Bolsa Família: custo ou investimento?
O papel do programa na redução da desigualdade foi maior do que o Benefício de Prestação Continuada, avalia Pedro Maciel
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Por Pedro Maciel
Fui visitado por um jovem consultor do BTG, ele esteve no meu escritório oferecendo seus serviços.
Evidentemente “bem-nascido”, educado, economista e cheio de certezas. Como são perigosas as certezas... Eu estava gostando dele, até que ele referiu-se ao Bolsa-família como custo e “gastança” desnecessária e capaz de gerar inflação e afastar investimentos internacionais.
Eu poderia simplesmente ter ignorado a bobagem dita, ou interrompido a reunião, mas resolvi mudar o caminho da prosa e dar a ele uma outra perspectiva do que é o Bolsa-família e dos efeitos virtuosos que o programa colhe.
Acredito que o programa não representa custo, mas investimento, pois com apenas de 0,5% do PIB, o Bolsa Família conseguiu, em 18 anos, reduzir a pobreza, a pobreza extrema, a mortalidade infantil, aumentar a participação escolar feminina, reduzir a desigualdade regional do país e melhorar indicadores de insegurança alimentar entre os mais pobres.
Não são resultados irrelevantes.
Ele me respondeu: “mas o Bolsa Família incentiva as mulheres a terem mais filhos”.
Ledo engano, pois apesar do argumento persistente de que o Bolsa Família incentivaria as mulheres a terem mais filhos, a fecundidade das mulheres de baixa renda diminuiu de 5,5 filhos em 1991, para 4,6 filhos em 2000 e 3,3 filhos em 2010. Assim, embora não se possa atribuir a queda aos efeitos do Bolsa Família, fica evidente que o programa não alterou a trajetória de declínio da taxa de fecundidade brasileira, iniciada na década de 1960.
O programa, como toda política pública, precisa de avaliação e ajustes permanentes, mas o programa foi reconhecido internacionalmente ao longo dos anos e comprovado nos mais de 19 mil estudos publicados.
O Bolsa-família teve como objetivo quebrar o ciclo geracional da pobreza, isto é, a tendência de os filhos das pessoas pobres acabarem vivendo na mesma pobreza em que seus pais.
O público-alvo do programa eram todas as famílias com renda por pessoa de até R$ 89 por mês (situação de extrema pobreza), ou com renda até R$ 178 mensais (situação de pobreza) com crianças ou adolescentes até 17 anos. Mas haviam condicionantes: a) permanência das crianças na escola e b) acompanhamento de saúde das gestantes e a vacinação em dia, cabendo aos municípios a fiscalização do seu cumprimento.
Em 2017 mais de 3,4 milhões de pessoas haviam deixado a pobreza extrema por causa do Bolsa Família e 3,2 milhões passaram acima da linha de pobreza graças ao programa. Merece ressalva que um percentual importante dos beneficiários continuaram em situação de extrema pobreza.
Há conhecido estudo que analisou uma amostra de mais de 6 milhões de crianças com idades abaixo de 5 anos, entre 2006 e 2015 e comparando famílias beneficiárias do Bolsa Família com outras fora do programa, constou-se que o programa de transferência de renda reduziu em 16% a mortalidade de crianças de 1 a 4 anos.
O efeito foi ainda mais significativo para famílias com mães negras e nos municípios mais pobres, onde a redução chegou a 28%. Esses resultados reforçam a evidência de que programas como o Bolsa Família também têm grande potencial para melhorar a saúde e a sobrevivência infantil.
Mas não é só.
O Bolsa Família teve resultados relevantes para o avanço da educação feminina. Foram analisados mais de 11 mil domicílios entre 2005 e 2009, constatou-se que o programa aumentou a participação escolar das meninas em 8 pontos percentuais e a progressão entre em 10 pontos percentuais. Curiosamente não foram encontrados resultados significativos para os meninos.
O Bolsa Família também foi responsável por 14,8% da redução da desigualdade regional no Brasil entre 1995 e 2006, constatou o Ipea.
O papel do programa na redução da desigualdade foi maior do que o Benefício de Prestação Continuada, salário-mínimo pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. O importante papel do Bolsa Família na redução da desigualdade regional se deve ao maior número de beneficiários nas regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do país.
Segurança alimentar e nutricional. As famílias atendidas por programas de transferência de renda tendem a gastar uma parcela importante do benefício com a compra de alimentos, principalmente para as crianças, ou seja, o programa tem impacto positivo na segurança alimentar e nutricional. Quanto mais pobres são as famílias, maior propensão marginal a consumir, movimentando a economia.
A cada 1 real investido no Bolsa-família, gera 1,78 real no PIB brasileiro, como mostrou estudo realizado por Marcelo Neri, Fabio Monteiro e Pedro Herculano de Souza – “EFEITOS MACROECONÔMICOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS TRANSFERÊNCIAS SOCIAIS”. Esse efeito multiplicar de 1,78 é maior que todas as demais formas de transferência de renda, como BPC, seguro-desemprego e abono salarial.
E, ao contrário do dizem imbecis, como o apresentador Sikêra Jr. e o ex-presidente Bolsonaro: não é verdade que quem recebe Bolsa Família "não sabe fazer quase nada". Um levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo revelou que dos 1,15 milhão de contemplados na primeira leva do Bolsa Família, em outubro de 2003, 795 mil - ou 69% do total - conseguiram deixar o programa.
Mas não adiantou nada. O jovem economista, que nasceu e viveu sob a lógica individualista do liberalismo e seus valores, não ouviu ou, se ouviu, não entendeu e não entendeu que, na prática investimento é espécie de gasto ou aplicação de recursos feito com o intuito de obter retornos futuros, usando conhecimentos de mercado e análises estratégicas para isso.
Tomamos mais um café, apertamos as mãos, agradeci a visita e, parafraseando Ariano Suassuna, disse a ele: “é muito difícil você compreender a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos”.
Essas são as reflexões de hoje.
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