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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Aldeota, de Jáder de Carvalho: 60 anos de uma obra atemporal

"É através dos 16 capítulos desta narrativa que acompanhamos a vida da personagem Chicó, uma criança cuja infância lhe é negada, como inúmeras Brasil adentro"

(Foto: Sputnik/Vladimir Pesnya)
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Jáder de Carvalho (1901 – 1985) publicou o romance Aldeota no ano de 1963. No início do ano, em janeiro, milhões de brasileiros e brasileiras derrotavam em plebiscito o parlamentarismo, escolhendo o presidencialismo como forma de governo. Em dezembro, o senador Arnon de Melo matava a tiros o senador José Kairala, embora seu alvo fosse o senador Silvestre Péricles. O estado das coisas piorou e, um ano depois uma ditadura civil-militar tomou conta da nação, que passou a governar o Brasil com mão de ferro, o que resultou em prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos e milhares de assassinatos.

Referência para o jornalismo cearense (sua Antologia de João Brígido, de 1969, é primorosa), Carvalho foi professor, jornalista, escritor, advogado e poeta (Terra Bárbara está entre o que de melhor já foi escrito em língua portuguesa). Durante toda vida, o autor de Eu quero o sol (1947) foi incansável na luta contra a opressão, denunciando os empresários corruptos e políticos autoritários do Ceará, o que o tornou inimigo dos poderosos da sua terra. Mas Carvalho nunca foi homem de se deixar intimidar. Mesmo perseguido e condenado pelo tribunal de Exceção do Estado Novo a 27 anos de prisão (foi posto em liberdade após cumprir 364 dias de pena), Carvalho jamais se curvou, legando às novas gerações uma obra riquíssima (é autor, junto com Franklin Nascimento, Sidney Neto e Mozart Firmeza, do livro que inaugura o Modernismo no Ceará: O Canto Novo da Raça, de 1927) e um exemplo de retidão de caráter e combatividade política raramente vistas por aqui.

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Como não poderia de deixar de ser, carvalho afirmava que sua literatura era feita “para servir de porta-voz aos oprimidos e humilhados, que nem sempre têm uma voz fiel, exata, leal e sincera, de que eles se possam servir” (LEAL, 2000:57). E é exatamente essa literatura que se esparrama pelas páginas do romance Aldeota, constituído de dezesseis capítulos e um glossário. Sua primeira edição é de 1963, publicada pela editora Exposição do Livro, de São Paulo. Trata-se de uma edição hoje rara, assim como quase toda a obra do autor. A segunda edição foi publicada pelas Edições Demócrito Rocha, com introdução de Batista de Lima, no ano de 2003. Passados sessenta anos da primeira, e vinte da segunda, Aldeota continua fora de catálogo, sendo encontrado atualmente apenas com estudiosos e/ou bibliófilos.

É através dos dezesseis capítulos desta narrativa de Jáder de Carvalho, que acompanhamos a vida da personagem Chicó, uma criança cuja infância lhe é negada, como inúmeras Brasil adentro. Aprendiz de almocreve, Chicó perambula por todo o interior do Ceará, tendo sua mão de obra explorada, recebendo em troca um prato de comida e um alpendre para dormir. Chicó cresce, desbrava o Cariri e acaba por parar nos seringais da região Norte. Homem feito, Chicó aprendeu das coisas da vida, das dores, amores e ambições.

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Francisco das Chagas Oliveira se torna uma homem muito rico (Chicó já não existe mais) e passa a morar em Fortaleza, no bairro Aldeota, que era o que havia de mais rico na cidade de então. Rodeado de amigos que compram livros por metro, para decorar seus palacetes na tentativa de camuflar sua estupidez, o agora burguês Francisco das Chagas Oliveira aprendeu o “caminho das pedras” do contrabando de algodão e da roubalheira que tudo pode, quando se tem dinheiro, padrinhos políticos e amigos na corte.

Qualquer semelhança da narrativa de 1963, com muito daquilo que assalta nossos olhos sessenta anos depois, não é mera coincidência; o que faz com que Aldeota, assim como a marcha do povo pobre do Pirambu, que tirou o sono dos moradores da Aldeota, continue a assombrar aqueles que enriqueceram ilicitamente na terra dos verdes mares bravios, o que talvez explique o eterno silêncio que paira sobre a obra de Carvalho, especificamente Aldeota. Convém lembrar, por exemplo, que, Dr. Geraldo, seu romance de 1937, chegou a ser queimado em praça pública. Isso se dá, uma vez que, a literatura de Jáder de Carvalho é feita para punir, e ela o faz feito faca, cortando a carne dos canalhas.

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