54; 57, “a” e “c”; 70 da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950); e (iii) a atribuição de interpretação conforme à Constituição ao art. 236, § 1º, do Código Eleitoral, a fim de vedar a imposição de medidas cautelares em desfavor de candidatos, desde os 15 (quinze) dias que antecedem o primeiro turno até as 48h (quarenta e oito horas) subsequentes ao término de eventual segundo turno.

Não vou comentar toda a decisão, pois, ela merece algumas releituras, contudo, confesso que não me agrada, e não encontro fundamento constitucional para tal, estabelecer-se que somente o Procurador-Geral da República possui legitimidade para oferecer denúncia pela prática de crime de responsabilidade por Ministro do STF, sendo assim, discordo da suspensão liminar da expressão “a todo cidadão” inscrita no art. 41 da Lei 1.079/1950.

Por outro lado, me parece muito salutar fixar-se quórum de maioria qualificada de 2/3 (dois terços) para admissão de denúncia de impeachment de Ministro do STF, bem como estipular a inadmissibilidade de instauração de processo de impeachment contra membro do STF por seus votos e opiniões proferidas no exercício da jurisdição.

Também creio na adequação da liminar quando ela suspende a suspensão do “mérito de decisões judiciais” como conduta típica para efeito de crime de responsabilidade.

O contexto histórico pesou na decisão do ministro, não se pode negar que desde 2018, após as eleições presidenciais, o STF e seus ministros são objeto de ataques de toda a ordem, ataques que buscam a desqualificação e a deslegitimação da corte; e frise-se, não são criticas necessárias que buscam o aperfeiçoamento, mas desejo verbalizado de “fechar o STF”. 

Em síntese, se a nossa constituição mereceu, em menos de quarenta anos, 146 emendas ou complementos, por que uma lei de 1950 não pode ser questionada?

Apenas desejo que o Plenário do STF e o Congresso Nacional reflitam, de forma republicana, sobre tudo quanto contém as ações da AMB e do SOLIDARIEDADE.

Essas são as reflexões que compartilho com o leitor.

Pedro Benedito Maciel Neto, 61, advogado, sócio da www.macielneto.adv.br, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. Komedi, 2007; “Tensão entre poderes”, ed. Apparte, 2024, dentre outros – pedromaciel@macielneto.adv.br 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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