Ainda sobre austeridade fiscal e seus efeitos
Não há evidência de que austeridade fiscal e monetária contribua para a recuperação de um país, reduz a inflação, é verdade, mas à base da recessão
Eu queria escrever sobre o título da PONTE, minha macaca é campeã nacional, mas um amigo meu, um pouco confuso com o fato de suas certezas terem sido questionadas no meu artigo meu publicado no CORREIO POPULAR, jornal aqui de Campinas.
Ele escreveu para mim o seguinte: “Dos piores artigos que alguém já escreveu. Ranço petista. Confunde alhos com c#cô. A crise de 29 todos sabemos os motivos, estudamos. Inclusive levou a um grande líder da esquerda na Alemanha, a surfar na onda dos erros econômicos. Um tal de Adolf. Um país pode ter déficit. Mas esse déficit deveria gerar oportunidades (investimentos) para gerar empregos e crescimento. Quando idiotas da esquerda distribuem dinheiro a rodo, notadamente para funcionalismo público e aposentados públicos, destroem o país, o futuro”.
Confesso que fiquei surpreso com a ácida mensagem, pois, até os minerais sabem que as certezas neoliberais derretem no mundo todo, que Hitler foi um líder de extrema-direita, assim como Mussolini, Franco, Salazar e Bolsonaro e que eu sou modesto militante da Esquerda democrática, onde estão João Campos, Jonas Donizette, Wandão Almeida e onde estiveram Ariano Suassuna, Antônio Houaiss, Miguel Arraes, Roberto Amaral e Eduardo Campos.
Vou tentar, didaticamente, fazer com que o meu amigo se liberte das suas certezas neoliberais e que possamos fazer as críticas necessárias para aperfeiçoamento do Estado, suas instituições e estruturas.
Vamos lá.
EFEITOS POLÍTICOS
A austeridade fiscal não é uma forma inevitável de conduzir uma economia, é um projeto ideológico-político que escolhe, sempre, fazer com que a classe-média e os trabalhadores paguem os chamados ajustes.
E, creiam queridos leitores, a austeridade fiscal abre caminho para projetos de poder autoritários, pois contém a semente do desencanto, da revolta e da revanche, foi assim na Itália, na Alemanha no primeiro terço do século passado e no Brasil a partir de 2013.
A austeridade - conjunto de políticas econômicas que visam reduzir os déficits nos orçamentos públicos, por meio de cortes de gastos ou aumento de impostos -, sempre atinge as classes médias e os trabalhadores.
Ou seja, austeridade é projeto político.
Na prática, o que acontece é o corte de despesas sociais: saúde, transporte, educação e previdência; o povo subsidia os bancos, as Bets, e a tal “faria lima”.
No Brasil austeridade fiscal atinge até investimentos governamentais na indústria, e os industrias, que sofrem da Síndrome de Estocolmo, aplaudem.
Por aqui os temas: impostos sobre heranças, sobre ganhos de capital, sobre lucros extras, todos os impostos sobre os ricos são tratados como algo proibido, quase um pecado.
Depois, vem, sob a justificativa de conter a inflação, a austeridade monetária, que consiste em aumentos nas taxas de juros, sendo que sabemos que a inflação no Brasil não é de demanda, mas estrutural.
Vamos em frente.
ELEITOS JURÍDICOS
Medidas de austeridade fiscal impostas aos países por organizações financeiras internacionais como o FMI causam violações de direitos humanos, pois, embora eu concorde que países devem realizar gastos qualificados e responsáveis e que a austeridade possa ser uma ferramenta útil contra o desperdício de recursos, é preciso lembrar que ela afeta grupos sociais distintos de maneiras diferentes, especialmente os mais vulneráveis e marginalizados.
É comum vermos medidas de austeridade terem como consequência a redução de subsídios alimentares e cortes em serviços públicos essenciais, isso, evidentemente, viola direitos humanos.
Há consenso entre juristas de todo o mundo de que há base jurídica sólida para afirmar que o uso de políticas de austeridade durante períodos de recessão é incompatível com a obrigação de garantir os direitos humanos: à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia e à liberdade de expressão
A lei internacional dos direitos humanos impede que países sejam forçados a pagar integralmente suas dívidas à custa do aumento de taxas de mortalidade infantil, desemprego ou desnutrição, mas quem se importa com essa lei?
Em março de 2019, o Conselho de Direitos Humanos votou os “Princípios Orientadores das Avaliações do Impacto das Reformas Econômicas sobre os Direitos Humanos” e na seção V dos Princípios aborda explicitamente o papel e as responsabilidades das instituições financeiras internacionais.
Fiquemos atentos.
ELEITOS ECONÔMICOS
De um ponto de vista econômico, não há evidência de que austeridade fiscal e monetária contribua para a recuperação de um país, reduz a inflação, é verdade, mas à base da recessão.
Normalmente os programas de austeridade destroem décadas de construção da indústria, da ciência e tecnologia, dos serviços e do comércio, ou seja, há evidências concretas do impacto negativo que programas de ajuste estrutural têm no crescimento econômico, emprego, sustentabilidade da dívida e, em última instância, igualdade.
Em seu livro The Violence of Austerity , Vicky Cooper e David Whyte destacam como as políticas de austeridade infligem o que eles descrevem como "violência lenta", uma forma de dano que se desenvolve gradualmente e está inserida em sistemas burocráticos; trata-se de uma violência agrava a pobreza, a falta de moradia e a instabilidade social, permanecendo em grande parte invisível porque é mediada por processos governamentais e institucionais, em vez de força física evidente.
Cooper e Whyte argumentam que os efeitos da austeridade são normalizados e justificados como reforma econômica, tornando o dano resultante um subproduto infeliz, mas inevitável e necessário, da disciplina fiscal.
Quando os governos desmantelam as redes de segurança social e a infraestrutura pública para satisfazer as condições de empréstimo do FMI, as comunidades mais pobres sofrem o impacto. Privadas de saúde, educação, pensões, emprego estável e serviços essenciais que sustentam seus meios de subsistência, essas comunidades mergulham em uma precariedade ainda mais profunda.
Essas são as reflexões que merecem sempre críticas e aperfeiçoamento, pois, como sempre digo, sou uma pessoa com muitas dúvidas, sou alguém que teme aqueles cheios de certezas, razão pela qual me coloco ao lado da democracia, do debate das ideias e do respeito às instituições.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




