Alice Weidel: a paradoxal ascensão do homonacionalismo na política alemã
Weidel e sua retórica de extrema-direita exemplificam o “pink washing”, uma prática de encobrir políticas discriminatórias sob a bandeira dos direitos LGBT
Na última eleição federal na Alemanha, uma figura (i)nesperada emergiu com força: Alice Weidel, líder do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que, surpreendentemente, se apresenta como uma mulher lésbica casada com uma mulher imigrante. Seu surgimento político e a crescente popularidade são, no entanto, cercados de paradoxos que revelam a complexidade do cenário político atual e as dinâmicas que envolvem a instrumentalização da identidade sexual na política, como se observa no conceito de “homonacionalismo” abordado por Jasbir K. Puar.
Weidel defende pautas que vão contra a corrente progressista tradicionalmente associada à comunidade LGBT. Ela é crítica ferrenha da emergência climática e, de maneira polêmica, defende a reativação das usinas nucleares e de carvão. Além disso, ela se opõe ao salário mínimo, propondo a desconstrução de direitos trabalhistas em um país que historicamente tem sido modelo de direitos sociais. Mas a sua política de aceitação de algumas minorias, como a sua própria condição sexual, ao lado de um discurso conservador e nacionalista, revela como o homonacionalismo pode ser um jogo de espelhos — e é exatamente isso que Puar analisa em seu artigo “Homonacionalismo como Mosaico: Viagens Virais, Sexualidades Afetivas”.
O conceito de homonacionalismo, desenvolvido por Puar, descreve a instrumentalização da aceitação de gays e lésbicas para legitimar agendas políticas nacionalistas e conservadoras. A ideia central é que a inclusão dos homossexuais no “progresso” das sociedades ocidentais frequentemente serve para mascarar discriminações mais profundas — como as raciais e as relacionadas aos imigrantes. Em outras palavras, a aceitação de gays e lésbicas pode ser usada como uma estratégia para ocultar políticas de exclusão, racismo e xenofobia. Esse conceito se encaixa perfeitamente com a ascensão de figuras como Alice Weidel, que, ao se colocar como representante de uma minoria sexual, alavanca essa identidade para propagar uma agenda de exclusão de outros grupos marginalizados.
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Weidel e sua retórica de extrema-direita exemplificam o que chamamos de “pink washing”, uma prática de encobrir políticas discriminatórias sob a bandeira dos direitos LGBT. Essa estratégia é comum em regimes que, sob a fachada de defender a liberdade sexual, mantêm políticas de opressão racial e colonial. Sabe aquela "amiga" que ganha uma grana em nome dos mais LGBT fracos, pobres, travestis, prostitutas, moradores de rua… Mas no final é ela quem aparece? Pois é, esse fenômeno não se limita apenas à Alemanha, mas também é visto em outros contextos geopolíticos, como Israel, onde a defesa dos direitos LGBT é utilizada para desviar a atenção de práticas repressivas e colonialistas, como a ocupação da Palestina.
O que questionamos também é o “progresso gay”, criticando a visão simplista de que a conquista de direitos legais para a comunidade LGBTI+ reflete uma verdadeira mudança social. A aceitação de certos indivíduos em espaços políticos dominantes muitas vezes ocorre à custa da marginalização de outros, como imigrantes, pessoas racializadas e aqueles cujas sexualidades ou identidades de gênero não se encaixam nos moldes convencionais. Alice Weidel, em sua ascensão política, é um exemplo claro disso, já que sua própria identidade sexual parece ser usada para conquistar uma base de apoio entre os eleitores LGBT, enquanto ela promove políticas que prejudicam outros grupos minoritários.
Eu nem vou mencionar que sou monocular e trans, por que certamente as associações que usam meu nome sequer sabem a complexidade destes dois modelos da diferença: Trans e Pcd!
Além disso, o conceito de homonacionalismo também desafia a visão tradicional de identidade sexual. Ao invés de tratar a sexualidade como uma identidade fixa e binária, sabemos que a sexualidade deve ser vista como, segundo Puar, um “mosaico de sensações, afetos e forças”. Essa abordagem plural e fluida poderia, em um contexto como o da senhora Weidel, oferecer uma compreensão mais complexa da política de identidade que ela representa. Ela é uma identidade que, em certos aspectos, se adequa às demandas do nacionalismo, mas que, ao mesmo tempo, não reflete as realidades das outras marginalizações presentes em sua plataforma política.
O impacto do homonacionalismo se estende ainda mais para o campo da política internacional. A ascensão de líderes como Weidel é indicativa de um movimento global, onde o nacionalismo está se unindo com a ideia de que a aceitação de minorias sexuais pode ser uma forma de fortalecer um projeto nacionalista maior. Puar argumenta que o homonacionalismo transcende as fronteiras do Estado-nação e envolve complexas dinâmicas geopolíticas, como as relações entre os EUA e Israel, que usam os direitos LGBT para justificar políticas imperialistas e agressivas. Nesse cenário, movimentos de resistência, como o dos queer palestinos, podem ser diretamente afetados por essa instrumentalização da sexualidade.
A crítica aos movimentos LGBT mainstream, que muitas vezes não questionam práticas imperialistas e racistas, é crucial para entendermos onde realmente estamos e cercados por quem. Jasbir Puar chama atenção para a necessidade de abordagens anti-coloniais e decoloniais dentro do ativismo queer. As dinâmicas de poder entre os Estados-nação e suas políticas de aceitação “condicional” de certos grupos, como gays e lésbicas, devem ser analisadas de forma crítica para evitar que a luta pela liberdade sexual seja cooptada por agendas mais amplas de opressão, hierarquização e exclusão.
No caso da Alemanha, Alice Weidel não apenas representa uma liderança na extrema-direita, mas também um reflexo do que Puar chama de “mosaico viral” do homonacionalismo. A ascensão de sua figura política não é apenas sobre uma mulher lésbica conquistando poder, mas sobre a utilização dessa identidade para propagar uma agenda conservadora e xenofóbica. A interseção entre sexualidade, raça, nacionalismo e imperialismo e capacitismo-utilitarista, é um ponto fundamental para entender a política de figuras como Weidel. O desafio agora é desvendar como essa agenda pode ser contida, sem cair nas armadilhas do homonacionalismo, e garantir que a verdadeira luta por igualdade e justiça para todas as pessoas seja alcançada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

