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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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Bolsa Família: custo ou investimento?

O papel do programa na redução da desigualdade foi maior do que o Benefício de Prestação Continuada, avalia Pedro Maciel

Bolsa Família (Foto: ABr | Amanda Perobelli/Reuters)
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Por Pedro Maciel 

 Fui visitado por um jovem consultor do BTG, ele esteve no meu escritório oferecendo seus serviços.

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 Evidentemente “bem-nascido”, educado, economista e cheio de certezas. Como são perigosas as certezas... Eu estava gostando dele, até que ele referiu-se ao Bolsa-família como custo e “gastança” desnecessária e capaz de gerar inflação e afastar investimentos internacionais.  

 Eu poderia simplesmente ter ignorado a bobagem dita, ou interrompido a reunião, mas resolvi mudar o caminho da prosa e dar a ele uma outra perspectiva do que é o Bolsa-família e dos efeitos virtuosos que o programa colhe.  

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 Acredito que o programa não representa custo, mas investimento, pois com apenas de 0,5% do PIB, o Bolsa Família conseguiu, em 18 anos, reduzir a pobreza, a pobreza extrema, a mortalidade infantil, aumentar a participação escolar feminina, reduzir a desigualdade regional do país e melhorar indicadores de insegurança alimentar entre os mais pobres.   

 Não são resultados irrelevantes.

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 Ele me respondeu: “mas o Bolsa Família incentiva as mulheres a terem mais filhos”.  

 Ledo engano, pois apesar do argumento persistente de que o Bolsa Família incentivaria as mulheres a terem mais filhos, a fecundidade das mulheres de baixa renda diminuiu de 5,5 filhos em 1991, para 4,6 filhos em 2000 e 3,3 filhos em 2010. Assim, embora não se possa atribuir a queda aos efeitos do Bolsa Família, fica evidente que o programa não alterou a trajetória de declínio da taxa de fecundidade brasileira, iniciada na década de 1960.  

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 O programa, como toda política pública, precisa de avaliação e ajustes permanentes, mas o programa foi reconhecido internacionalmente ao longo dos anos e comprovado nos mais de 19 mil estudos publicados.

 O Bolsa-família teve como objetivo quebrar o ciclo geracional da pobreza, isto é, a tendência de os filhos das pessoas pobres acabarem vivendo na mesma pobreza em que seus pais.   

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 O público-alvo do programa eram todas as famílias com renda por pessoa de até R$ 89 por mês (situação de extrema pobreza), ou com renda até R$ 178 mensais (situação de pobreza) com crianças ou adolescentes até 17 anos.  Mas haviam condicionantes: a) permanência das crianças na escola e b) acompanhamento de saúde das gestantes e a vacinação em dia, cabendo aos municípios a fiscalização do seu cumprimento.  

 Em 2017 mais de 3,4 milhões de pessoas haviam deixado a pobreza extrema por causa do Bolsa Família e 3,2 milhões passaram acima da linha de pobreza graças ao programa. Merece ressalva que um percentual importante dos beneficiários continuaram em situação de extrema pobreza.

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 Há conhecido estudo que analisou uma amostra de mais de 6 milhões de crianças com idades abaixo de 5 anos, entre 2006 e 2015 e comparando famílias beneficiárias do Bolsa Família com outras fora do programa, constou-se que o programa de transferência de renda reduziu em 16% a mortalidade de crianças de 1 a 4 anos.  

 O efeito foi ainda mais significativo para famílias com mães negras e nos municípios mais pobres, onde a redução chegou a 28%. Esses resultados reforçam a evidência de que programas como o Bolsa Família também têm grande potencial para melhorar a saúde e a sobrevivência infantil.

 Mas não é só.  

 O Bolsa Família teve resultados relevantes para o avanço da educação feminina.  Foram analisados mais de 11 mil domicílios entre 2005 e 2009, constatou-se que o programa aumentou a participação escolar das meninas em 8 pontos percentuais e a progressão entre em 10 pontos percentuais. Curiosamente não foram encontrados resultados significativos para os meninos.  

 O Bolsa Família também foi responsável por 14,8% da redução da desigualdade regional no Brasil entre 1995 e 2006, constatou o Ipea.  

 O papel do programa na redução da desigualdade foi maior do que o Benefício de Prestação Continuada, salário-mínimo pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. O importante papel do Bolsa Família na redução da desigualdade regional se deve ao maior número de beneficiários nas regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do país.  

 Segurança alimentar e nutricional. As famílias atendidas por programas de transferência de renda tendem a gastar uma parcela importante do benefício com a compra de alimentos, principalmente para as crianças, ou seja, o programa tem impacto positivo na segurança alimentar e nutricional. Quanto mais pobres são as famílias, maior propensão marginal a consumir, movimentando a economia.  

 A cada 1 real investido no Bolsa-família, gera 1,78 real no PIB brasileiro, como mostrou estudo realizado por Marcelo Neri, Fabio Monteiro e Pedro Herculano de Souza – “EFEITOS MACROECONÔMICOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS TRANSFERÊNCIAS SOCIAIS”. Esse efeito multiplicar de 1,78 é maior que todas as demais formas de transferência de renda, como BPC, seguro-desemprego e abono salarial.  

 E, ao contrário do dizem imbecis, como o apresentador Sikêra Jr. e o ex-presidente Bolsonaro: não é verdade que quem recebe Bolsa Família "não sabe fazer quase nada". Um levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo revelou que dos 1,15 milhão de contemplados na primeira leva do Bolsa Família, em outubro de 2003, 795 mil - ou 69% do total - conseguiram deixar o programa.  

 Mas não adiantou nada. O jovem economista, que nasceu e viveu sob a lógica individualista do liberalismo e seus valores, não ouviu ou, se ouviu, não entendeu e não entendeu que, na prática investimento é espécie de gasto ou aplicação de recursos feito com o intuito de obter retornos futuros, usando conhecimentos de mercado e análises estratégicas para isso.

 Tomamos mais um café, apertamos as mãos, agradeci a visita e, parafraseando Ariano Suassuna, disse a ele: “é muito difícil você compreender a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos”.  

 Essas são as reflexões de hoje.

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