A prisão de um instrumento do imperialismo não me causa alegria
Devemos sempre ter a preocupação de que a perversidade do bolsonarismo nunca nos contamine
Por fim, aconteceu aquilo que vinha sendo ardentemente esperado (e desejado) por boa parte de nosso povo, e, ao mesmo tempo, temido por alguns: a prisão de Jair Bolsonaro.
Os que estão se regozijando com seu encarceramento argumentam que se trata do mínimo que mereceria um dos mais escrotos e asquerosos seres da política brasileira em todos os tempos. Para essa imensa massa de pessoas, o patriarca do bolsonarismo simboliza o ponto máximo de toda a podridão ética, moral e de falta de caráter, que sempre foi a marca distintiva das classes dominantes de nosso país.
Por isso, para as dezenas de milhões de brasileiros que defendem esta visão, tratou-se do desenlace natural para o líder de uma organização criminosa que se caracterizou sempre por colocar suas ambições pessoais na frente dos interesses da nação; um ser que soube se enriquecer através de trambicagens tão sórdidas que fariam corar de vergonha os chefões do PCC e do CV; alguém que foi capaz de rir e debochar do sofrimento dos familiares das mais de setecentas mil pessoas que morreram durante a pandemia de Covid-19, em razão de sua criminosa negligência; um machista e racista da pior estirpe, ou seja, uma figura nefasta e desprezível como poucas havidas na história da humanidade.
No entanto, a despeito de achar justos, válidos e verdadeiros, todos os pontos mencionados no parágrafo anterior, quero expressar publicamente minha contrariedade com as demonstrações de efusiva alegria pela prisão deste meliante. É que, por mais indecente, detestável e abominável que seja o dito cujo, não deveríamos jamais nutrir sentimentos de satisfação por vê-lo padecer, ainda que seja em um nível mínimo, o tipo de sofrimento que ele e seus seguidores gostam de infligir a todos os que se opõem a seus desígnios malignos.
Considero de grande relevância que nós (os que nos identificamos com as maiorias populares) jamais nos deixemos levar pelos mesmos impulsos atrozes dos nazifascistas, dos inimigos do povo brasileiro, dos traidores de nossa nação. Devemos sempre ter a preocupação de que a perversidade do bolsonarismo nunca nos contamine. O bolsonarismo significa uma completa insensibilidade com a dor alheia, o bolsonarismo equivale a uma absoluta ausência de pruridos éticos, o bolsonarismo conduz à desumanização do ser humano. Portanto, nada disso deveria nos contaminar.
Mas, que fazer para que alguém com todas essas qualificações maléficas não continue colocando em risco o destino de nosso povo? Para mim, a resposta não está em impor-lhe sofrimentos do tipo que ele e seus adeptos adoram impingir a seus desafetos. Para nós, a grande medida que ajudaria o povo brasileiro a se livrar para sempre da ameaça que ele personifica está em encontrar maneiras de inviabilizá-lo para sempre em seu papel de instrumento sórdido das classes dominantes (nossa elite do atraso), para que estas não persistam em sua, até agora, eterna subjugação do povo em benefício de seus mesquinhos interesses.
Para eliminar de vez os bolsonaros (e o bolsonarismo) da cena política, precisamos aplicar penas severas aos patrocinadores dessa corrente neonazista, àqueles que os engendraram e os sustentam. É que, como deve estar claro para todos nós, os membros do clã e sua quadrilha não passam de agentes do grande capital entreguista e vende-pátria, que sempre deu as cartas por aqui. Então, não nos basta descarregar nossa bronca e sentir-nos aliviados ao contemplar o enjaulamento do cão-de-guarda-mor do capital entreguista.
Em consequência, nosso objetivo primordial, aquele que de fato nos proporcionará satisfação genuína, só será alcançado quando pudermos eliminar as bases de sustentação do capitalismo de vassalagem que predomina por aqui. Em vista disto, por mais que nos seja reconfortante observar o desmoronamento da podridão encarnada pelo expoente maior do bolsonarismo, não podemos cair na besteira de acreditar que ele é a essência de toda a maldade que vem infernizando a vida de nosso povo há muito tempo.
A bem da verdade, essas figuras grotescas, desprovidas de moralidade e ética, foram, em seu momento, muito úteis para o sistema de capitalismo subalterno aos grandes centros hegemônicos, ao qual sempre representaram fidedignamente. Porém, nunca passaram de meros instrumentos, plenamente descartáveis, passíveis de serem substituídos tão logo deixem de estar aptos a levar adiante as tarefas exigidas pelos interesses maiores dos verdadeiros senhores.
Assim, não me parece correto supervalorizar a decretação da prisão do líder nominal da organização criminosa. Entendo que nos seria bem mais conveniente ter a compreensão de que estamos simplesmente dando um pequeno passo no sentido de extirpar de vez as famigeradas bases da injustiça social que vem nos infelicitando há muito tempo. Se o encarceramento de sujeitos do tipo do ex-presidente bolsonarista contribuir para a consecução deste objetivo, cabe-nos aceitá-lo e apoiá-lo, mas não nos deleitarmos com este tipo de coisas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




