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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Aquelas pessoas na sala de jantar

Elas são o Brazil que ignora o Brasil do quilombola torturado, da população trans discriminada e morta, do preto perseguido, da mulher assassinada

(Foto: Reprodução)
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As tentativas de compreensão do Brasil atual exigem conceitos que expliquem como chegamos até aqui, como esse país deu no que deu. A questão é que quanto mais busca, mais cadáveres são encontrados embaixo dos tapetes da República. Haja trabalho para nossos historiadores, uma vez que todo santo e profano dia surgem novos acontecimentos, que beiram o inacreditável, o insólito. Assim, termos como surrealismo, distopia e absurdo já não dão conta do que por aqui tem ocorrido. Quem não está tomado de assombro frente a tudo que está acontecendo é porque não está entendendo absolutamente nada.

Na semana que segue, por exemplo, lá estavam os escorregadios depoentes na CPI do Genocídio tentando desdizer o óbvio, ou seja, que enquanto tinha gente morrendo por falta de uma vacina que já existia, oferecida inúmeras vezes ao governo brasileiro, o que interessava aos envolvidos eram as propinas, os conchavos e as maracutaias típicas das republiquetas de bananas. O aguardado relatório da CPI promete dar nome aos bois. Será aterrador, mas não deverá trazer surpresas. 

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Dois outros acontecimentos, por sua essência dantesca, também ganharam destaque. O primeiro foi aquele jantar, cujas imagens foram exaustivamente veiculadas na mídia nacional. O segundo, não menos bizarro, foi o crime de ódio sofrido por um quilombola em situação de rua, no Rio Grande do Norte. Em ambos os casos, tanto os comensais quanto o torturador do quilombola são apoiadores do atual presidente, conforme fartamente divulgado no noticiário. Quem imaginaria isso, né?

À mesa do grotesco jantar, reuniram-se homens velhos, brancos e muito ricos. Diz-se, inclusive, que estava ali uma boa parte do PIB nacional, assim como a representação da imprensa comercial, que contribuiu decisivamente para eleger a piada da qual tanto riram. Daquelas pessoas na sala de jantar, diz-se que raros eram aqueles que nada devem à Justiça, tendo inclusive passagens pela polícia. Assim, em meio a vinhos caros, servidos em taças de finíssimo cristal por um serviçal uniformizado – o único a usar máscara - riram intensamente da desgraça do povo brasileiro, sem demonstração alguma de compaixão pelos "simplicios" diariamente torturados e mortos de vício, bala ou fome, nos quatro cantos do país. 

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Aquelas pessoas na sala de jantar não estão nem um pouco preocupadas com quem nasce, se come osso, se come com a mão ou morre. Desde que não seja um deles, continuarão rindo. Aquelas pessoas na sala de jantar não estão interessadas em saber que os indígenas Piripkura, cercados por garimpeiros, poderão ser dizimados a qualquer momento, caso a portaria que os protege não seja renovada. E tudo indica que não será. Ou seja, mais um genocídio em curso. Mas quem se importa? Aquelas pessoas na sala de jantar, que tanto odeiam que se defendam as terras dos povos ancestrais? Dizem eles, que pelo andar da carruagem, os indígenas tomarão para si até o Morumbi, conforme um poderoso grupo de comunicação, cujo dono era um dos convidados naquele jantar medonho.

Aquelas pessoas na sala de jantar não dão a mínima se a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) afirma em seu relatório de 16/09/2021, que há um abismo em nível de leitura entre jovens de alta e baixa renda, resultado das desigualdades sociais que se agudizam por aqui. Aquelas pessoas na sala de jantar comem, bebem e dormem tranquilas. Elas são o Brazil que ignora o Brasil do quilombola torturado, da população trans discriminada e morta, do preto perseguido, da mulher assassinada.  Aquelas pessoas na sala de jantar sabem que amanhã serão seus filhos a tomar assento naquela mesma mesa na sala onde, se prestar bastante atenção, ainda ecoarão ecos das gargalhadas que já se ouviam ali desde o período colonial. 

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