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Tracy Segal

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Alguns mortos se tornam símbolos e outros apenas números

Os protagonistas da novela escrita pela mídia se tornam os heróis trágicos, enquanto nós, coro, repetimos os lamentos que nos são ditados

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Me lembro do poema de João Cabral de Melo Neto "Morte e vida Severina" em trecho que fala da cova rasa que "é a parte que te cabe neste latifúndio". Em tempos de mortos pensemos nas covas.

Há em toda catástrofe uma nuvem de tristeza e luto. O ataque à revista Charlie Hedbo não fugiu à regra. A perplexidade geral diante do horror em que civis trabalhando em sua rotina são decepados por homens armados da continuidade da história.

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No caso da Revista, os mortos são cartunistas famosos, palhaços no picadeiro do jornalismo, criticando com uma piscadela de olho as mazelas da nossa sociedade. Foram estes o mortos entre as 12 vítimas do ataque. A perplexidade pausa o entendimento e movimentos como "somos todos Charlie" surgem na rede. Mais dois minutos e surgem movimentos contrários que questionam o risco alimentando um dos perigos eminentes da bomba relógio na Europa: a xenofobia, a islamofobia.

A espetacularização da tragédia talvez seja o foco, uma bomba para os holofotes. Um novo 11 de setembro, os ataques como esses têm alcance mais longo. Morrem em tragédias diariamente milhares de pessoas, negros jovens no Brasil morrem às pencas; no Iraque civis foram mortos em nome da democracia; 2 mil mortos na Nigéria. Mas um atentado a um gabinete da mídia é um alvo estratégico. Gera o terror, o terror invisível, a iminência do terror.

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Mortos são mortos. Cadáveres que exalam seu cheiro de morte, a putrefação inevitável para o qual todos caminhamos. Mas alguns mortos se tornam símbolos e outros apenas números. Todos choramos nossos mortos, mas alguns ultrapassam os limites da intimidade e são lamentados em rede mundial, se tornam mortos de todos. O grande "pai/mãe" mídia escolhe seus filhos de acordo com suas necessidades. Somos tragados por esta entidade que nos rege e seguimos indefesos a cumprir suas ordens. Os protagonistas da novela escrita pela mídia se tornam os heróis trágicos, enquanto nós, coro, repetimos os lamentos que nos são ditados. Esse é o destino escrito, que lançando enigmas nos mantém entretidos em busca das respostas para nossa existência.

Funeral de um lavrador

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(música de Chico Buarque com poema de João Cabral de Melo Neto)

Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É a conta menor que tiraste em vida

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É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É a terra que querias ver dividida

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É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estarás mais ancho que estavas no mundo
estarás mais ancho que estavas no mundo

É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo
Porém mais que no mundo te sentirás largo

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É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada, não se abre a boca.

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