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Pedro Desidério Checchetto

Psicologo Clínico, Pesquisador em Psicologia Social e Professor Universitário. Doutorando em Psicologia Social pela PUCSP/URV - Espanha

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Bora pro Tigrinho ou hoje não?

Salve-se quem puder, poupe quem puder poupar, aplique quem puder aplicar. Os salários têm perdido valor de compra, e essa é uma tendência do capitalismo mundial

Jogo do tigrinho (Foto: Reprodução)

Dias atrás, um psicólogo contou uma cena curiosa. Ao reencontrar um velho amigo que considerava culto, viajado, progressista, morador de bairro nobre e atualmente trabalhando em uma empresa das famigeradas bets, mencionou que havia atuado por anos em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em um bairro periférico de São Paulo. O amigo fez uma breve pausa, olhou para ele e soltou:

— Você devia ganhar bem pouco lá, né? Sinto muito...

O psicólogo apenas sorriu. Lembrou das madrugadas de crise, das famílias angustiadas, dos encontros clínicos com quem a sociedade costuma deixar para depois. E pensou: Isso é pergunta ou provocação?

Poucos dias depois, outra conversa semelhante. Agora com um profissional do mercado financeiro, que ouviu sobre sua participação em um projeto de nível nacional, envolvendo pesquisa e políticas públicas no SUS. A reação foi imediata:

— Mas você ganha para isso aí? Deve ser uma bolsa de uns três mil, né?

Dois interlocutores diferentes, trajetórias distintas, a mesma lógica: se o trabalho não especula ou oferece alguma promessa de ganho imediato, então não deve estar pagando tão bem, não.

Esse tipo de pensamento não surge do nada. É fruto de décadas de hegemonia do capitalismo financeiro — como mostra a psicologia sócio-histórica, é a dimensão subjetiva desse sistema — que nos ensinou a medir o valor de algo pela rentabilidade, não pela utilidade material. Hoje, um trabalho não vale mais pelo que produz, mas pelo que rende. Na era da renda passiva, da especulação e do cassino financeiro, um trabalho de perspectiva social vira quase um hobby, sem peso real na lógica do mercado.

No fundo, Freud espiaria a cena com sarcasmo e diria: não passam de dois machos comparando salários como quem mede quem tem o falo maior. Mas o fato é que o valor do trabalho se desgarrou consideravelmente de sua função real no mundo. Vale apenas pelo que rende.

Salve-se quem puder, poupe quem puder poupar, aplique quem puder aplicar. Os salários têm perdido valor de compra, e essa é uma tendência do capitalismo mundial. E, no meio disso tudo, você já fez seu “investimento” no Tigrinho da Virgínia ou acompanhou o regime ao vivo do Gordão da XJ hoje?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.