A transição energética não está retrocedendo – apenas se tornou mais silenciosa
A expansão em grande escala da energia solar e eólica exige fontes “firmes”, capazes de manter a estabilidade das redes
(em referência a reportagem original publicada pelo The New York Times)
A cobertura recente – incluindo o relatório do New York Times reproduzido pela Folha no Brasil sobre empresas de energia que estariam “retornando” aos combustíveis fósseis – sugeriu um recuo mais amplo na transição energética. A narrativa concentra-se em decisões como a aquisição, pela TotalEnergies, de ativos de geração a gás na Europa ou no novo entusiasmo da ExxonMobil pela exploração de petróleo e gás. Mas tratar esses exemplos como sinal de uma reversão global simplifica demais uma realidade muito mais complexa.
O que está acontecendo não é o abandono da transição, mas uma recalibração de como ela é executada e comunicada.
Um ponto essencial ausente em grande parte dos comentários é a distinção entre estratégia e comunicação. Após uma década de discursos climáticos ambiciosos e anúncios ousados sobre energia renovável, diversas empresas perceberam que falar alto traz desgaste político, ativismo de acionistas, acusações de greenwashing e expectativas públicas irreais. Muitas estão optando por comunicar menos – não por fazer menos. Na verdade, essa fase mais silenciosa coincide com uma expansão mais técnica e orientada pela engenharia de projetos de baixo carbono.
Outro aspecto ignorado na cobertura é que a expansão em grande escala da energia solar e eólica exige fontes “firmes”, capazes de manter a estabilidade das redes quando o clima não colabora. Na Europa, esse papel cabe principalmente ao gás natural. Quando a TotalEnergies investe em usinas a gás, como relatou o New York Times, não está voltando a um modelo centrado em fósseis, mas sustentando a estabilidade necessária para ampliar renováveis. Ao mesmo tempo, a empresa permanece entre os maiores investidores globais em solar, eólica offshore, armazenamento em baterias e hidrogênio – uma estratégia dupla de diversificação, não de retrocesso.
A ideia de que a transição está sendo abandonada também ignora as assimetrias regulatórias. ExxonMobil e Chevron, atuando em um contexto político norte-americano cada vez mais cético em relação às políticas climáticas, nunca foram as campeãs da descarbonização que suas concorrentes europeias tentaram ser. Ainda assim, empresas como BP, Shell, Equinor, ENI e Repsol continuam investindo bilhões em tecnologias de baixo carbono – de forma mais seletiva após a recente queda nas margens da eólica offshore, mas longe de uma retirada.
A verdadeira mudança é de maturidade. As empresas de energia passaram a aceitar que a transição não será linear, rápida nem barata. Uma virada absoluta e repentina contra os hidrocarbonetos poderia desestabilizar mercados, prejudicar o valor para acionistas e comprometer a segurança energética – justamente as condições que tornam as políticas climáticas mais difíceis de avançar.
O que estamos vendo não é um ressurgimento do entusiasmo pelos combustíveis fósseis, mas o surgimento de uma transição mais pragmática e menos performática. Menos marketing, mais engenharia. Menos slogans, portfólios mais equilibrados. A transformação das grandes empresas de energia continua em curso – apenas entrou em uma fase mais silenciosa e realista.
Jean-Paul Prates é presidente do CERNE.org.br/en. Mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e mestre em Economia da Energia pela IFP School (Paris). Foi presidente da Petrobras (2023–2024) e senador pelo Brasil (2019–2023).

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



