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Ângelo Cavalcante

Economista, cientista político, doutorando na USP e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG)

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As duas faces de Eva

O oito de março, dia internacional da mulher, se aproxima. É momento de celebrar, mas, como de costume, é instante fundamental para refletir sobre o dramático quadro cultural que envolve a condição da mulher no Brasil

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"O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante."

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013)

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O oito de março, dia internacional da mulher, se aproxima. É momento de celebrar, mas, como de costume, é instante fundamental para refletir sobre o dramático quadro cultural que envolve a condição da mulher no Brasil.

Bom começo é partir do acontecimento do golpe jus-midiático-parlamentar e que logrou derrubar a primeira mulher a presidir um país que segundo dados do Mapa da Violência/2015 (CEBELA/FLACSO), é o quinto do mundo em matança de mulheres.

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De acordo com essa pesquisa, apenas no ano de 2013, 4.762 mulheres foram assassinadas no Brasil. Isso é, mais ou menos, treze homicídios por dia ou aproximadamente, um tiro, facada ou estrangulamento a cada duas horas. Olha... Nem o terrorismo escancarado do Boko Haram ou do Estado Islâmico é tão eficaz.

Aliás, onde está a eficácia do feminicídio praticado no Brasil? Em que se sustenta? Quem o sustenta? Ora, primeiro é preciso considerar o aspecto determinante de que 50,3% destes crimes são perpetrados por familiares. 33,2% são cometidos por parceiros ou ex-parceiros, ou seja, o inimigo, meus caros e caras, é intimo, interno; é de casa, da vida cotidiana.

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A pesquisa mostra ainda que a violência física e fatal contra mulheres opera de forma diferenciada e em plena consonância com a tonalidade da pele, quero dizer com isso que a questão racial entra com força nessa discussão. Na série histórica de 2003 a 2013, a matança de mulheres negras revela um salto vertiginoso de 54%; um acréscimo impressionante que pululou de 1.864 mortes para 2.875 mortes. É bastante curioso que nessa mesmíssima série histórica a matança de mulheres brancas tenha diminuído em quase dez por cento; decrescendo de 1.747 mortes (2003) para 1.576 mortes (2013).

A professora Lourdes Maria Bandeira (Sociologia/UnB), coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (NEPEM) e que desenvolve pesquisas sobre feminismo, relações de gênero e raça, afirma categoricamente que "essa situação equivale a uma guerra civil permanente".

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A cartografia do feminicídio situa estados do Norte e Nordeste como os mais violentos. A exceção é o Piauí. Entram também nesta lista do derramamento do sangue feminino os representantes do centro-oeste: Goiás e Mato Grosso e; o representante-mor do sudeste: Espírito Santo.

A médica Nadine Gasman, representante da ONU-Mulheres no Brasil, em artigo intitulado "Para o Brasil, há mulheres e mulheres. E todas devem ser controladas" (disponível na internet) cita que: "... em casos de violência física, a sociedade [brasileira] apoia o divórcio e a prisão dos agressores. No entanto, para 65% da população, se a mulher agredida continua com o parceiro, é porque ela gosta de apanhar".

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Não é tema de fácil lida; é espinhoso, delicado, multifacetado e densamente complexo. Envolve preconceito, uma cultura de tradições coloniais e enraizada nas práticas comuns e cotidianas. Pensar caminhos para uma sociedade moderna só é possível na concepção de formas convivais justas, adequadas e libertárias.

Falava no começo deste ensaio que o recente golpe que destituiu Dilma Roussef nos é emblemático para o entendimento das questões nevrálgicas e que envolvem e determinam a condição feminina no Brasil. Por acaso, nos esquecemos dos adesivos que situavam a genitália de Roussef nas entradas dos tanques de alguns veículos?

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E os clássicos "essa puta!"? "Essa vagabunda"? "Essa vaca"? Esquecemos? Quem esqueceu da declaração aberta e pública de certo Bolsonaro quando saudava o assassino Brilhante Ustra por ter (imaginem!) torturado Dilma Roussef (e o "torturado" aqui é mero eufemismo para não dizer "abusado sexualmente e de todas as formas de uma prisioneira"!)?

A memória se afirma nesta contemporaneidade dominada pelo pior das forças da direita patriarcal como o principal campo e espaço de lutas sociais. Lembrar, lembrar muito, lembrar sempre... É luta eficaz e necessária e sem a qual, conquistas sociais fundamentais não se realizam nem agora e nem para as gerações que virão.

De outro modo, a memória social está em disputa e perder essa batalha é ao mesmo tempo, renovar patriarcados, seus modelos de organização social e econômica bem como todo o universo de submissão que diz respeito a todos os brasileiros e onde a mulher tem um lugar "muito especial".

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